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3 A ZONA DE CONTATO CONHECIMENTO CIENTÍFICO X SABER TRADICIONAL

3.2 POPULAÇÕES TRADICIONAIS E SABER TRADICIONAL – DELINEANDO OS CONCEITOS

3.2.1 Saber tradicional um campo de batalha conceitual

Afinal, o que é saber tradicional? Quais suas principais características e relevância? Porque é importante e como as diferentes abordagens teóricas informam as definições usadas pelo CGEN e pelos demais grupos de interesse envolvidos na sua gestão? Quais premissas e agendas estas definições revelam? Teria o conceito de saber tradicional se transformado em uma panacéia, uma no va moda entre as agências de desenvolvimento? Estaria ele sendo idealizado pelos movimentos sociais? Ou ele já teria morrido?

Após apresentar as definições de populações tradicionais e povos indígenas, buscar-se-á discutir nesta seção as principais correntes e abordagens sobre o saber tradicional.

Para Lévi-Strauss (1997, p.40), “poucos povos primitivos adquiriram um conhecimento tão completo sobre as propriedades físicas e químicas de seu ambiente botânico quanto os índios sul-americanos”. .

No âmbito das “contribuições indígenas”, o conhecimento das propriedades medicinais das plantas é, sem dúvida, uma das suas maiores riquezas, afinal, as plantas têm os mais diversos usos pelos índios, tais como: alimento, condimento, fonte de sal, na construção de moradias, utensílios domésticos, brinquedos, canoas, tecidos, ornamentos, armas e armadilhas para caça, fonte de pigmento e fixadores, gomas, sabões, veneno, borracha, etc. (RIBEIRO,1987; 2001).

Com relação à efetividade dos tratamentos à base de plantas empregados pelos indígenas, Martius (1939, p. 233) comenta: “O efeito das compressas de ervas frescas que algumas vezes vimos os médicos indígenas empregarem nas úlceras

malignas foi tão rápido e eficaz que atingiu as raias do maravilhoso”.

Na busca da origem do saber indígena relacionado às plantas, o mesmo autor ponderou:

[...] nenhum conhecimento seguro explica onde o aborígene brasileiro as encontrou, nem quando e como, pela primeira vez as utilizou. (...) Sem dúvida, recebeu a orientação essencial pelo sentido da analogia que se acha no íntimo da natureza humana. (MARTIUS, 1939, p.286).

Na constituição dessas riquezas culturais, além de comunidades tradicionais como ribeirinhos, sertanejos, caiçaras e quilombolas, destacam-se os povos indígenas, já que as culturas indígenas, com o elemento mítico do “bugre”, matizaram originalmente quase que a totalidade das populações tradicionais brasileiras, compondo, juntamente com a cultura africana e européia, a matriz fundamental da cultura brasileira.

Sua contribuição é quase onipresente e se dá em diversas áreas, como fábulas e lendas que enriquecem nosso imaginário, nossa toponímia, culinária, agricultura, artes utilitária e plástica, tipos de habitação, crenças, crendices, hábitos e religiosidades que fazem parte de nosso cotidiano.

No plano censitário, estima-se que existam, atualmente, mais de 350 mil índios espalhados pelo país, empregando 170 línguas nativas diferentes. Também é importante ressaltar que, em nosso país, 53 grupos indígenas ainda vivem de modo isolado dos não-índios. (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2004).

Esse quadro atual é bastante distinto daquele encontrado na época pré- colombiana, afinal já chegaram a existir no Brasil de 350 a 500 línguas faladas e 2 a 6 milhões de habitantes nativos, divididos em quatro troncos culturais distintos: Tupy, Aruak, Karib e Jê. (JECUPÉ,1998, p.30).

Segundo Denevan (1976, apud CARNEIRO DA CUNHA, 1992), estima-se que a população indígena na Amazônia, no Brasil central e na costa nordeste tenha chegado a expressivos 6,8 milhões de indivíduos, antes da chegada dos portugueses.

Para Carneiro da Cunha (1992, p.14), “se a população indígena tinha, realmente a densidade que hoje se lhe atribui, esvai-se a imagem tradicional (aparentemente consolidada no século XIX), de um continente pouco habitado a ser ocupado pelos europeus” e é nesse sentido que se pode afirmar que a América não

foi descoberta, mas invadida.

Agora, depois de décadas de políticas indigenistas de cunho eminentemente integracionista, em que os índios foram tomados como selvagens que deviam ser amansados, a boa notícia é que de maneira contrária ao que comumente acredita-se, a população de indígenas, em termos absolutos, está crescendo no Brasil. (RIBEIRO, 1962; 1995). Segundo dado do Instituto Socioambiental (2004), a população indígena no Brasil já ultrapassaria os 350 mil indivíduos.

Isso não implica em afirmar que ainda não ocorram massacres, como, por exemplo, o dos Yanomamis há mais de 15 anos, (AÇÃO PELA CIDADANIA,1990), já que tantas outras formas de violência, explícitas ou veladas contra esses povos ainda perduram, mas sim, em admitir que, de maneira geral, para Ribeiro (1995, p.112)

[...] a evangelização puramente cristianizadora e imperialmente europeizadora perdeu o furor etnocida (...) e que o paternalismo da proteção oficial do Estado, brutalmente assimilacionista, por doutrina, ou por ignorância, deu lugar a uma atitude mais respeitosa diante dos índios.

Nesse sentido, a afirmação dessa imensa riqueza cultural representada pelos povos nativos do Brasil se faz necessária, à medida que a própria sociedade brasileira ainda não a constatou. Afinal, o próprio vocábulo “índio”, genérico e originado de um equívoco, insinua que todos esses povos são iguais, difundindo a falsa idéia de que compartilham uma mesma cultura, língua, hábitos etc. (SOUZA FILHO, 1999, p.38).

Até alguns anos atrás, no plano internacional, a discussão da criatividade intelectual das populações tradicionais, era conduzida principalmente sob a denominação de folclore. Entretanto, devido às criticas que surgiram à época de que o termo era um arcaísmo que reproduzia uma visão eurocêntrica, na qual seriam consideradas, apenas algumas manifestações culturais, e que não era capaz de englobar outros aspectos da herança cultural de populações tradicionais tais como o conhecimento é que foi cunhado o termo conhecimento tradicional. (BLAKENEY, 1999, p.2).

Atualmente há uma profusão de definições e terminologias: conhecimento tradicional, conhecimento local, conhecimento indígena, conhecimento tradicional ecológico ou ambiental, entre outros, Como Sillitoe (2004, p.1) comenta “quaisquer

que seja o termo empregado, existem objeções”.

O estudo do saber tradicional é foco da Antropologia desde sua concepção como ciência, que tem ganhado maior importância a partir do trabalho de Franz Boas e de outros cientistas tais como Emile Durkheim e Marcel Mauss. Entretanto, ainda hoje, não há algo como uma Teoria Geral do saber tradicional, mas sim um debate vívido das suas características.

O debate ganho u importância a partir da segunda metade do século XX, quando antropólogos como Claude Lévi-Strauss passaram a focar os aspectos cognitivos das populações tradicionais, trazendo à tona algumas especificidades do saber tradicional.

A discussão inicial de Lévi-Strauss traz uma abordagem interessante sobre como o saber tradicional é estudado atualmente.

Sua visão é de que o pensamento selvagem, mítico ou ainda o pensamento em liberdade, seria construído diretamente a partir dos dados percebidos pelos sentidos, indutivamente. Seria uma maneira espontânea e coerente de se conhecer o mundo, uma ferramenta teórica embasada em imagens concretas. (SEYMOUR-SMITH, 1986).

Lévi-Strauss criticava análises anteriores que afirmavam que as sociedades tradicionais eram ineptas, defendia uma “ciência do concreto” das populações tradicionais, que, apesar de distinta do conhecimento científico, seria igualmente válida em alguns sentidos. Ele tentou mostrar que não existe uma grande diferença entre os modos de se conhecer das culturas ditas primitivas da nossa, e que na verdade haveria uma lógica oculta no modo com o qual essas culturas criam conhecimento e percebem o mundo.

Segundo Lévi-Strauss (1963, p.14), para entender como esse modo de se conhecer é gerado, faz-se necessário observar que:

[...] cada uma dessas técnicas envolve séculos de observação metódica e ativa, de hipóteses testadas em experimentos repetidos infinitamente (...) não há dúvida que isso tenha requerido uma atitude genuinamente científica, um interesse continuado e cuidadoso e um desejo pelo conhecimento em si.

Em seu repto de desenhar uma relação entre a ciência do concreto e a ciência “normal”, ele apresenta a idéia de que foi durante a era Neolítica que inventaram-se e desenvolveram-se as artes e ofícios primitivos da ciência, tais como

a tecelagem, agricultura, domesticação de animais e a cerâmica. Nesse sentido, haveria dois modos distintos de pensamento científico: o da ciência moderna, que emergiu da cultura grega e uma ciência selvagem, muito mais antiga, cujas origens remontam à era Neolítica. Entretanto, esses dois modos de se conhecer não seriam o resultado de uma evolução ou de diferenças na maneira como o Homem pensa. Com efeito, ela representaria os dois níveis estratégicos nos quais a natureza permite ser penetrada pela compreensão científica: o primeiro diretamente adaptado à percepção sensorial e o outro independente dela. (WISEMAN, 1997, p.66).

Lévi-Strauss explica a gênese e a dinâmica do pensamento selvagem a partir da metáfora da bricolagem, em seguida, ele compara-a com o conhecimento científico através da metáfora do engenheiro. A questão inquietante nesta comparação que visa a caracterizar os dois modos de se conhecer subjacentes à ciência primitiva e a ciência moderna é que muitas vezes as diferenças se desfazem. (WISEMAN, 1997, p.78).

A metáfora da bricolagem seria uma alusão que uma tenta descrever padrões característicos do pensamento mítico. Nesse sentido, o bricoleur estaria apto a executar um grande número de tarefas, mas, ao contrário do engenheiro, ele não subordinaria cada uma delas à disponibilidade de materiais e ferramentas concebidos a propósito de determinado projeto.

O conjunto de ferramentas e materiais do bricoleur seria definido apenas pelo seu uso potencial, uma ve z que eles podem vir a se tornar úteis. As partes são intercambiáveis e a sua criação seria uma reconstrução contínua. O pensamento mítico seria assim, uma forma intelectual de bricolagem. (LÉVI-STRAUSS, 1963).

Nesta perspectiva, o pensamento mítico seria gerado através da decisão de que tudo deve ser levado em consideração, ele expressa-se através de um repertório heterogêneo, que por mais extenso que possa parecer, ainda é limitado. Entretanto, assim como o engenheiro, o bricoleur está constantemente expandindo os limites de seu repertório, direcionando seus esforços em ir além do que já se sabe. (WISEMAN, 1997).

O estoque do bricoleur possuiria significados, e seria agrupado em termos de suas relações possíveis, sendo uma dessas, concretizada pela escolha do bricoleur. (WISEMAN, 1997).

O fato distintivo dessa metáfora estaria no seu foco sobre a maneira não- aleatória com a qual o conhecimento seria gerado pelas populações tradicionais.

Para Lévi-Strauss (1963), o bricoleur busca encontrar novas combinações e variantes na sua busca pelo significado, seu trabalho seria uma forma de protesto contra a aparente falta de sentido do mundo natural.

À época da publicação de seu trabalho sobre o pensamento selvagem, Lévi-Strauss inseriu-se no debate sobre a distinção entre conhecimento científico e o pensamento selvagem.

Nesse contexto, Levi-Bruhl via “o pensamento selvagem como parte de um mundo pré-lógico e pré-científico. O pensamento selvagem estaria dominado pela afetividade e um sentido de participação mística no mundo”. (WISEMAN, 1997 p.54). Em contraposição, Lévi-Strauss buscou mostrar que o pensamento selvagem possui um sentido e lógica semelhante ao nosso.

Outra contenda teórica foi travada com Bronislaw Malinowski, para quem a geração do saber tradicional teria uma explicação utilitária, segundo a qual as plantas seriam conhecidas e nomeadas apenas devido ao seu uso, ou capacidade de alimentar os estômagos ruidosos das populações tidas como primitivas. Lévi- Strauss argumentou, em contrário, que as plantas não são boas apenas para se comer mas também para se pensar a partir delas. (WISEMAN, 1997).

Este último argumento de ordem intelectual, afirma que as pessoas criam as suas classificações pelo desejo de conhecer, segundo Levi-Strauss (1963, p.9), “não é a sua utilidade prática que gera o conhecimento, mas sim porque, antes de tudo, conhece-se as plantas é que elas se tornam úteis ou interessantes”.

“Não há duvida que tal fato demandou uma atitude genuinamente científica, interesse atencioso e continuado e um desejo pelo conhecimento em si”. (LÉVI-STRAUSS, 1963, p.14). Além do estômago ruidoso, o homem “primitivo” teria uma vontade de conhecer, que não possui outro fim senão a sua própria satisfação, um tipo de “instinto para conhecer”.

Ao lado do viés utilitarista-intelectual do debate sobre o pensamento selvagem, considera-se que muitos dos pontos levantados por Lévi-Strauss continuam atuais e relevantes.

Isso talvez seja porque, atualmente, a discussão envolve o saber tradicional como a documentação etnográfica das relações das populações, e seus estilos de vida continua sendo um dos seus principais da Antropologia. (SILLITOE, 2004, p.5).

sobre o saber tradicional ganhou um novo momento a partir da sua inclusão no texto da CDB.

De acordo com o PNUMA1 (2001, p.5), o conhecimento tradicional pode ser definido como:

[...] um corpo de conhecimento construído por um grupo de pessoas através de sua vivência em contato próximo com a natureza por várias gerações. Ele inclui um sistema de classificação, um conjunto de observações empíricas sobre o ambiente local e um sistema de auto-manejo que governa o uso dos recursos.

De modo complementar, Posey (1997, p.1), afirma que:

[...] o conhecimento indígena não se enquadra em categorias e subdivisões precisamente definidas, como as que a Biologia moderna tenta artificialmente organizar. Em vez disso, o conhecimento biológico de folk vem a ser uma amálgama de plantas animais, caçadas, horticultura, espíritos, mitos, cerimônias, ritos, reuniões, energias, cantos e danças.

Desse modo pode-se perceber algumas das características intrínsecas do conhecimento tradicional, tais como: ancestralidade, autenticidade e sua dinamicidade, ou seja, longe de qualquer idéia de imutabilidade que a palavra tradicional pode sugerir erroneamente, ele evolui com o tempo em um processo contínuo de mudança, acumulação e uso.

Esta definição traz à luz a natureza complexa do saber tradicional, seu imbricamento na prática social e nas crenças traz um outro problema, pois fica difícil imaginar o que não é saber tradicional nesse contexto.

Para compreender o imbricamento do saber tradicional no estilo de vida dessas populações, faz-se necessário antes compreender sua visão de mundo, sua subjetividade. Nesse sentido, nota-se que o saber tradicional parte de uma visão de mundo holística, onde a natureza, as relações sociais e espirituais são vistas de modo interdependente; Jecupé (1998) descreve a percepção holística dessas populações como segue:

[...] as tradições ensinam que tudo se desdobra de uma fonte única, formando uma trama sagrada de relações e inter-relações, de modo que tudo se conecta a tudo. O pulsar de uma estrela na noite é o mesmo do coração. Homens, árvores, serras, rios e mares são um corpo, com ações interdependentes. Esse conceito só pode ser compreendido através do coração, ou seja, da natureza interna de cada um.(JECUPÉ, 1998, p.61).

Geralmente, ao tratar o meio que os cercavam com o mesmo respeito com que tratariam seus próprios antepassados, esses povos desenvolveram um sistema de conhecimento mais integrado com o meio ambiente no qual o sagrado e o secular são inseparáveis. Assim, pode-se afirmar que esse conhecimento do ambiente depende não somente da relação entre seres humanos e natureza, mas também da relação entre o mundo visível e o invisível, espiritual.

Apesar de inerentemente multidisciplinar e ser um resultado de paciente observação empírica e convívio com o meio natural, o saber tradicional, em seu aspecto holístico, é uma fundamentação racional para a prática das populações tradicionais assentadas em ambientes naturais, pois é capaz de gerar uma ética de preservação para aqueles que seguem seus princípios.

Ao contrário de uma comunhão, proximidade ou união mística com a natureza, a idéia convívio na natureza desses povos tem pouco a ver com a imagem rousseauniana do “bom selvagem”. Segundo Pierotti e Wildcat (2000, p.1336):

[...] a principal característica do conhecimento ecológico tradicional é de que todas as coisas estão conectadas, o que não é simplesmente um clichê romantizado ou uma homilia, mas, ao contrário, é a percepção de que nenhum organismo pode existir sem a rede de outras formas de vida ao seu redor que torna sua existência possível. Este conceito aproxima-se muito da disciplina ocidental Ecologia das Populações, que enfatiza as relações entre diferentes espécies e indivíduos, e descreve essas relações empregando a metáfora da rede. (...) Portanto apesar da idéia de ciclo, ou círculo, da vida ser uma parte integrante das crenças espirituais dos nativos, este não é um conceito místico baseado em grandes mistérios, mas o reconhecimento prático do fato de que todos os seres vivos estão literalmente conectados uns aos outros.

Em decorrência dessa visão de mundo, é importante ressaltar que o território dessas comunidades é muito mais que um simples espaço de reprodução econômica, mas também o locus das relações sociais, das representações do imaginário mitológico e religioso que guiam o saber e o saber fazer dessas populações sobre o meio físico em que habitam, ou seja, o espaço físico pode ser considerado como parte integrante dessas populações.

De modo complementar, Pierotti e Wildcat (2000: p.1335) afirmam que “o conhecimento ecológico tradicional engloba tanto ciência quanto religião, no sentido de que a religião é a representação ritual da comunidade e um instrumento de sanção dos códigos morais e éticos”.

Faz-se necessário ressaltar que essa codificação do conhecimento tradicional pela religião não é inconteste pelas populações ao passar do tempo, afinal as crenças tradicionais tiveram e têm um longo período para terem suas conseqüências testadas, avaliadas, compartilhadas e modificadas, conforme o caso, por sucessivas gerações.

Ao analisar os estilos de vida de diversas populações tradicionais, Posey (1999) chamou essa imbricação de valores culturais – espirituais com o meio ambiente de “elo inextrincável”. A partir dessa interface é que se originariam as práticas sustentáveis dessas populações, condicionando os chamados “estilos de vida tradicionais”, que remarcados pelo padrão dinâmico e sustentável de uso de recursos em seu território, poderia ser expresso pelas populações tradicionais através dos seguintes valores:

- Cooperação;

- Laços familiares e comunicação entre gerações, incluindo com os antepassados;

- Preocupação com o bem-estar das gerações futuras;

- Auto-suficiência em escala local e dependência dos recursos naturais disponíveis localmente;

- Direitos às terras, territórios e recursos que tendem a ser coletivos, em vez de individuais e alienáveis;

- Restrições na exploração de recursos e respeito à natureza, especialmente pelos lugares sagrados. (POSEY,1999, p.4).

Além desses valores, pode-se acrescentar às demais características do conhecimento tradicional a questão da oralidade da sua transmissão, já que a grande maioria das populações não possui uma tradição escrita de repasse desse saber.

Assim, levando-se em conta os aspectos relativos à visão de mundo preponderante entre as populações tradicionais e os valores que dirigem seus estilos de vida, pode-se elencar, resumidamente, as seguintes características da dinâmica do saber tradicional:

- Mantido e produzido coletivamente;

- Transmitido oralmente de geração para geração; - Dinâmico, evolui com o tempo;

- Acesso e uso do saber tradicional dessas populações geralmente é governado por uma ampla variedade de leis usuais não-escritas e comumente aceitas.

A principal dificuldade em se discutir um suposto comportamento conservacionista das populações tradicionais reside, primeiramente, na imensa diversidade de comportamentos e atitudes frente à natureza.

Segundo Moran (1993, p.32), em se tratando apenas da Amazônia “os vários grupos étnicos possuem estrutura e organização sociais, ideologias, percepções distintas do meio ambiente.” O que contribuiu recentemente para a retomada dessa discussão foram os estudos de ecologia humana que ressaltaram evidências de que grande parte das áreas florestais tidas como prístinas, idílicas e intocadas, seriam, na verdade, resultado de continuada ação antropogênica, o que configuraria a idéia de natureza cultural. (CRONON, 1995).

Originalmente, a visão do nativo americano como bom selvagem surgiu desde os primeiros relatos dos viajantes europeus que ganhou novo momento com corrente humanista insuflada pelo renascimento. Em um afã fantasioso, a literatura de viagens da época passou a retratar os nativos americanos como remanescentes da antiga humanidade desaparecida, de uma idade de ouro. (FRANCO, 1976).

Quase que simultaneamente, e já no sentido de corroborar a espoliação e invasão européias, difundiu-se uma visão demoníaca, que, a partir de histórias medievais e de uma leitura distorcida de relatos dos viajantes, referia-se à existência fantástica de tribos de pigmeus, de homens com os pés voltados para trás, além da própria lenda das amazonas, que perdurou por mais tempo, bem como a divulgação de uma visão banalizada e generalizadora de todos os nativos sul americanos dos hábitos antropofágicos ritualísticos de algumas tribos tupinambás habitantes da costa brasileira. (RIBEIRO, 2001).

Se puros ou comedores de gente, nobres ou ignóbeis, o fato é que ambas as imagens estereotipadas foram atribuídas aos nativos e ainda hoje constituem