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Do conhecimento profissional compartilhado ao conhecimento educacional especializado: as múltiplas redes de contato

Tese antítese síntese.

AS HIPÓTESES

2 A VERDADE HISTÓRICA DA PESQUISADORA

2.6 Do conhecimento profissional compartilhado ao conhecimento educacional especializado: as múltiplas redes de contato

Entre as políticas públicas educacionais, a formação de profissionais de educação e a administração da educação existe um elo indissolúvel e de fundamental importância que faz ressaltada a exigência do mundo contemporâneo por uma educação de qualidade.

Ferreira (2013), ao refletir sobre esse mundo novo e sobre a exigência impostergável por ele imposta, assim se expressa:

É um novo conhecimento que se afigura e configura como exigência. É uma competente e permanente capacitação que se impõe para homens e mulheres no sentido do enfrentamento da vida. É uma outra condição que se impõe para se sobreviver com dignidade [...] É num tempo como esse que nós, educadores e educadoras, nos vemos moralmente obrigados, mais do que nunca, a fazer perguntas cruciais e vitais sobre nosso trabalho e nossas responsabilidades, afim de respondê-las com propostas e ações coerentes e eficazes (FERREIRA, 2013, p. 127).

Associo-me ao pensamento de Ferreira (2013, p. 134), defendendo, igualmente, que a: “[...] formação do profissional exige hoje, mais do que nunca uma sólida formação humana e que esta relaciona-se diretamente com a sua emancipação como indivíduo social, sujeito histórico em nossa sociedade”.

Temos em Rosa (2007, p. 24) a sinalização convergente às exigências mencionadas. A autora insiste em que:

Toda mudança, nasce, assim, do casamento entre a necessidade e o desejo. Não há mudança, porém, sem uma necessidade e o desejo. Não há mudança, porém, sem uma certa dose de desobediência. Quem muda, subverte.

Por isso mesmo, choca e, invariavelmente, passa a ser alvo de críticas e até de punições. Não há facilidades para quem se lança a este desafio. Suportar as pressões externas ─ além das internas ─ faz parte do intento (ROSA, 2007, p. 24).

Nesses quase cinquenta anos de vivências na rede pública de ensino com atuação na educação infantil, ensino fundamental e médio, participei de várias frentes de trabalho de formação profissional em diferentes contextos educacionais,

lugares diversos, âmbitos da administração e projetos da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.

De 1969 a 1971 continuei a experimentar-me na docência e prática alfabetizadoras, tendo “armazenada”, nesses dois anos, a inquietação com o caso Jairo.

De 1972 a 1974, por força dos movimentos de guerrilha armada e de disputas de terras devolutas, o poder público passou a centralizar o olhar na estratégica região do Vale do Ribeira, com interesse em medidas de desenvolvimento para a região.

Uma dessas medidas foi a implantação das Unidades Escolares de Ação Comunitária (UEAC), escolas rurais destinadas a desenvolver programação específica que objetivava assegurar uma ação educativa voltada para a interação escola/comunidade, abrangendo o ensino regular, a educação pré-escolar, o ensino supletivo e as atividades comunitárias.

Sem conhecimento dos critérios de seleção, fui indicada pela cúpula administrativa da SEE/SP para fazer parte da inusitada experiência. Rumei para a cidade de Iguape – Ilha Comprida, Litoral Sul do Estado de São Paulo, para assumir a função de Orientadora das UEAC daquele município, juntamente com mais duas parceiras de jornada. Antes, passamos pelo processo de formação inicial, com duração de dois meses, desenvolvido pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), ligada à Universidade de São Paulo (USP) e situada no município de Piracicaba, interior paulista.

Aquela foi uma experiência que, sozinha, constituiria outra tese, se resgatada na sua inteireza, para análise.

Vale ressaltar, contudo, que a significância político-pedagógica da experiência alcançou tal expressividade que se tornou referência para a ampliação do programa em outras regiões do Estado de São Paulo, incluindo a região do Vale do Paraíba, não obstante a aprendizagem de que há sempre um preço a pagar pela ousadia de pensar, sentir e agir diferente. No entanto, justamente por isso, nenhum Orientador de UEAC, naquela época, desistiu de fazê-la. Ao contrário, pagamos todos para ver o sonho realizado.

Essa inclusão fez me sujeito de pesquisa da Profa. Dra. Delfina de Paiva Villela, que realizou, no ano de 1980, o Estudo das Unidades Escolares de Ação Comunitária implantadas posteriormente nas localidades rurais da referida região onde há mais de vinte anos tenho minha morada.

Quis o destino que, naquele ano, eu tivesse aceitado enfrentar o desafio de desempenhar a função de Assistente Técnica do 1º grau, no âmbito da Coordenadoria do Interior (CEI), da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, respondendo pela expansão do Programa de Implantação das UEAC em outras regiões do Estado. Talvez por isso, e pelas vozes dos querubins, encontrei o então Delegado de Ensino de Guaratinguetá, prof. Genésio França, para com ele viver mais de trinta anos a aventura humana da felicidade.

Experiências também significativas foram as vividas por mim quando, junto à CEI, à CENP38 e à FDE39, e ao lado de nomes como Laurinda Ramalho, Telma Weisz, Elba de Sá Barreto, Marília Claret, Leila Alves, Lino de Macedo e outros pesquisadores, desenvolvi parcerias de formação dos profissionais da Educação do Estado de São Paulo durante toda a década de 80, concomitantemente com a formação dos profissionais da Educação da Delegacia de Ensino de Votorantim/SP, hoje Divisão Regional de Ensino, já no cargo efetivo de Supervisora de Ensino.

Não menos significativas foram as experiências de formação desenvolvidas na década de 90, junto à Oficina Pedagógica da Delegacia de Ensino de Taubaté/SP (hoje Divisão Regional de Ensino) e junto ao Centro de Aperfeiçoamento de Recursos Humanos (CARH), de São José dos Campos/SP, somadas ao movimento de formação desenvolvido pelo Programa de Educação Continuada (PEC) da Universidade de Taubaté (UNITAU) em parceria com a SEE/SP.

No entanto, pela forçosidade da delimitação deste trabalho, e valendo-me do duplo exercício que a memória, segundo Fazenda (2001), nos possibilita, o “retentivo”, que nos permite o “acesso à história compreendida em seu movimento complexo e multidimensional” (PEREIRA, 1997, apud FAZENDA, 2001, p. 26) e o “projetivo”, que nos possibilita “encontrar traços identitários na trilha da vida, [...]

38 Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), órgão da SEE/SP, responsável pela

Formação Continuada dos Profissionais da Educação da Secretaria de Estado da Educação.

39 Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão vinculado à SEE e também

identificar a gama de universos de referência constituídos que compõem o conjunto de uma existência, as matrizes de referência que traçam a marca de uma vida profissional” (p. 26), seleciono, do conjunto das experiências vividas, para análise mais detalhada, a experiência de formação da Construção da Rede Municipal de Ensino de Taubaté, no quadriênio 1997-2000.

Essa experiência de formação de formadores em formação, de amplitude e abrangência inimagináveis a priori, fez-se no bojo da minha própria história de vida e formação e reflete o vivido, as vivências e o pensamento sobre a vida futura, numa ocorrência histórica inédita, pois, segundo Nóvoa40, citando Damásio (in: JOSSO, 2002, p. 12), “[...] a consciência nasce quando interpretamos um objecto com o nosso sentido autobiográfico, a nossa identidade e a nossa capacidade de anteciparmos o que há- de vir”. Tomo-a, em análise, para descrever um pouco mais da minha corrida atrás do conhecimento conforme a declaração feita ao Jairo, neste trabalho.

Ao lado da educadora Maria Christina de Toledo Simões, assessora pedagógica e formadora da FUTUREKIDS do Brasil, polo São José dos Campos/SP, no período de 2001 a 2009, muitos foram os momentos vividos na formação de educadores da educação básica das Secretarias da Educação dos municípios paulistas de Bauru, Guaratinguetá, Lençóis Paulista, Lorena, Mairiporã, Paraibuna, Taboão da Serra e Ubatuba. Com professores da educação infantil e ensino fundamental desenvolvemos, juntamente com as demais equipes de trabalho da empresa e do corpo técnico das prefeituras daquelas localidades, a formação em educação tecnológica e iniciação científica com intervenções presenciais e/ou a distância.

Os processos de formação profissional receberam ênfase na orientação dirigida aos mediadores da informática educacional e houve especial atenção para o uso adequado das tecnologias digitais e softwares educativos, sobretudo aqueles destinados aos anos iniciais da escolarização básica. Os focos da formação incidiram no impacto da imagem no processo de aprender, no uso da internet como

40 António Nóvoa. Prefácio. In: JOSSO, M. C. Experiências de vida e formação. / Marie-Christine

Josso; prefácio António Novoa; revisão científica, apresentação e notas à edição brasileira Cecília Warschauer; tradução José Claudino e Júlia Ferreira; adaptação à edição brasileira Maria Vianna, São Paulo: Cortez, 2004.

recurso facilitador da aprendizagem, na confecção de materiais para ambientes virtuais de aprendizagem e no uso de videoconferência e fóruns virtuais nos processos próprios da educação escolar.

A superação das ideias de reciclar, treinar e/ou capacitar profissionais para a modernidade tecnológica configurou o fio condutor daquela experiência inovadora, que se constituiu em formas eficientes de ação, muito embora, a meu juízo, ainda restasse boa parte da caminhada até à criação de uma cultura tecnológica escolar. Falo de uma cultura voltada para a introjeção das novas tecnologias de informação e comunicação nos ambientes virtuais de aprendizagem, radicalmente assentadas no pilar da emancipação dos sujeitos que aprendem. Entendíamos a cultura online como possibilidade do cultivo de uma prática interdisciplinar ou da interdisciplinaridade prática, com o compartilhamento de experiências e aprendizagens colaborativas, num processo inacabado e, por isso mesmo, sempre em movimento, exercitando os sujeitos nas suas potencialidades e capacidades de aprender continuadamente.

A formação profissional procurou refletir com os docentes sobre o fato de que todo o currículo escolar está num contexto social mais amplo e, portanto, o êxito maior ou menor na educação e no ensino depende das condições e das expectativas condizentes com a sua possível realização. Em outras palavras, precisava-se de uma tomada de consciência de que a mudança no tratamento curricular deve respeitar, antes de tudo, as reais expectativas e necessidades da comunidade escolar.

O objetivo maior era que os professores compreendessem que o desenvolvimento profissional depende do envolvimento do próprio professor na análise e na reflexão coletiva sobre as práticas escolares que desenvolve. Depende também da definição de quais formas de trabalho potencializadas pelo uso das tecnologias devem ser tomadas como as mais adequadas para a aprendizagem dos alunos, considerando cada realidade educacional.

Dessa forma, o trabalho com projetos e o projeto pedagógico da escola como construção coletiva, bem como as teorias que subjazem às práticas docentes e à sala de aula como espaço formativo, foram, juntamente com as questões do cotidiano escolar, as preocupações centrais do processo de formação e desenvolvimento dos professores das localidades aqui pontuadas.

Entendiam os propositores do programa que a tecnologia educacional tem muito a contribuir para o não esvaziamento científico e cultural da educação escolarizada e, desse entendimento, todos os envolvidos com aquele modelo formativo mantinham acordo.

De outra feita, na capital catarinense participei da formação profissional dos professores para a atuação no Programa Nacional de Juventude, instituído pela Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005 (PROJOVEM URBANO). O processo de formação propunha uma discussão sobre a juventude articulada com os seis grandes campos de atuação e de produção humana, quais sejam: juventude e cultura, juventude e cidade; juventude e trabalho; juventude e comunicação; juventude e tecnologia e, por fim, juventude e cidadania.

Sem dúvida nenhuma, essas foram passagens da minha história de vida e formação que ampliaram sobremaneira a minha visão de mundo e de educação, bem como nortearam o meu fazer pedagógico tanto quanto as demais experiências docentes vividas anteriormente, da escola de roça à universidade, o que vale dizer, o meu “ser no mundo” e “ser ao mundo”.

Para Rezende (1990), o ser-no-mundo refere-se à

[...] experiência fundamental de um ser-aberto-ao mundo. A transcendência e a facticidade afetam essa relação de tal forma que não há facticidade sem transcendência, nem transcendência sem facticidade.

É o que leva a fenomenologia a ultrapassar, com a consciência engajada, a perspectiva de um sujeito transcendental, sem contudo negar ao homem sua condição de sujeito (REZENDE, 1990, p. 36).

Nesse sentido, Rezende (1990) orienta:

Em outras palavras, a adoção do ponto de vista estrutural da fenomenologia supõe e exige uma reformulação de todo o problema da consciência e da subjetividade, que não é somente inteligência, liberdade, espírito, nem só corporeidade, inconsciente, determinismo, mas tudo isso em constante relacionamento existencial dialético.

O mesmo deve ser dito a respeito da estrutura do mundo, ele não é somente matéria, produto, condicionamento, sentido, recebido, instituição, mas é um mundo humano, marcado, precisamente, pela presença do homem ao – mundo e no – mundo (REZENDE, 1990, p. 36).

Ensina-nos o autor que a fenomenologia voltada para o estudo do homem se faz “antropologia estrutural”, com fins de, nesse estudo, não reduzir nenhuma de suas dimensões: a individual, a social, a teórico-prática, a físico-espiritual, etc. Ao contrário, a fenomenologia procura cuidar de todas elas em função da integridade e da totalidade do homem.

2.7 A formação de formadores na educação municipal de Taubaté/SP