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O fenômeno educativo caracterizado no fato pedagógico e fundamentado na teoria linguística na teoria linguística

Tese antítese síntese.

AS HIPÓTESES

4 OS CAMINHOS APRENDENTES DA ALFABETIZAÇÃO: Pedaços significativos da história de vida e formação da pesquisadora

4.3 O fenômeno educativo caracterizado no fato pedagógico e fundamentado na teoria linguística na teoria linguística

Sendo a conscientização um processo-projeto, um constante reconfronto com o mundo cultural, que possibilita ao homem perceber-se como ser-no-mundo e ao- mundo, como nos lembra Rezende (1990), e apoiando-me em Freire (1996), é que senti uma necessidade premente de compreender os sentidos do fenômeno caracterizado no fato pedagógico vivido com o aluno Jairo.

[...] a conscientização é neste sentido, um teste da realidade. Quanto maior a conscientização, mais se des-vela a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto ante ao qual nos encontramos para analisá- lo. Por essa razão a conscientização não consiste em estarmos diante da realidade assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da práxis, isto é sem o ato de ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui de maneira permanente o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens (REZENDE, 1990, p. 76).

Trabalho de tamanha envergadura tornou premente a necessidade do discurso descritivo para a análise do fenômeno objeto de estudo desta pesquisa, impondo à pesquisadora a necessidade de uma atitude descritiva frente ao referido fato pedagógico, uma vez que esta é que “corresponde à densidade semântica do fenômeno experimentado”.

Como aprendemos com Rezende (1990):

[...] a descrição supõe, ela própria, uma situação especial de presença, fora da qual não há possibilidade de percepção fenomenal. A atitude descritiva e o discurso a ela correspondente decorrem da “volta às próprias coisas” para redescobri-las num encontro original, anterior a todas as informações fornecidas pelas fontes secundárias e que, por isso mesmo, devem ser postas entre parênteses. Neste sentido, uma verdadeira descrição, supondo a consciência perceptiva, só pode ser feita por alguém que seja sujeito de seu próprio discurso e entre em contato com um mundo complexo tanto em sua constituição como em sua história (REZENDE, 1990, p.18).

Assim, a análise e a reflexão da própria prática pedagógica permite o desvelamento de aspectos considerados importantes e sobre os quais nos alerta Weisz (2000): por trás de toda prática pedagógica estão subjacentes algumas ideias, teorias e concepções sobre o conteúdo a ser aprendido pelos alunos, sobre o processo de aprendizagem e sobre como deve ser o ensino.

Braggio (1992) corrobora essas ideias, ao discutir como se constrói uma concepção sobre o processo de alfabetização, tendo em vista uma prática de ensino que permite a superação de concepções “ingênuas”.

O alerta da autora quanto à referida superação converge para um caminho

intrincado e árduo, como ela mesma faz questão de ressaltar:

[...] Intrincado porque implica numa visão de homem e de sociedade e numa consequente opção teórica sobre a natureza da linguagem e sua aquisição. Árduo, porque significa fazer frente às concepções ingênuas que pari passu com aquela concepção subsistem e resistem. Práticas que tolhem, alienam e massificam os indivíduos (BRAGGIO, 1992, p. 1, grifo do autor).

Braggio (1992), apoiada em Giroux (1986), lembra que, em uma análise mais acurada sobre o contexto educacional, é possível observar que, se por um lado, salvo raríssimas exceções, o processo de alfabetização e as questões a ele atinentes se dissociam das forças mais amplas, de natureza social, histórica e

ideológica, por outro lado nunca dessas concepções se apartaram, mostrando, em

face delas, uma evidente relação intrínseca, haja vista os modelos de leitura e escrita que se nos apresentam ao longo dos anos.

Para Braggio (1992), esses modelos permitem antever, não só o viés filosófico predominante em uma determinada época, ou os que coexistem através de várias épocas, mas também as concepções sobre o processo educacional visíveis nas práticas observadas no cotidiano de uma sala de aula, pautadas numa didática prescritiva.

Vale ressaltar, nesse contexto, o pensamento de Colello et. al., (2010) sobre o fato de que as propostas pedagógicas, no interior da escola, não advêm de uma única área de conhecimento, tampouco de uma teoria específica, como alguns educadores supõem.

As intervenções de um professor alfabetizador são de natureza político- ideológica, na medida em que desvelam suas concepções de homem, da sociedade em que vive, de seu conceito sobre cidadania, da escrita e do próprio papel da alfabetização no processo de constituição desta.

O desvelamento dessa natureza é que nos impõe uma análise que contemple a complexidade estrutural do fenômeno educativo, ora caracterizado no fato pedagógico vivido no período de alfabetização com o aluno Jairo.

Para tanto, como alerta Rezende (1990), temos que “discursar” sobre tal fenômeno, uma vez que nele tratamos da linguagem, a fim de evitar os dois vícios sobre os quais asseveram os estudos fenomenológicos e que se apresentam como “derrogações de pertinência”, buscando compreendê-lo não apenas como um conteúdo conceitual a ser definido, frente ao qual assumiríamos uma posição falsamente intelectual.

Segundo Rezende (1990):

Dois vícios se apresentam como possíveis derrogações da pertinência: o reducionismo e o fenomenismo. O reducionismo consiste em insistir num aspecto em detrimento de outros, que acabam sendo deixados de lado, muito embora também sejam importantes para a significação plena do fenômeno. O fenomenismo, ao contrário, consiste em acumular toda e qualquer informação, em multiplicar os aspectos enumerados, sem discernimento fenomenológico, isto é sem cuidar se eles devem de fato ser apontados, tanto em nome da significância como da pertinência e da relevância (REZENDE, 1990, p. 21).

Nosso discurso não pode, dessa forma, alienar-se dos sentidos que o tecem e que por nós são escolhidos para tecê-lo. Não de forma arbitrária, como sabemos de antemão, posto que todo ele seja também discursivo da história humana, portanto cultural e, como tal, constituinte da nossa subjetividade, subjetividade esta construída no transcorrer de nossas vidas, desde o nosso nascimento neste mundo.

Esta tarefa nos impõe cuidar para que o nosso discurso seja pertinente como convém ser a todo discurso fenomenológico. Isto é, o discurso que faz desvendados todos os aspectos da estrutura significativa do fenômeno observado. Ele se apresenta estruturado e, como tal, traz em seu bojo uma multiplicidade constitutiva desvelando fios diversos, cujo sentido compõe a trama da situação existencial que

ora submetemos à análise, considerado o contexto sócio-histórico do fenômeno observado.

Para essa análise, há que se rememorar o contexto educacional que serviu de “pano de fundo” para o cenário em que se apresentam as concepções que dão sustentação às metodologias utilizadas àquela época, no processo de alfabetização, ora estudado.

A pedagogia tecnicista surgida nos Estados Unidos na segunda metade do século XX encontra “terreno fértil no Brasil” nas décadas de 1960 e 1970, e suas asserções proliferam no meio educacional um movimento que ficou conhecido como “tecnicismo educacional”.

Alicerçada nos pressupostos da teoria behaviorista da aprendizagem e na abordagem sistêmica do ensino, tal pedagogia corroborava a lógica prevalecente à época no contexto social, lógica que primava por adequar a educação às exigências de uma sociedade industrial e tecnológica.

Nos ditames de uma sociedade capitalista, a educação serve a um propósito único, qual seja, formar indivíduos “competentes” para atuar no mercado de trabalho, importando, para tanto, a tecnologia em detrimento do professor, o qual seria apenas um elo entre a verdade científica e o aluno.

Ao estudar Ferreiro (2001, in: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, PROFA, 2001), sobre “O direito de se alfabetizar na escola: um pouco de história”110, é possível

analisar a evolução das investigações e estudos sobre a alfabetização escolar no século XX, a partir de um recorte denominado pela autora de o primeiro dos três períodos, os quais marcaram tais investigações, e este é o que nos interessa, na presente pesquisa.

Nesse período, que corresponde, aproximadamente, à primeira metade do referido século, as discussões com foco tão somente no ensino tinham por objetivo a escolha do melhor método para alfabetizar, haja vista que o fracasso escolar tão presente na época, nas classes de alfabetização, se devia, ao que se supunha, ao uso de métodos inadequados. Tal polêmica dividiu opiniões entre os defensores do

110 Emília Ferreiro. O direito de se alfabetizar na escola – um pouco de história. Extraído do

documento de apresentação do PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Ministério da Educação – Secretaria da Educação Fundamental, 2001.

Método Global e os do método Fonético111 (FERREIRO, in: MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, PROFA, 2001).

No Brasil, segundo a autora, tal discussão caiu em desuso, na medida em que muitos educadores adotaram o conhecido na época como método “misto” (p. 7, grifo do autor), qual seja, “[...] nada mais que a nossa conhecida cartilha, baseada em análise e síntese e estruturada a partir de um silabário” (p. 7).

A metodologia das Cartilhas, ainda muito utilizada no Brasil na década de 1970, é portanto a que serve de base para as práticas desenvolvidas nas classes de alfabetização por muitos professores alfabetizadores no referido período, e também a mim imputada para alfabetizar o aluno Jairo.

Ao analisar o processo de alfabetização, que lhe é próprio, fica muito clara a concepção sobre a natureza da linguagem subjacente ao método por mim adotado, bem como a visão de homem e de sociedade a ela intrinsecamente ligada.

Segundo Braggio (1992), essa concepção sobre a linguagem pode ser vista com relação:

a) à sua natureza:

Como um sistema fechado, autônomo, constituído de componentes não relacionados entre si, onde sintaxe, morfologia, fonologia (gramática) e a semântica são tomadas à parte umas das outras; como se um dos seus componentes tivesse precedência sobre os demais, geralmente o da gramática sobre a semântica, sobre o significado, tomado este, por sua vez, como unilateral; unívoco, cristalizado; como fragmentável nos seus componentes constitutivos mínimos, fonemas e morfemas, “quebrando-a” e isolando-a da totalidade do fenômeno linguístico e como desvinculada do contexto sócio-histórico-cultural que lhe dá origem (BRAGGIO, 1992, p. 8). b) à sua aquisição:

Como uma habilidade a ser adquirida através da associação entre estímulo e respostas, habilidade esta que só requer do indivíduo a capacidade de fazer aquela associação de forma passiva, mecânica, repetitiva e imitativa. Há uma separação clara entre sujeito e objeto do conhecimento, a linguagem, sendo esta o foco de análise, reduzida, entretanto, a um produto da experiência sensorial, fisicamente mensurável e observável, onde o sujeito é considerado como tábula rasa, como um processador passivo do estímulo no ambiente (BRAGGIO, 1992, p. 8).

111 O método global ou analítico defendia que o melhor era oferecer ao aluno a totalidade, ou seja,

palavras, frases ou pequenos textos, para que ele fizesse uma análise e chegasse às partes, que são as sílabas e letras. O método fonético ou sintético, ao contrário, propunha que o aluno tinha de aprender primeiro as letras ou sílabas, e o som das mesmas, para chegar a palavras ou frases (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, PROFA, 2001, p. 7).

No que diz respeito à concepção de homem e de sociedade:

a) O homem é idealística e abstratamente concebido, entendido como um ser em isolamento da sociedade, passivo, acrítico, isto é, incapaz de experimentar contradições internas, de mudar a si mesmo e à sociedade que o circunda através de sua práxis (BRAGGIO, 1992, p. 8, grifo do autor). b) A sociedade também é idealística e abstratamente concebida, estática, homogênea e, portanto, também vazia de valores antagônicos, de luta de classes (BRAGGIO, 1992, p. 8).

Referindo-se ao linguista Bloomfield (1933, 1942), a autora lembra de que sua proposta de trabalho com os métodos de base fônica para a alfabetização se sustentam na teoria behaviorista ou comportamentalista, e que foram amplamente adotados e divulgados. Portanto, ao analisar um, já podemos perceber o conteúdo e alcance dos demais (BRAGGIO, 1992).

Estão entre os métodos de alfabetização tanto os considerados do tipo top-

down, ou seja, que iniciam o processo das partes para o todo, como os do

tipo bottom-up, ou seja, do todo para as partes. Entre os primeiros, podemos citar os métodos fônicos e silábicos mediados pela fônica e, entre os últimos, os métodos de palavração e os globais [...]. Sistematizados nas cartilhas de alfabetização, basta analisar um deles, já que a maioria dos pressupostos são comuns, para que tenhamos uma ideia de seu conteúdo e alcance (BRAGGIO, 1992, p. 8, grifo do autor).

Muito embora, esse estudioso tenha sido o responsável pelo estatuto da Linguística como uma ciência autônoma, é pelo seu olhar e consideração, e do que avalia como sendo “científico”, que, juntamente com seus seguidores, exclui do campo da linguística os aspectos da linguagem que julga não passíveis de serem tratados com o rigor e precisão científicos adequados, incluindo-se nessa seleção a semântica.

Vale ressaltar que o científico, para Bloomfield, trazido por Braggio (1992), não contempla o que não é observável ou mensurável, o que justifica sua adoção pelo empirismo e behaviorismo112.

112 Behaviorismo: Escola psicológica que estuda somente o comportamento aberto. Sin. Psicologia

E-R (estímulo-resposta). Apresenta duas variedades: metodológica e ontológica. A primeira não nega a ocorrência de processos mentais, mas não crê que não se possa estudá-los cientificamente. Em oposição, o behaviorismo ontológico nega a realidade do que é mental. Obviamente, a segunda implica logicamente a primeira. O que torna o behaviorismo interessante

Segundo Weisz (2000), tais referenciais teóricos que vêm amalgamando historicamente as representações sociais dos professores sobre o que é ensinar, como o aluno aprende, e o que e como se deve ensinar, “[...] se expressa em um modelo de aprendizagem de base empirista conhecido como de ‘estímulo-resposta’” (WEISZ, 2000, p. 7).

Frente a esse modelo, só caberia ao aluno a substituição da resposta errada pela certa, devendo para tanto memorizar e fixar as informações passadas pelo professor, das mais simples e parciais para as mais complexas.

O pressuposto subjacente a tal proposta é de que a língua escrita é vista como transcrição da fala; supõe-se a escrita como espelho da língua que se fala. Nesse contexto, fica claro que, quando eu pedia para Jairo que escrevesse EU e ele escrevia OIA, minha expectativa era que ele demonstrasse ter aprendido do jeito que eu lhe havia ensinado.

Como complementa Weisz (2000):

[...] na concepção empirista o conhecimento está “fora” do sujeito e é interiorizado através dos sentidos, ativados pela ação física e perceptual. O sujeito da aprendizagem seria “vazio” na sua origem, sendo preenchido pelas experiências que tem com o mundo. Criticando essa ideia de um ensino que se “deposita” na mente do aluno, Paulo Freire usava uma metáfora – “educação bancária” – para falar de uma escola em que se pretende “sacar” exatamente aquilo que se depositou na cabeça do aluno (WEISZ, 2000, p. 57, grifo do autor).

Nessa concepção, o sujeito que aprende vai juntando as informações que lhes são passadas. Começa por aprender as vogais, depois aprende as consoantes, para em seguida juntá-las formando sílabas e, na sequência, as famílias silábicas (ma, me, mi, mo, mu). Depois forma palavras e, por último, os “textos”. Em geral, as palavras-chave são usadas para montar frases como “o bebê baba na babá, o boi bebe, Didi dá o dado a Dedé”.

do ponto de vista filosófico é o fato de ele ser inspirado no empirismo. Este modo de abordar a psicologia, vazio de organismo e de mente está agora inteiramente morto. Seus principais legados são o rigor experimental, a terapia behaviorista e a desconfiança no falatório vazio sobre a alma. Seu sucessor contemporâneo é o funcionalismo (BUNGE, 2002, p. 47).

Dessa forma, de acordo com Weisz (2000) o material apresentado numa cartilha tem por objetivo que o aluno possa “desentranhar a regra de geração do sistema alfabético: que b com a dá ba, e por aí afora”.

Numa proposta como esta, as atividades de ensino desenvolvidas para que os alunos aprendam são de cunho mecanicista, investindo-se muito na cópia, na escrita sob ditado, na memorização das sílabas, utilizando a memória de curto prazo para recitá-las quando o professor toma a leitura.

Nesse contexto fica claro o que nos aponta Weisz (2000):

Assim, os três tipos de concepção [...] se articulam para produzir a prática do professor que trabalha segundo a concepção empirista: a língua (conteúdo) como transcrição da fala, a aprendizagem se dá pelo acúmulo de informações e o ensino deve investir na memorização (WEISZ, 2000, p. 58).

Vale também ressaltar, em nossos estudos, o que nos aponta Cagliari (1998) sobre a adoção do método das cartilhas para a alfabetização por parte dos professores. Uma vez que esse material configura-se com a apresentação de palavras-chave e de sílabas geradoras, ou seja, o ba, be, bi, bo, bu, nosso sistema de escrita tem como base o sistema acrofônico associado às próprias letras. Daí para o trabalho com palavras-chave é um pequeno pulo, como declara o autor:

Como é constituído de letras, nosso sistema de escrita tem como chave de decifração o princípio acrofônico associado aos nomes das próprias letras. Partir daí para palavras-chave é um pequeno pulo. Como as letras representam consoantes e vogais nada mais natural do que estudar o processo de alfabetização através das sílabas. Foi assim que surgiu o interesse pelo ba-be-bi-bo-bu. É por isso que muitos professores não veem outra saída para ensinar a ler e a escrever a não ser com o ba-be-bi-bo-bu. No entanto, essa vantagem é prejudicada pela maneira como essas ideias são organizadas em lições e passadas para os alunos (CAGLIARI, 1998, p. 81).

Para o autor, o grande problema está na forma como as cartilhas tratam a fala e a escrita, como se a linguagem fosse uma “soma de tijolinhos” representados pelas sílabas e palavras geradoras, confundindo as crianças que aprendem a falar de outra maneira, participando de situações em que a linguagem se apresenta como um todo organizado e com sentido.

Há, portanto, no uso desse material, um descompasso entre a vida e a escola, no tratamento da linguagem, deixando de lado a “trama da linguagem” e ficando apenas com o que é mais superficial. Assim é que o aluno passa a fazer uso superficial da fala e da escrita, em situações escolares futuras.

Braggio (1992) aponta dois aspectos que, do ponto de vista bloomfieldiano, convergem para as considerações feitas por Cagliari (1998), quando se trata da linguagem e de seu aprendizado:

[...] a aquisição da linguagem é vista como um processo mecânico, no qual a criança aprende a falar quando estimulada a fazê-lo, isto é, a criança enuncia e repete sons vocais somente quando há um estímulo do ambiente. Isto resultaria num hábito que permite à criança repetir os sons que ela ouve cada vez que é estimulada a fazê-lo, ou seja, a aquisição da linguagem é vista como uma questão de formação de hábito ou de condicionamento pela pura imitação de um modelo.

No que diz respeito à natureza da linguagem, Bloomfield e outros linguistas estruturalistas americanos veem a linguagem como um sistema que pode ser “quebrado” em constituintes menores, sem levar em conta a maneira como estes constituintes interligados são usados em comunicações orais. Não se dá nenhum significado, aos usos e funções da linguagem, ao contexto onde é produzida (BRAGGIO, 1992, p. 9, grifo do autor).

O problema é que, ao tratar a linguagem dessa forma, põe-se de lado como as pessoas aprendem a língua significativamente, impondo-se à criança, em seu aprendizado, um padrão regular de correspondência entre som e soletração.

Mas como a história é construída por homens reais que viveram em suas lutas toda sorte de vicissitudes enfrentadas ao longo de seu demorado desenvolvimento filogenético, dificuldades essas que os impulsionaram para conquistas, percebemos na trama dessa história muitos movimentos que me permitiram mudanças, que me oportunizaram “outras leituras, outros olhares” (BRAGGIO, 1992, p. 9).

As mudanças que ocorreram no contexto social europeu no século XVII nos permite ver o surgimento da construção do conceito de infância a partir da constituição de uma nova família.

No século XVII acontecem mudanças sensíveis. A centralização do poder em torno de um governo absolutista virá acompanhada do enfraquecimento dos grupos de parentesco, vinculados às grandes propriedades e à aristocracia fundiária. O Estado moderno, no processo de abolição do poder feudal, encontra na família nuclear seu sustentáculo maior, cabendo-lhe então reforçar e favorecer sua situação e estrutura, assim como sua universalidade. Vê-se, pois, que a mudança aponta para a aliança entre o poder político centralizador e a camada burguesa e capitalista, que se lança à expansão de sua ideologia familista, fundada no individualismo, na privacidade e na promoção do afeto: entre esposos, estimulando a instituição do casamento; e entre pais e filhos, por estar interessada na harmonia interior do núcleo familiar (ZILBERMAN, 2003, p. 37).

A partir disso, a criança não será mais considerada um adulto em miniatura, sendo merecedora de cuidados da parte de seus pais, que passam a manifestar também preocupações com sua educação.

Essa nova concepção de infância chega ao cenário educacional brasileiro nos