Tese antítese síntese.
AS HIPÓTESES
2 A VERDADE HISTÓRICA DA PESQUISADORA
2.1 Quem é Odila? A que veio? Quer falar de quê?
O pensar interdisciplinar é despido de ingenuidade acerca da realidade dada.
Impregnado da esperança do vir a ser. Coberto de inteligência e assegurado pela ousadia.
A ousadia de tornar a realidade um sonho e o sonho, quiçá, virar realidade. (Odila Amélia Veiga França)
Parafraseando Robert Frost19, quero confessar que não me envergonho das minhas origens humildes, até porque venho do lugar certo do país.
Observo que, quando é perguntado a alguém “quem é você?”, a resposta é esta: “Sou filha de fulano... meu pai é o médico tal... sou da família... ou, ainda, sou engenheira casada com... minha família é tradicional daqui...”.
19 Robert Lee Frost: (São Francisco, Califórnia, 26 de março de 1874 — Boston, 29 de
janeiro de 1963) foi um dos mais importantes poetas dos Estados Unidos do século XX. Frost recebeu quatro prêmios Pulitzer. Informação disponível em: http://www.itec-sde.net/pt/search_ results?search=%23Robert_Frost. Acesso em: 08 set. 2014.
Estou pronta hoje para a esta pergunta corresponder esta resposta: ─ Sou um ser inacabado, imperfeito, finito e inconcluso, porém pensante, crítico e criativo. Ando na estrada que liga o já sabido ao ainda não sabido e, cada vez que chego a este último estado, ele não é mais o último, porque descubro o infinito a ser conhecido. “Eu sou eu mais minhas circunstâncias”, como dizia Cortella (2000)20.
Sou e, e não ou. Certa e errada, justa e injusta, feia e bonita...
Adoro estudar, ler, escrever, apreciar boa música, representar, dançar, nadar, cozinhar e arrasar num bom prato. Adoro fazer amigos, criar e manter laços de amizade. Para mim, o prazer de escrever não repousa necessariamente no assunto escrito, muito mais eu o encontro na beleza das palavras. Se pudesse, usaria livros na cabeça, tanto quanto gostaria de ter vivido na década de 20, para fazer uso daqueles graciosos chapeuzinhos femininos. Acredito que o amor pelos livros pode contribuir para refazer o mundo. O ato da escrita me é sempre inusitado, difícil e desafiador. Um verdadeiro exercício do potencial cognitivo e intelectual do autor e sempre em respeito à complexidade do ato e dos limites do escritor.
Gostava muito de namorar, mas quando me vi sem o meu eterno namorado perdi o gosto de conjugar este verbo. Mas não há mal nenhum nisso, porque ele mesmo me fez ficar enamorada de tudo o que é bom e bonito. De tudo que é certo. De tudo que é ético. Hoje sou enamorada das lembranças e das lições de vida e do amor restados no meu coração. Namoro-as todos os dias!
Experimento a sensação de maravilhamento quando olho para Maria Odila e Maria Emília, minhas netas. De amor e gratidão quando percebo os passos já trôpegos de minha mãe. Quando tomo nos braços a geração nova continuando a família. Quando reconheço o esforço dos sobrinhos e sobrinhas na luta por uma vida feliz e quando rememoro a mesma luta enfrentada por seus pais, quando jovens e na maturidade. Quando estou na sala de aula com meus alunos, cujo empenho para estudar encontra ecos em minha própria luta quando estudante. Quando recebo dos meus vizinhos e amigos um sorriso ou uma atenção inesperada e, com isso, posso agradecer a todos os outros vizinhos e amigos de igual quilate, com os quais eu pude contar e alguns dos quais estou fisicamente distante hoje. Insatisfeita com o que sou como todo ser humano o é. Construtora de sentidos. Inventora de versos.
20 Registros de Memórias de Aula no Curso de Mestrado. Programa Educação: Currículo. PUC/SP.
Amante dos sorrisos. Arrastada inexoravelmente pela curiosidade de conhecer. Perplexa diante das próprias limitações: Como pode?
Como Freire, eu me apaixono pelo mundo e também pela curiosidade incontida de conhecê-lo (FREIRE, 1996).
Como pessoa, sou nascida de um pai batalhador e de uma mãe que, se não existisse, havia de ser feita.
Meu pai, homem trabalhador, carpinteiro e marceneiro de profissão. De resto, tudo resolvia em casa e a quem o solicitasse: consertos de trincos, portas, portões, rádios, ferros elétricos, chuveiros, serviços de pedreiro, mestre de obras... Durante muitos anos foi o caseiro e barman dos Barbéro, estirpe que, junto com a de Ermírio de Moraes, era de poder político-econômico imbatível em Sorocaba/SP, nos idos tempos de 1960.
Minha mãe, mulher de fibra e de viva inteligência, de raciocínio lógico- matemático assustador, entregou-se a vida toda ao trato com o lar e com a família, aliado ao trabalho de governanta geral da residência dos Barbéro. De sorriso franco e palavra rasgada, cozinhava, lavava e passava com primor. Seus quitutes, doces e pratos quentes atiçavam a gula dos poderosos. Astúcia, flexibilidade, elasticidade são suas virtudes. Resiliência, a sua metáfora existencial. Esperança, a sua transcendência.
Aos 40 e poucos anos preparou-se sozinha para o Concurso Público na área da Saúde, fez a prova, logrou sucesso e trabalhou no laboratório do Hospital Regional de Sorocaba/SP por mais de 20 anos, tendo sido aposentada por força desse tempo de trabalho, homenageada pelos médicos, paramédicos, funcionários e colegas de trabalho. Batalhadora e de bem com a vida, enviuvou por três vezes e, aos 89 anos de idade, faz planos para o futuro, espera por um novo amor, e assim que ele acontecer, ela confessa: “Não vou dar chance a nenhum tipo de desistência...”. Criou quatro filhos e mais três agregados, formando a todos, incondicional e indistintamente. Dançarina como poucas, foi “Rainha da Primavera”, “1ª Princesa da Saudade”, “Mãe do Ano”, “Miss Melhor Idade”, entre outros títulos e homenagens dessa ordem. Dirigia até pouco tempo com proficiência, e porta-se com elegância. Esperta como ninguém, brava como onça, amorosa como criança, dengosa como gata. Assim é minha mãe. É o sagrado e só pode sê-lo!
Eu, irmã de muitos homens e segunda na ordem de nascimento, tive desde muito cedo, aos treze anos de idade, de enfrentar o trabalho fabril – Indústrias Têxteis Barbéro S/A, o que me exigia deixar os lençóis às quatro horas da madrugada todos os dias.
Era acolhida na sociedade como “moça de boa família21”, apesar de não
atender a nenhum dos critérios básicos de status: comportamento social exemplar e condição financeira satisfatória para os rigores da época.
Eu nunca entendi muito bem esses dois critérios porque, para o conservadorismo e o puritanismo dos “anos dourados”, eu já demonstrava comportamento transgressor de vanguarda frente a muitas das normas castradoras do ser e uma condição financeira para além de modesta.
Nasci simples e na trajetória de vida estou me fazendo não simplista. Calma! Não me terminei ainda... sei exatamente do quê e do quanto preciso para a construção do desconhecido. Aprendi a ver-me e a reconhecer-me no outro. Tenho hoje interiorizada a ousadia. Liberei-me para fazer tudo o que realmente gosto de fazer. De ser e estar no mundo. Esse é o meu jeito de existir!
Quatro são meus parceiros de jornada: o amor, por quaisquer das formas de vida, a ética pessoal e profissional, o compromisso com a docência e o gosto pela pesquisa. São esses fiéis companheiros que visitaram a minha consciência e exigiram de mim a verdade sobre o Jairo, e que essa verdade fosse assumida neste meu trabalho, em função de que as memórias resgatadas e a sua completude não sofram ausências, o que retardaria o resgate de mim mesma como pessoa e como agente da educação e do ensino.
Sobretudo, penso como Foucault: “O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta” (FOUCAULT, 2008, p. 26).
21 Moça de boa família: É uma expressão própria do contexto sociocultural para exprimir valores,
normas, usos e costumes, enfim o comportamento da família brasileira, surgida nos anos 20 como “critérios aplicados pelas enfermeiras americanas na seleção das candidatas que desejavam ingressar na Escola de Enfermeiras Anna Nery e o perfil da moça de "boa família", no Rio de Janeiro” [...] “quando ocorreu o advento da implantação da Enfermagem Moderna no país” [...] analisados e interpretados segundo categorias: comportamento social, casamento e honestidade. Os resultados indicam que o conceito de "moça de boa família", apesar das ambiguidades que aparentemente encerra, é o que melhor se ajusta às exigências dos dirigentes da Escola à época (SENA et. al., 1998, p. 356).
Nesta tese o novo se mostra na sua inteireza para a autora, podendo seduzir o provável leitor que se identificar com a sua inquietude e partilhar da sua sôfrega busca de respostas às perguntas existenciais e às perguntas intelectuais.
É Freire (1996, p. 133) que me norteia na desafiante caça às respostas.
Uma das características da experiência existencial no mundo em comparação com a vida no suporte é a capacidade que mulheres e homens criamos de inteligir o mundo sobre o que e em que atuamos, o que se deu simultaneamente com a comunicabilidade do inteligido. Não há inteligência da realidade sem a possibilidade de ser comunicada.
É por isso que hoje
Quero falar de como esta experiência de trabalho tomou conta de mim De como e quanto me envolvi
De quantas coisas vivi e senti Do muito que aprendi
Do que pude ou não fazer
Do quanto trago dentro de mim as marcas deste fazer e de cada um.
Quero falar um pouco do que
Carrego muito dentro de mim Tenho comigo as lembranças Das tentativas
Dos ânimos e desânimos Das conquistas e das frustações
Do jeito e do que pude aprender com cada um Dos bons momentos e das dificuldades Das brincadeiras gostosas e dos cansaços.
Falar de tudo o mais que Carrego também As ideias As emoções As experiências compartilhadas Os rostos, os nomes, As vontades e os medos O querer e o não saber O fazer o que se pôde fazer
As provocações que mesmo difíceis me ajudaram a crescer As certezas e ainda as dúvidas... (DESCONHECIDO22).
Por fim, esta é a Odila. Esta realidade histórica sou eu.
22 Poema de autor desconhecido, consta do Caderno de Gestão Educacional da Secretaria de Estado
2.2 Implicações da formação inicial disciplinar da pesquisadora no pensar