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A escrita de Jairo e a desestabilização do modelo convencional do ensino da escrita: o sentido da história da consciência

Tese antítese síntese.

AS HIPÓTESES

2 A VERDADE HISTÓRICA DA PESQUISADORA

2.5 A escrita de Jairo e a desestabilização do modelo convencional do ensino da escrita: o sentido da história da consciência

E + U = OIA: um contraste agudo de compreensões que causou um choque

imobilizador do pensamento interpretativo e compreensivo do fato pedagógico; a inviabilização do avanço de ambos ─ aluno e professora ─ roubando da ação educativa a aparente segurança que até então a caracterizava.

Buscando saber o que é significação, ou seja, a noção do que as coisas querem dizer, ou a natureza misteriosa da palavra e da expressão, conforme a definição de Graham Allan, Fazenda (2003) oferece-nos importantes esclarecimentos:

A maioria dos estudiosos colocam dois aspectos da significação: um chamado “sintático” quando um termo consiste inteiramente na série de regras sintáticas relativas ao referido termo; isto ocorre na linguagem formal, não interpretada. Outro, chamado “semântico” quando uma significação não se limita às regras sintáticas (FAZENDA, 2003, p. 21, grifo do autor).

Nesse sentido, Picollo (2012)31 fez o seguinte pronunciamento em aula na

PUC/SP: ... a forma padrão tem de ser aprendida... nada é mais difícil do que

escrever fácil. Escrever fácil é tarefa difícil no sentido de que a substantividade da escrita simples há de trazer na sua interioridade a complexidade do teor escrito.

31 Registro de Memórias de Aula no Curso de Doutorado. Programa Educação: Currículo. PUC/SP,

E Varella (2012)32, naquela mesma aula, oportunamente intervém: ... e o que

é ler? É preciso desmistificar o que é ler. O sentido do sentido de ler. Quando nos tornamos adultos o nosso olhar é endurecido. É preciso voltarmos a ler o mundo com o olhar de criança... Duas categorias são fundamentais na leitura: o saber ouvir ─ a escuta sensível a que se refere Fazenda. Aprender a ouvir o que o outro tema me dizer ─ pressupostos e subentendidos. Saber ler o outro é saber respeitar o outro. Por segundo, é preciso saber dar a palavra ao outro, e aí, é requerida a humildade, princípio forte da interdisciplinaridade... A linguagem é curativa. Ela cura processos internos...

E Moreira José (2012)33, também naquela oportunidade, complementa: ...

Para formar pessoas é preciso que antes elas sejam tocadas. A linguagem trabalha na tridimensionalidade: a leitura e a releitura de si mesmo e a reescrita de sua própria história de vida. A palavra tem vida. Se você coloca com tanta intensidade aquilo que você vive e sente, o outro (o leitor da sua palavra dita ou escrita), estando em sintonia com você, sentirá o sentido pleno do sentido do escritor e da sua palavra escrita.

Esses esclarecimentos levaram-me a analisar a escrita de Jairo sobre um prisma reconfigurado, como resposta àquela atividade do ditado. Teria eu cobrado daquele menino pensante somente o aspecto fonético, ao exigir-lhe que escrevesse

EU, e não OIA? Com a compreensão limitada, teria eu deixado escapar o sentido da

própria atividade e da produção do aluno, o que, por conseguinte, não me permitiu apreender o significado do OIA de Jairo? Escapou-me à consciência a interpretação daquela escrita pelo fato de eu ter me detido no aspecto formal da linguagem?

Na verdade foi mesmo cobrado do Jairo o aspecto fonético, pois queria eu apenas que ele relacionasse fonemas com as respectivas letras. Nada, portanto, intencionei relacionado ao aspecto do significado e do referente, pois objetivei apenas que ele transformasse o fonema /e/ na letra E e o fonema /u/ na letra U. Em momento algum desejei que ele relacionasse o vocábulo EU com a minha pessoa. O que ele inteligentemente fez foi demonstrar a mim que ele pensou que, quando eu dizia EU, estava me referindo a mim, Odila, e selecionou as vogais corretas de meu

32 Registro de Memórias de Aula no Curso de Doutorado. Programa Educação: Currículo. PUC/SP,

jun. 2012.

nome O I A. E olhe que fez todas as transposições corretas, quando usou a letra O para simbolizar o fonema /o/, a letra I, para simbolizar o fonema /i/ e a letra A para simbolizar o fonema /a/. Ele entendeu o meu recado! Que menino esperto! Eu queria que meus alunos relacionassem fonemas com as letras que os simbolizam. De sintaxe, nessa história, talvez somente a ordem das letras. E isso o Jairo já sabia. Naquele tempo não percebi isso, tendo como consequência o fato pedagógico em estudo nesta tese.

No seu estudo sobre a questão da significação, Fazenda (2003) traz Kraft34 para nos dizer que:

[...] a linguagem é a representação de um campo de objetos mediante um sistema de signos, sobretudo mediante formas orais e escritas, mas também mediante gestos etc. Os signos têm um significado, e, precisamente por isso, são signos e não meramente sons ou figuras. A linguagem como sistema de signos pode considerar-se sob o aspecto semântico [...] Ater-se aos signos, à análise dos mesmos, é mover-se num círculo de meras palavras (KRAFT, 1966, apud FAZENDA, 2003, p. 21).

Ao restringir-me ao aspecto fonético e à forma do signo, findei por considerá- lo somente no aspecto material? Às “propriedades estruturais formais da linguagem”? (p. 21).

Penso hoje poder concluir que os esclarecimentos de Fazenda (2003) sobre o que é significação mostram-se pertinentes para desvelar, salvo melhor juízo, a razão de ser do raciocínio de Jairo quando relacionou EU com a minha pessoa, como da mesma forma podem explicar a leitura equivocada feita por mim da produção escrita do menino, razão pela qual eu o corrigia insistentemente no seu suposto “erro”, dizendo-lhe: “EU”, Jairo; não OIA!...

Ademais, esse fato pedagógico, ainda trouxe à tona, para reexame, a lacuna deixada na minha formação instável, no tocante ao conhecimento da língua e da linguagem, sobretudo, às regras da linguagem, à função social da língua e às diferentes dimensões de aprendê-la na sua totalidade linguística e social.

Com efeito, uma grave lacuna que pode ter tornado a relação do Jairo com a escrita tão desconexa quanto o foram, naquela singular situação de ensino, as

relações sujeito sujeito quem ensina quem aprende. O imediatismo obcecado e a polarização certo/errado, próprios da herança positivista somada à tendência pedagógica liberal tecnicista, resultou naquela atômica proposição. A esses fatores se deve a injusta avaliação que fiz da produção escrita do Jairo, decorrente da imprecisão e da aquisição incipiente das bases teóricas sobre a alfabetização, acrescentada à inexperiência docente, muito mais que propriamente da capacidade de aprender daquele menino de roça.

Por isso, de Jairo até aqui, tenho dedicado grande parte da minha tarefa como eterna formanda, e há muito formadora de novos formadores e de novos alfabetizadores, a que aos processos iniciais de formação nos cursos de licenciatura, sobretudo no de Pedagogia, não me escape a atenção com o conhecimento da língua e da linguagem. Isso para que possa assegurar, aos futuros gestores da sala de aula e condutores do processo ensino-aprendizagem, nas múltiplas e diferentes formas e dimensões do aprender, aquela que diz respeito ao núcleo da aprendizagem da escrita e da leitura. Essa aprendizagem merece, da parte do professor responsável pelo seu ensino e pelas intervenções pedagógicas adequadas, especial atenção, refletida no cuidado esmerado com a relação teoria e prática, com o conteúdo e a forma, com a comunicação professor e aluno; com a relação ensino-aprendizagem, com o ensino e a pesquisa, com a relação escola- sociedade, e com as intencionalidades, as finalidades e os objetivos da educação.

A Educação do século XXI não conseguirá, e nem isso pretende, por certo, sustentar-se exclusivamente na tese de que o elemento distintivo do homem é a racionalidade, porque é justamente por ser racional,

Mas também sensível é que o homem percebe, na relação direta com seus desejos, as insuficiências do mundo em que vive.

O hiato que separa o ideal da precariedade percebida é o motor que o impulsiona à ação. Sua insatisfação não é, assim, um vício, mas a virtude que o faz construtor de projetos (ROSA, 2007, p. 24).

Por outro lado, tenho de Dinorah (1990) o pensamento de Jacqueline Held, trazido por ela em sua obra intitulada “Guardados de Afeto: Repensando a

Alfabetização”, para aqui entrecruzá-lo com o de Rosa (2007). Declara Jacqueline35

que “Os realistas referem tudo à experiência dos dias, esquecendo-se da experiência das noites. Propomo-nos repor as imagens na dupla perspectiva dos sonhos e dos pensamentos” (HELD, in: DINORAH, 1990, p. 65).

É Veiga (1993) que, ao discutir o sentido, os fundamentos e a prática da Didática, inicia sua reflexão indagando-se e indagando ao leitor: Didática, que disciplina é essa? Considerando ser uma “disciplina pedagógica de natureza teórico- prática voltada para a compreensão do processo de ensino” (p. 79), a autora a compreende como cerne das disciplinas que configuram o currículo dos cursos de formação de professores.

Ao estudar os fundamentos e argumentos da autora, compreende-se que, por ser a educação uma prática social por excelência, a prática pedagógica o é também, por natureza e finalidade, uma prática teórico-prática. O primeiro elemento desse binômio relacional e indissolúvel é guia do segundo. Em outras palavras, é a prática fazendo-se valer como compreensão teórica.

As indagações e inquietações da prática são respondidas pela teoria, e nisso reside a sua razão de ser, bem como o sentido da prática por ela iluminada. É esta relação de interdependência que as mantêm vivas, vitalidade esta fundamental para a construção do conhecimento.

Sobre a relação ensino-aprendizagem, diz Veiga (1993): “São dois componentes de um mesmo processo” (p. 84) do que decorre, para o entendimento da “dinâmica do processo de ensino” (p. 84), fazer interface com a dinâmica do processo de aprendizagem. No entanto, esses componentes devem ser analisados em separado, dadas as características e finalidades específicas de cada um dos processos. Afirma a pesquisadora da Didática que,

35 Jacqueline Held. O Poder do Imaginário. In: DINORAH, M. Guardados de Afeto: Repensando a

são, pois, as finalidades que, explícita ou implicitamente, determinam os atos de ensinar e aprender [...] Sem essa referência essencial, o ensinar e o aprender careceriam totalmente de significação e direção. Embora o ensino tenha seus próprios objetivos, estão, no entanto, subordinados às finalidades e objetivos da educação (VEIGA, in: OLIVEIRA, 1993, p. 84)36.

Já na relação conteúdo-forma, a autora mostra que são aspectos unidos do processo educativo na sua totalidade e que são indivisíveis, tanto quanto o são as demais relações de interdependência aqui discutidas.

O conteúdo, enquanto conjunto de conhecimentos sistematizados e organizados nas disciplinas e áreas do saber científico tornados conteúdos escolares, deve ter, na escola, não o esforço concentrado na sua mera transmissão, mas o esforço de compreensão dessa relação numa ótica mais ampla e crítica. É a ideia do conteúdo escolar significando transmissão e memorização de informações que leva a escola e, por conseguinte, os professores, à tendência viciada de supervalorização de procedimentos e técnicas em detrimento do próprio conteúdo.

Ao contrário, esses conteúdos devem ter significado na vida concreta e profissional dos alunos, vistos como ferramentas úteis na luta pela sobrevivência e no prazer de viver. Trata-se, pois, da assimilação ativa e aplicação adequada desses conteúdos na realidade existencial dos alunos.

Veiga (1993, p. 90) cita Vieira Pinto (1984, p. 43) para dizer que, se há o esforço de que esses conteúdos atendam aos interesses da sociedade, e “[...] se esta é democrática, os interesses dominantes têm que ser os do povo, e se considerarmos um país em esforço de crescimento, tem que ser o de suas populações que anseiam por modificar sua existência”.

Desse modo a forma, uma vez fundamentada “numa concepção de homem, de educação e de sociedade” (VEIGA, 1993, p. 90-91), é a que contribuirá para a manutenção ou para a conservação dessa sociedade, para superação ou não das condições dadas, para o atendimento ou não das reais necessidades da sociedade à qual serve a escola.

36 Ilma Passos Alencastro Veiga. A construção da didática numa perspectiva histórico-crítica de

educação estudo introdutório. In: OLIVEIRA, M.R.N.S. (org.). Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. Campinas/SP: Papirus, 1993. (Coleção magistério, formação e trabalho pedagógico).

A relação conteúdo-forma discutida por Veiga (1993) faz-me reportar à consciência ético-político-pedagógica de Freire (1996, 2000b), quando reiterava: “[...] ensinar o quê, contra quê e contra quem; a favor do quê e de quem; o como e o por quê ensinar”. Reporta-me ainda a Ronca e Terzi (1995), autores que sugerem que os professores têm que aprimorar o olhar sobre o quê e o como ensinam, sobre o quê e o como aprendem as crianças. É preciso, segundo eles, que os professores deixem a alma especular. “Aprimorar o olhar e ver por dentro... com o olhar de aluno, de mestre, de cientista. E por que não, de poeta também?” (p. 49). O aprimoramento do olhar leva o professor a interrogar-se sobre “[...] até que ponto, pelo encaminhamento didático e pelo caminho metodológico escolhidos, os alunos podem desenvolver diferentes e diversas operações e fazer uso delas de maneira sistemática e ordenada?” (RONCA; TERZI, 1995, p. 50).

Declara Veiga (1993) que estudos apontam para a dissociação da relação ensino-pesquisa. A dissociação apontada tem subtraído dos professores a necessária percepção do vínculo básico que dá sentido a cada um dos elementos da relação, mantido o respeito às especificidades de cada um em particular. Enquanto o ensino visa que os alunos se apropriem e produzam conhecimentos, a pesquisa visa que eles captem o ainda não conhecido, os aspectos da realidade ainda não desvelados, mas que necessitam de desvelamento ─ “tornar visível o que não se vê acerca da escola e da sala de aula” (VEIGA, 1993, p. 85).

O papel da pesquisa na sala de aula e na escola voltada para a reflexão da prática exercida tem favorecido que o professor se compreenda como pessoa e como sujeito de uma prática pedagógica que pode contribuir para a democratização do ensino e para a explicitação da função social da escola. Assim se expressa a autora, a esse respeito:

Os professores devem se empenhar em investigar, de tal forma que a pesquisa seja incorporada normalmente ao ensino. É preciso pesquisar o “que”, o “quando” e “quanto” ensinar a um determinado tipo de clientela, e quais as condições objetivas de trabalho e estudo que a escola pode oferecer (VEIGA, 1993, p. 86, grifo do autor).

Ademais, a pesquisa favorece a aproximação do professor e do aluno, na medida em que incita ambos ao movimento de reciprocidade, forjando um maior

envolvimento dos sujeitos do conhecimento com as questões de ensino- aprendizagem que lhes são naturalmente pertinentes.

Desse modo, a relação de interdependência ensino-pesquisa leva os dois sujeitos do processo, aquele que ensina e aquele que aprende, a refletirem e problematizarem a realidade escolar e social, extraindo elementos para a transformação necessária.

Nesta via de raciocínio, Ferreira (2013) explícita suas compreensões:

Considerando a escola como o locus onde se desenvolve o processo de transmissão/assimilação do saber científico transformado em saber escolar, e, o/a professor (a), o/a principal agente deste processo, na relação direta com o/a aluno(a), entendo que o trabalho pedagógico abrange todas as formas de atuação científica dos/as profissionais da educação no exercício de suas funções, visando o pleno desenvolvimento do/a aluno/a em todas as dimensões, por meio de um novo saber que se constitua e se construa na aquisição dos conteúdos científicos, técnicos e éticos ─ conhecimento emancipação ─, alicerçado na solidariedade e na participação, permitindo, desta forma, o verdadeiro acesso ao mundo da cultura e sua inserção no processo de construção de uma nova sociedade, mais justa e humana (FERREIRA, 2013, p. 134, grifo do autor).

No tocante à relação pedagógica (professor-aluno), Veiga (1993) a situa naturalmente entre os fenômenos humanos e, portanto, entre seres sociais. Contudo, declara a estudiosa que “As relações interpessoais vivenciadas na sala de aula, apesar de importantes são, no entanto, insuficientes para instaurar a cooperação, a confiança, o respeito, a autonomia, a responsabilidade, o trabalho coletivo, a democracia” (p. 94), princípios que, a meu ver, e não por acaso, configuram os princípios e as categorias interdisciplinares. Princípios e categorias, se não articulados com a tomada de consciência e conscientização e com a dialogicidade freirianas e, ainda, se não engendradas numa vivência humana tecida nas estruturas sociais, mostrar-se-ão, de fato, insuficientes para a construção e interiorização desses mesmos princípios e dessas mesmas categorias.

Como já mencionado, segundo Veiga (1993) o trabalho educativo tem na intencionalidade o seu ponto de partida, já que esta implica a determinação das finalidades e dos objetivos da educação pretendida, o que redunda na definição de prioridades e metas consideradas válidas pela escola.

Assim é que, ao olhar no espelho do passado vejo refletidas as lacunas restadas de minha formação inicial. Ao vê-las, não consigo reanalisá-las sem considerar a fidelidade que mantenho com o meu “ser-no-mundo e ser-ao-mundo”, própria da práxis fenomenológica de Rezende (1990), que afirma:

O homem não é o mundo, o mundo não é o homem, mas um não se concebe sem o outro. É nesse sentido fundamental que a dialética se faz presente no seio mesmo da estrutura fenomenal. Por outro lado, tanto o homem como o mundo continuam sendo percebidos, cada qual a seu modo, como uma estrutura, e, no dizer de Merleau-Ponty, o fenômeno é, na verdade, uma estrutura de estruturas. O que faz a junção existencial das duas é a intencionalidade, isto é, a experiência fundamental de um ser- aberto-ao-mundo (REZENDE, 1990, p. 35-36).

É certo que cada ser humano, quando chega ao mundo, não enfrenta a cobrança de tê-lo construído antes, mas, estando nele, lhe é cobrada a fidelidade a esse mundo, no sentido de contribuir para que tudo o mais existente seja efetivamente reconstruído na medida das exigências postas.

Como educadora e formadora de formadores, é contribuindo para a construção da qualidade da educação e de um mundo melhor para se viver que acredito realizar a minha razão de ser no mundo.

Vimos, em Veiga (1993), a defesa de que as relações mantidas pelos vários elementos estruturantes do método didático, aqui descritas, não podem ser analisadas e consideradas se não mantida a fidelidade com o seu significado social real e com os fins e objetivos do ensino.

Nesse sentido, a tomada de consciência da teoria interdisciplinar fez-me enfrentar o paradoxo de confluir para o “poder pessoal da ação” (ESPÍRITO SANTO, 1996, p. 7), ao fomentar a luta (mesmo que impregnada de pontos frágeis, lacunas e hiatos), que impulsiona o movimento de superação que se manifesta na assunção da própria inferioridade e impele a busca constante da força interior que, por sinal, é a mais difícil busca, por se tratar da busca da força em si mesmo, como aclara Fazenda, a autora brasileira da interdisciplinaridade.

Assim é que, diante do desafio de descrever a prática pedagógica e de formação a partir do fato pedagógico vivido com Jairo, e engastada na análise crítico-reflexiva de formação inicial e continuada entremeada nos inúmeros recortes de minha história de vida pessoal e profissional, ou seja, em minha realidade

histórica e existencial, tenho a confessar, mais uma vez, que a prática alfabetizadora exercida na escola de roça esteve longe de favorecer a construção de aprendizagens dos alunos, sobretudo do Jairo. Nada foi feito para proporcionar aos alunos, efetivamente, atribuição de sentido ao “quefazer” político-pedagógico da “professorinha” ingressante no ofício de ensinar naquele contexto rural.

Contudo, paradoxalmente, foi aquela mesma prática que me impulsionou a caminhar rumo à compreensão ampliada das exigências do ofício, permitindo-me outras “janelas” do conhecimento desse ofício. Essas janelas me descortinaram os novos caminhos, pontuados, sim, por acertos antes não pensados. A exemplo de Espírito Santo37, eu diria que errei justamente por ser errante (tomando este

substantivo no sentido de “aquele que anda”) (ESPÍRITO SANTO, in: FAZENDA, 2008, p. 151).

Pois bem, se Jairo caminhou no raciocínio para escrever o EU que lhe ditava, conforme pensava ser o correto, quanto à aquisição da escrita, eu caminhei dele até aqui para escrever, não só a nossa história, mas a história que, após a tomada da necessária distância tempo-espaço, interpenetrou a seara dos níveis mais altos de compreensão e da integração dos saberes antes comandados pela prática estritamente disciplinar, agora superando-a. Atendi aos sinais da dinamização dos seus processos e relações vitais e, assim, abriram-se novos caminhos para a antiga caminhante, postos a mim mesma para o devido enfrentamento ─ o ser caminhante e errante ─ dos novos caminhos os quais não estarão livres de desacertos futuros, mas, com certeza, estarão livres das amarras de muitas ignorâncias já dissipadas.

Contudo, minha natureza humana sinaliza que, por óbvio, não estou pronta, tampouco acabada. Porém, com os teóricos e com as teorias estudadas eu me fiz conhecida de mim mesma, tendo como fonte inspiradora do autoconhecimento as bases teóricas estudadas. E isso me fez, neste momento de minha existência, uma pessoa bastante melhorada, uma educadora interdisciplinar e, por isso, investidora no próprio crescimento intelectual e profissional.

E o que neste momento eu desejo é que essa melhoria e crescimento sejam infinitos enquanto durem.

37 Ruy Cezar do Espírito Santo. Autoconhecimento e consciência. In: FAZENDA, I. C. A. O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008.

2.6 Do conhecimento profissional compartilhado ao conhecimento educacional