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Por uma pesquisa interdisciplinar e uma narrativa do tipo pedagógica entretecida na história de vida e formação da pesquisadora resgatadas pela

Tese antítese síntese.

AS HIPÓTESES

1 CAMINHOS METODOLÓGICOS

1.1 A definição do método de condução da pesquisa: a linha de raciocínio e os motivos da escolha do tema

1.1.2 Por uma pesquisa interdisciplinar e uma narrativa do tipo pedagógica entretecida na história de vida e formação da pesquisadora resgatadas pela

memória

Curiosidade, criatividade, disciplina e especialmente paixão são algumas exigências para o desenvolvimento de um trabalho criterioso, baseado no confronto permanentemente entre o desejo e a realidade (GOLDENBERG,

apud SILVA; MENEZES, 2005, p. 9).

Em que pesem os ingredientes incentivadores da citação acima, devo confessar que é Fazenda (1999) que me instiga a escrever minha própria história e a

17 Pronunciamento da Professora Dra. Ivani Catarina Arantes Fazenda por ocasião de sua

participação no Curso para Gestores Escolares. Módulo II. Diretoria Regional da Educação (Brasilândia e Freguesia do Ó). São Paulo/Capital, 28 ago. 2014.

expor as fraturas de minha prática pedagógica, de 1968 até a presente data, sobretudo a prática alfabetizadora, objeto de estudo desta pesquisa.

A exemplo da pioneira dos estudos sobre a interdisciplinaridade no Brasil desde o ano de 1969, para mim também:

[...] eram coisas que estavam muito dentro de mim e que eu tinha como algo banal. Até achava que nunca poderia ser objeto de tese, mas, de repente, porque me aventurei fazer disso a minha tese ─ ... percebi o quanto importante ela era para mim e o quanto importante também, poderia ser para meus pares (FAZENDA, 1999, p. 134).

Sua indagação lançada aos educadores sobre “[...] o que os levaria a travarem suas penas, a esconderem suas vivências” e seu desafio ao testemunhar que “[...] escrever sobre a própria prática é um ato de ousadia”, soaram-me como uma convocação, um pacto e um compromisso ético e político-pedagógico para interpenetrar no mundo da pesquisa e do conhecimento elaborado sobre a interdisciplinaridade (FAZENDA, 1999, p. 134).

Assim, na escolha dos caminhos metodológicos soou mais forte falar sobre aquilo que faço desde mocinha – ensinar – e, aqui, ensinar na educação formal escolar, ensinar a ler e a escrever às crianças de zona rural no período inicial da alfabetização.

Portanto, é a partir do meu hábitat que falo do “efetivo exercício do concreto” (FAZENDA, 2011, p. 125). É nesse espaço experiencial que firmo a minha decisão.

Segundo Chizzotti (2010):

Os relatos ou ‘estórias’ de vida designam a história de uma vida contada a outrem, tal qual foi experienciada pela pessoa que a viveu, tomando o seu ponto de vista como referência fundamental, tendo como objetivo obter informações sobre eventos passados, vividos ou testemunhados pela pessoa e ainda não registrados (CHIZZOTTI, 2010, p. 102, grifo do autor).

Minha história de sala de aula é antiga, mas admito enfrentar dificuldades para escrevê-la, não obstante os estudos realizados e as fundamentações teóricas consolidadas.

Ademais, escrever exige esforço para superar a orfandade da escrita a que a maioria dos profissionais da educação é submetida.

Fazenda (2001b) traz esta confissão bem clara:

As sobrecargas de trabalho que habitualmente assumimos costumam nos deixar órfãos da escrita. Foi preciso muito esforço para recuperar essa maternidade. Assim, decidi parar, para poder exercer o que mais gosto de fazer na minha profissão depois de dar aulas: escrever (FAZENDA, 2001b, p. 11).

Para descrever metodologicamente o fato pedagógico em estudo, vivido com o aluno Jairo, a quem eu acreditava ensinar a ler e a escrever, faltam-me ideias de como começar. Falha-me a memória neste presente angustiante frente ao compromisso acadêmico de apresentar a tese para defesa pública. Paradoxalmente, a própria memória não me permite descartar, pura e simplesmente, as inquietações e desconfortos trazidos comigo durante toda a vida. Sinto-me acometida de uma fragilidade emocional que torna abalada a capacidade intelectual para efetivar a escolha da metodologia mais acertada para a análise do fato de especificidade singular ligado àquela criança de olhar doce e postura tímida.

Jairo é o fato mais intrigante de minha ação docente, pois desencadeou as várias reflexões temáticas18, despertou outros tantos momentos e vivências de

minha história profissional e marcou a minha formação identitária. Esteve sempre presente na minha trajetória na educação básica do Estado de São Paulo e, por isso, eu sou o sujeito de pesquisa, e ele, o sujeito do método para realizá-la.

Alivia-me esta convicção e também a de entender que as fragilidades sentidas se devem à consagração dos modelos convencionais de pesquisa, cujos parâmetros tendem à homogeneização e ao seu enquadramento na valoração destes, quanto ao certo e ao errado, ao próprio e ao impróprio, ao falso e ao verdadeiro. Tranquiliza-me, entretanto, o fato de que hoje são múltiplas as possibilidades de escolha dos caminhos para o exame crítico do objeto de estudo, sem necessariamente excluir as formas convencionais. Mais que isso, as novas

18 As várias reflexões temáticas despertadas por Jairo: alfabetização e letramento, dimensão social

da educação, e função social do ensino; qualificação profissional, docência no ensino superior e, por fim, interdisciplinaridade e pesquisa da própria prática pedagógica, todas imbricadas neste trabalho.

possibilidades facultam ao pesquisador criar novas formas de investigar a realidade com o ajuste da abordagem que melhor atenda aos seus interesses, aos conhecimentos que ele tem da temática e dos assuntos envolvidos na pesquisa, a sua capacidade inventiva, entre outras ordens de flexibilização.

A narrativa da história de vida, ou autobiografia, como a denominam alguns autores, resgatada pela memória e no exercício de retorno ao vivido, no reencontro, no reouvir e no redizer o objeto de estudo, que há muito me incomoda, traz lembranças que me condenam como professora, mas que exigem sejam exteriorizadas, apreendidos o sim e o não da prática pedagógica exercida.

A autobiografia, diz Chizzotti (2010),

É uma história de vida escrita pela própria pessoa sobre si mesma, ou registrada por outrem, concomitante com a vida descrita, na qual o narrador esforça-se para exprimir o conteúdo de sua experiência pessoal. O autor seleciona e analisa fatos, experiências, pessoas e estágios relevantes de sua vida, interpretando sua história pessoal, o contexto e as contingências do curso da própria vida, criando um texto no qual tem voz privilegiada, imprime uma tônica subjetiva dos fatos e pessoas, transita entre o real e o ficcional, inscreve-se de modo claro ou latente, em uma realidade social e se constrói como individualidade histórica (CHIZZOTTI, 2010, p. 103).

Por seu turno, é Ricoeur (1968) que, retomando Husserl, observa:

O exemplo de Husserl... é notável... esse pensador subjetivo por excelência, viu-se forçado pelos acontecimentos a interpretar-se historicamente... Eis a palavra suprema: o sentido. Pela história procura justificar o sentido de história “da” consciência (RICOEUR, 1968, p. 37, grifo do autor).

Esse sentido e a espera “vigiada” fizeram acontecer em mim a Odila pesquisadora e impulsionaram-me a entrar na história – Jairo e eu representando forças e ousadias interdisciplinares para a retomada interpretativa do que significou o meu processo como alfabetizadora.

Sendo assim, a metodologia escolhida aponta para caminhos distendidos que dão aos pesquisadores educacionais espaços de interlocução e de abordagens mais abrangentes e orientados para essa prática.

Como afirmam Lankshear e Knobel (2008, p. 13), “A pesquisa pedagógica é não quantitativa, não psicométrica, não positivista, não experimental”. Envolve profissionais que pesquisam suas próprias salas de aula. Permite que eles descrevam suas compreensões acerca da prática docente que desenvolvem (ou já desenvolveram). O professor é o principal sujeito da pesquisa, como já apontado. Defendem esses autores que os professores pesquisadores da própria prática:

[...] baseiam-se em um cabedal de conhecimento profissional compartilhado e na experiência acumulada para conduzi-los, o mais longe possível, em situação específica. Quando precisam ir além dessa “sabedoria profissional” compartilhada, baseiam-se no conhecimento educacional especializado, na experiência, nas redes de contato e na sua competência para formular um julgamento autônomo e criterioso para tomar decisões sobre a melhor maneira de promover os objetivos de aprendizagem. E fazem isso caso a caso... (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008, p. 15, grifo do autor).

Desse modo, penso que aprender, hoje, com a experiência alfabetizadora em tempos iniciais de exercício no magistério, é reaprendê-la, é tornar-me mais consciente acerca da contribuição para a pesquisa educacional. Ser vista como aprendiz do conhecimento ainda não sabido e, ao mesmo tempo, ser considerada produtora de conhecimento por meio da reflexão, percepções e interpretações sobre o fato Jairo é, no meu entendimento, contribuir para melhorar o ensino, a formação dos alunos e das novas gerações de professores alfabetizadores da escola básica brasileira.

Lankshear e Knobel (2008) parecem sustentar esta minha ótica, quando enfatizam que:

É por meio de sua própria pesquisa que os professores podem ficar atentos ao seu método de ensino, e detectar o que faz com que os alunos tenham um menor rendimento, aprendendo menos do que poderia. Com essa consciência, podem realizar mudanças criteriosas, colocá-las em prática e melhorar os resultados do ensino (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008, p. 15).

Ademais, opto por esta metodologia porque nela podem se interpenetrar os princípios da teoria interdisciplinar e os fundamentos e as bases epistemológicas da fenomenologia que a sustentam, imbricados na abordagem qualitativa.

A meu ver, a pesquisa pedagógica desenvolvida nessas bases, nesses princípios e em consonância com a abordagem apontada, pode realizar um ideal maior, qual seja, o de problematizar a função social do ensino e a padronização dos currículos formais, bem como da pedagogia orientada pelos princípios liberais tecnicistas e/ou positivistas, o modelo de alfabetização como simples transcrição de um código das partes sonoras para as partes gráficas e o modelo de formação docente estritamente disciplinar.

Afinal, há que se concordar que na disciplina estanque fragmenta-se; na multidisciplinaridade, encasula-se; e que é na interdisciplinaridade que se tem o uno no múltiplo.

Há que se considerar, ainda, que a abordagem qualitativa de pesquisa poderá, em maior profundidade, alcançar a complexidade do processo educacional e, engendrado neste, a complexidade do processo de alfabetização e das teorias mais recentes que o orientam, preparando o professor alfabetizador para, de forma competente, abstrair e interpretar os processos de aprendizagem que ocorrem nas salas de aula, conhecimento não apropriado por mim naquele contexto.

Trata-se, também, de tipo peculiar de pesquisa que pode trazer à tona a problematização ampla da tendência atual de desqualificação dos professores e das instituições formativas. Além disso, desvela a costumeira negligência com os conhecimentos prévios dos alunos e com a sua capacidade de aprender. Isso em decorrência da reflexão sobre as ações e intervenções pedagógicas realizadas, em função do aprimoramento profissional, o qual requer, além de compromisso competente, imaginação e criatividade, que se assegure o rigor metódico na análise do fato pedagógico aqui assumido como o objeto de estudo.