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Implicações da formação inicial disciplinar da pesquisadora no pensar certo a educação (1967)

Tese antítese síntese.

AS HIPÓTESES

2 A VERDADE HISTÓRICA DA PESQUISADORA

2.2 Implicações da formação inicial disciplinar da pesquisadora no pensar certo a educação (1967)

Contemplar o percurso paradoxal que o professor viveu em sua formação inicial exercida sua capacidade de confrontar paradigmas, de analisar com outros critérios suas práticas de sala de aula (SALVADOR, 2000). Essa sistemática tem diminuído muito o exercício de práticas espontaneístas e contribui bastante para um ensino mais livre e promissor (FAZENDA, 2001a, p. 20).

De cultura geral não tão expandida, eu desdobrava-me em mil para dar conta dos estudos desde os tempos de “ginásio”, em função da melhoria da qualidade de vida. Situava-me entre as melhores classificações no desempenho escolar: três anos de Curso Normal e mais um de Especialização facultaram-me a titulação de Professora Primária.

Na solenidade de colação de grau, o professor de Psicologia, que se tornou minha referência no Curso, disse-me, ao passar-me às mãos o diploma: “Dileta aluna, agora tudo começa!”. Por óbvio, na emoção daquele momento o seu dito causou-me perplexidade. Entretanto, no decurso do tempo fui me apropriando do sentido pleno daquela fala. O que ele quis me apontar, naquela noite festiva, significava tão somente o longo caminho do conhecimento que se abria a minha caminhada – uma visão e uma atitude interdisciplinar, a dele!

Contudo, em geral, considero que a Escola Normal que me formou professora deixou escapar, talvez, a prática do pensar certo, no curso de minha formação. Sobre o pensar certo, Freire (1996) assim se posiciona:

Pensar e fazer errado, pelo visto, não têm mesmo nada que ver com a humildade que o pensar certo exige. Não têm nada que ver com o bom senso que regula nossos exageros e evita as nossas caminhadas até o ridículo e a insensatez. [...] faz parte da exigência que a mim mesmo me faço de pensar certo, pensar como venho pensando enquanto escrevo este texto, pensar, por exemplo, que o pensar certo a ser ensinado concomitantemente com o ensino dos conteúdos não é um pensar formalmente anterior ao e desgarrado do fazer certo. [...] Pensar certo implica a existência de sujeitos que pensam mediados por objeto ou objetos sobre que incide o próprio pensar dos sujeitos [...] não há por isso mesmo pensar sem entendimento e o entendimento, do ponto de vista do pensar certo, não é transferido mas co-participado... (FREIRE, 1996, p. 40-41, grifo do autor).

Penso ter deixado de aprender também que ensinar exige estabelecer ponte entre os saberes que a escola privilegia no ensino aos alunos e a “experiência social que eles têm como indivíduos” (FREIRE, 1996, p. 50).

Ademais, não aprendi sobre a razão de ser dos descasos com a escola do pobre, até porque eu não reconhecia como tal a escola de minha formação. Esconderam-me a diferença entre ingenuidade e criticidade, não me revelaram que a curiosidade ingênua, ao se “criticizar”, torna-se “curiosidade epistemológica”. Que a primeira está associada “ao saber do senso comum” e que só se transmuta na segunda pela aproximação rigorosa “do objeto cognoscível” e, dessa forma, altera a qualidade sem perder a essência (FREIRE, 1996, p. 34-35).

Também não foram objetos de aprendizagem os valores sociais da época (1967), os quais impunham às professoras normalistas (APÊNDICE B) o modelo de aluno padrão, não só desejado pela escola, mas também desenhado nela e por

ela, como legitimado pela sociedade dos “anos dourados”, assim rotulada a geração dos anos 60:

Limpinho, obediente, quietinho, organizado, pronto para conhecer

o conhecimento pronto e acabado de forma a mais inteligente.

Sentado bonitinho nas primeiras fileiras de carteiras, da frente, de preferência,

que nem gente!!!

Livros encapados,

nada de sujeira nem de grossas brincadeiras nada de mau odor

e, durante as exposições, olhos grudados no professor

pés calçados, ouvidos lavados, cabelos penteados. Tudo, tudo muito arrumadinho

dentes tratados, sorriso branquinho gola engomada, roupa cheirosa, comida gostosa,

fala controlada, porte elegante e assim por diante...

(Odila Amélia Veiga França)

Parênteses: vale ressaltar que minha mãe trabalhou duro para garantir a mim e aos meus irmãos a satisfação dessas implacáveis exigências.

Transpondo tais considerações para o processo de minha formação, acredito que este trabalho com história de vida tenha me convidado a revisitar as lembranças afetivas imbricadas radicalmente nas concepções epistemológicas, para ajudar-me a encontrar as possíveis respostas às perguntas intelectuais e existenciais que persigo, desde àquela época até os dias atuais. Em inconteste busca de melhor compreender e intervir em meu campo de trabalho, como explicita Jung (2006):

Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo o que nela repousa aspira a tornar-se acontecimento, e a personalidade, por seu lado, quer evoluir a partir de suas condições inconscientes e experimentar-se como totalidade. A fim de descrever esse desenvolvimento, tal como se processou em mim, não posso servir-me da linguagem científica; não posso me experimentar como um problema científico (JUNG, 2006, p. 31).

Trata-se, portanto, de atitude interdisciplinar que permite a problematização da realidade, considerada toda a força que lhe é própria e endereçada à bricolagem23 dos fios da trama da minha história de vida pessoal e profissional a

partir da primeira situação-problema enfrentada na docência na Escola de Emergência da zona rural. Uma atitude que busca o (re) encontro com os fios que teceram aquela vivência, impulsionada pelas inquietações que me invadiram a mente e o ser, no emergir de hipóteses intuitivas de solução, seguidas de tentativas múltiplas de teorização da prática pedagógica exercida, para, enfim, retomados os fatos e os feitos, elaborar hipóteses de solução com maior densidade teórica. Atitude esta cujo processo dinâmico e dialético tem origem na realidade e cuja busca é a volta a essa mesma realidade, agora repensada, o que vale dizer, um caminho e um caminhar da teoria à prática em favor do aprofundamento e da melhoria de ambas.

Poder-se-ia dizer, uma atitude que deseja atender à convocação, ao retorno – a volta do olhar ao passado remoto, capaz de fazer-me (re) elaboradora do presente e, no presente, entregar-me confiante à inteireza dessa condição e poder “esperançar” a renovação da prática, esperança essa que vive em cada sujeito desses tempos de globalização não de todo globalizante.

23 Bricolagem: Vocábulo empregado para fazer uma analogia com trabalhos executados a mão e

[...] Por isso, é fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que se supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador (FREIRE, 1996, p. 43).

Mesmo diante da impossibilidade de não reconhecimento dos avanços registrados na formação do professor em alguns dos estados brasileiros, sobretudo nos estados das regiões sul e sudeste, é possível observar resquícios do descaso a que se refere Nóvoa (1991a) nas linhas da própria História da Educação Brasileira.

Alguns desses resquícios são trazidos por Ronca e Terzi (1996) que, pelos estudos da historiadora Ana Maria Araújo, encontra documentos cujos conteúdos, para além da perplexidade, impele-nos a agir com a urgência requerida. Observemos a data e o teor de um dos documentos encontrados pela historiadora brasileira:

O presidente da província do Paraná, Polidoro Cezar Burlamaqui, em 1867, assim se pronunciou sobre o assunto das escolas normais:

Reconheço a necessidade de uma escola normal; mas no Brasil elas têm sido plantas exóticas: nascem e morrem quase no mesmo dia. O professorado, entre nós, não está, nem estará tão cedo à altura de sua carreira, que estimule as ambições legítimas de quem quer que seja, e muito menos abra a porta a aspirantes distintos. Por via de regra só quer ser professor quem não pode ser outra cousa... Que perspectiva agradável se oferece ao aspirante ao magistério? Por todas estas considerações, não me inclino à adoção de uma escola normal na província. Falta aqui o gosto da instrução, faltam os incentivos para os mestres, falta o pessoal para escola desta categoria, a província é pobre no meio de uma imensa riqueza (RONCA; TERZI, 1996, p. 30).

Diante de tamanha temeridade, eu me pergunto:

Passado mais de um século daquela realidade, temos solucionados os “incentivos para os mestres”, “a falta de pessoal para as escolas”, a pobreza “no meio de uma imensa riqueza”? E hoje, “que perspectiva agradável se oferece ao aspirante ao magistério”? Quem, hoje, realmente quer ser professor? Quais são as semelhanças e as diferenças que se podem detectar entre o quadro educacional daquele passado e o dos dias atuais? (p. 30).

Juntas, minhas indagações e as de Ronca e Terzi (1996), sobre “o fenômeno do êxodo do professorado: a que se deve tal fenômeno? E que consequências práticas emergem daí”? (p. 31). É evidente a atualidade do problema!

Ainda no ano de 1996 os autores avançam quatro anos à frente, preocupação com o futuro da educação projetada ao ano 2000 e questionam: “Quem estará ocupando a cátedra do ensino fundamental no ano 2000?” (RONCA; TERZI, 1996, p. 32).

Passadas quase duas décadas dos questionamentos feitos por Ronca e Terzi (1996), temos em Nóvoa24 (1991a) a seguinte expressão, ao tratar do desenvolvimento pessoal do professor ou da produção de sua vida:

A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional (NÓVOA, 1991a, p. 25).

O autor reporta-se ao pensamento de Nicholas Nias (1991), para dizer da inseparabilidade dos elementos constituintes do fenômeno humano professor

pessoa, tomada como parte importante da pessoa, o professor (NÓVOA, 1991a).

Dessa qualidade de inseparável, resulta a urgência de “[...] (re) encontrar espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais, permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes um sentido no quadro das suas histórias de vida” (NÓVOA, 1991a, p. 25).

Não obstante, e até mesmo em descaso a essa urgência, constata-se que o desenvolvimento na associação dos âmbitos profissional e pessoal, nos processos de formação de professores, têm sido, também aqui no Brasil, perversamente ignorados, a exemplo da realidade educacional portuguesa, apontada por Nóvoa (1991a).

24 Antônio Nóvoa. Texto: Formação Contínua de Professores: Realidades e Perspectivas

apresentado no I Congresso Nacional da Formação Contínua de Professores. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1991a.

De outra feita, ensina-nos Jaeger (2001) que a palavra alemã Bildung significa formação, configuração, e que designa “[...] a essência da educação no sentido grego e platônico” (JAEGER, 2001, p. 13).

No X Encontro de Pesquisadores do Programa Educação: Currículo, ocorrido em junho de 2011, na PUC/SP, privilegiado o tema Qual conhecimento importa?, Chizzotti (2011) afirma que a escola preocupada com a permanência e o sucesso do aluno e seu bem-estar, nela e fora dela, é também preocupada com a valorização de seus profissionais e, por conseguinte, com a qualidade de sua formação inicial e continuada.

Valoriza os saberes docentes e discentes. Antes de tudo, valoriza a pessoa do aluno e a pessoa do professor e, por isso mesmo, procura integrar a teoria à prática e problematizar a realidade dada. Na ocasião, o filósofo retoma as ideias de Santo Agostinho para dizer das três grandes paixões humanas ─ o desejo latente de conhecer; o desenho natural de dominar e o desejo de garantir a conservação da espécie.

A crítica à escola de currículo cristalizado é que a educação e a formação que ela pode oferecer frustra, num só tempo, os três desejos naturais do homem. Os desejos que o movem para o desenvolvimento, para a emancipação e para a felicidade.

Assim, o pesquisador da PUC/SP entende que o currículo aberto valoriza o saber científico enquanto parte do conhecimento comum na linha de uma formação vinculada ao cotidiano dos alunos. A consideração do conhecimento comum e dos saberes práticos dos estudantes que respondem aos fatos reais da vida são a razão de ser e a fonte de felicidade dos alunos, que se sentem reconhecidos e considerados na sua dimensão humano-subjetiva e, portanto, pessoal. E esse, por natureza e dever ético para com o aluno é incontestavelmente um conhecimento que importa, afirma Chizzotti (2011).

Nesse sentido, reconheço hoje que, mesmo sem contar com o aprofundamento devido quanto aos conhecimentos filosóficos postergados pela Escola Normal, lócus de minha formação docente, essa essência da educação grega sempre rondou o meu campo intuitivo, levando-me agora a (re)conhecer que “[...] o conhecimento essencial de formação grega constitui um fundamento

indispensável para todo o conhecimento ou intento de educação atual” (JAEGER, 2001, p. 18).

Faculta-me ainda a defender que, do modelo de formação que me habilitou para o magistério, não se pode polarizar se era conservador ou omisso, tampouco progressivo e libertador. Na verdade, falamos de um modelo tão conservador quanto progressivo, se analisado do ponto de vista das exigências socioculturais e políticas daquela época, imersa na cultura dos “anos dourados” e ao mesmo tempo “rebeldes”, considerados os interesses políticos e econômicos contracenando com as expectativas da sociedade burguesa, em relação à função social da educação escolar.

A explicitação de Jaeger (2001, p. 5) sobre o “lugar dos gregos na história da educação” respalda, ao menos em parte, a descrição do modelo de formação que me preparou para o ofício de professor.

Assim se expressa o filósofo sobre isso:

[...] a educação participa na vida e no crescimento da sociedade, tanto no seu destino exterior como na sua estruturação interna e desenvolvimento espiritual... e, uma vez que o desenvolvimento social depende da consciência dos valores que regem a vida humana, a história na educação está essencialmente condicionada pela transformação dos valores válidos para cada sociedade. À estabilidade das normas válidas corresponde a solidez dos fundamentos da educação (JAEGER, 2001, p. 4).

Dessas experiências de autoformação ou formação participativa, como a conceitua Nóvoa (1991a), decorre o desafio enfrentado até hoje: estudar, pesquisar, planejar e avaliar continuadamente a ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão na ação, numa circularidade contemplando aberturas e fechamentos de ciclos sem perder a unidade na multiplicidade e na diversidade: de pessoas, de temas, de assuntos e de novos desafios emersos do próprio movimento de formação.

A prática de pensar e repensar criticamente a prática alcança em Freire (1996) o seu sentido pleno. Afirma Freire (1996) que,

A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, “desarmada”, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência

feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito (FREIRE, 1996, p. 43, grifo do autor).

A formação que considera a própria prática como fonte de conhecimento, reconstrução e melhoria da ação docente considera também a relação de interdependência que caracteriza o binômio ensino/pesquisa.

Freire (1996) já insistia a que o professor tomasse consciência dessa relação no sentido de melhor explorá-la em favor de um ensino competente. Declara sobre isso o educador:

Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador (FREIRE, 1996, p. 32).

Observemo-nos, no item 2.3, quanto às pedras do caminho e, no árduo exercício da crítica, os fundamentos da história da educação e da prática pedagógica alfabetizadora e seus desdobramentos na história de vida e formação da pesquisadora.

2.3 As pedras do caminho e a primeira travessia guiada pela intuição mais que