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Conversa com quem gosta de ensinar e aprender, dirigida aos formandos e futuros formadores das gerações futuras

Tese antítese síntese.

AS HIPÓTESES

2 A VERDADE HISTÓRICA DA PESQUISADORA

2.8 Conversa com quem gosta de ensinar e aprender, dirigida aos formandos e futuros formadores das gerações futuras

Reporto-me à alegoria da caverna de Platão (APÊNCIDE G), em sua obra República48, para endereçar a minha fala aos moços e às moças que educarão as gerações que ainda não vieram ao mundo e, portanto, que não ocupam ainda os

48 República: “obra central” e a “mais arquitetada de Platão”, em que expõe seu pensamento sobre o

“problema do Estado” e sobre “pôr a descoberto o próprio processo do conhecimento”. In: Wemer Wilhelm Jaeger. Paidéia. A Formação do Homem Grego. 2001, p. 749-750.

bancos escolares, bem como às novas gerações de educadores e educadoras que depositam confiança no futuro da educação deste país e já se lançam com coragem e determinação na luta em prol desse futuro esperançado.

Que esses educadores do presente e do futuro que se avizinha na velocidade da luz, e cuja formação é destinada aos novos rebentos da educação básica brasileira, resistam a aprisionar os conhecimentos na mesma cela dos alunos, de forma a vedar-lhes a comunicação e a interação entre eles, os conhecimentos e os sujeitos deles, seus absolutos seres de direito, tornando-os mutuamente prisioneiros do conhecimento de si mesmos, do conhecimento do outro e do conhecimento de mundo. Completamente ilhados no mesmo espaço físico, porém em condições de estranhamento que, impedidos vitalmente de dialogarem entre si e, por conseguinte, de interagirem com os próprios conhecimentos. Algo como conhecimentos e sujeitos do conhecimento, todos barrados nas limitações impostas pelas grades curriculares e programas oficiais que os confinam, enquadram e/ou os algemam reciprocamente, a exemplo da caverna de Platão que só se abria para a luz no limite estreito do comprimento da galeria que a estruturava.

Assim, aquelas pobres criaturas nela encarceradas não contavam com outra opção se não a de olhar apenas e tão somente para o interior, já que se achavam de costas para a saída da caverna. A luz se lhes mostrava literalmente no fim do túnel, e os clarões de uma fogueira que crepitava suas chamas longe deles eram projetados acima de suas cabeças, e não se lhes possibilitava ver mais do que sombras geradas por figuras de bonecos de madeira e de pedra, manobradas por um operador que não se deixava ser visto. Cativos infortunados completamente impedidos de voltar suas cabeças para a saída da caverna, movimento simples este que por certo os faria enxergar para além dos clarões projetados da fogueira, enxergar, sim, a verdadeira luz. Ocorre que os infelizes estavam, acima de tudo, familiarizados com a “linguagem das sombras”, como descreve Jaeger (2001, p. 883). Dessa forma, não podiam perceber a perversidade escondida no sentido e na real intencionalidade daquela linguagem que os condenava, sobretudo concebê-la como única linguagem capaz de lhes falar sobre a realidade existente.

Por oportuno, vale lembrar a tônica de Fazenda49 (2000), sua observação

acurada sobre a relação de interdependência entre a disciplina e a interdisciplinaridade. Sobre essa relação, insiste a mestra: “Não são as disciplinas que dialogam... são as pessoas... do diálogo e do olhar interdisciplinares nasce a luz.” Nesse sentido, sonho um sonho mais justo e humano para as nossas futuras gerações. Que a elas seja concedida a liberdade de aprender, de aprender a aprender, aprender a fazer, a conviver e sobretudo aprender a ser. Aprender o mundo e a “ser-no-mundo e ao mundo”. “Ser no mundo” é também “ser-ao-mundo”, sendo a intencionalidade uma experiência construtiva, como nos ensina Merleau- Ponty, referido nos estudos de Rezende (1990). É somente esse aprender que nos favorece ver “o mundo da luz... um mundo superior” (JAEGER, 2001, p. 883) ao mundo que já conhecemos.

Ao lado das proposições de Rezende (1990) e de Jaeger (2001) são consoantes as de Freire (1996) que, de forma recorrente em suas obras e ações, demarcam o sentido de sua presença no mundo:

Na verdade, seria incompreensível se a consciência de minha presença no mundo não significasse já a impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença. Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo (FREIRE, 1996, p. 21).

Seria um ponto de partida para as referências ainda não conhecidas, desde que liberada a apreensão dos horizontes não visualizados, algo como dizer “ver as próprias coisas” de forma direta e poder flagrá-las em seus múltiplos sentidos e significados, bem como flagrar os sentidos e os significados de todas as coisas que se apresentam e/ou se afiguram no mundo existencial concreto, a fim de preferirmos “[...] ser o mais humilde jornaleiro do mundo da luz do espírito a ser o rei daquele mundo de sombras” (JAEGER, 2001, p. 884). Que possamos, juntos, educadores e educandos, criar e recriar “a obra de libertação do conhecimento”, a exemplo da “[...] paidéia platônica elevada ao mais alto sentido da palavra” (JAEGER, 2001, p. 888), aqui interpretada sob a ótica desta jovem pesquisadora idosa.

49 Registros de Memórias de Aula no Curso de Mestrado. Programa Educação: Currículo. PUC/SP.

Para Cortella (2007), os termos “empresa espiritualizada” e “líder espiritualizado” prenunciam a busca por modos novos de vida e convivência e uma consciência mais clara da necessidade da espiritualidade no mundo do trabalho. O filósofo contemporâneo pergunta e responde sobre isso, dizendo que espiritualidade é a capacidade que o ser humano tem de olhar as coisas não com um fim em si mesmas:

[...] aquilo que você faz, por exemplo, tem um sentido, um significado. Que a noção de humanidade é uma coisa mais coletiva, na qual se tem a idéia de pertencimento e que, portanto, o líder espiritualizado ─ mais do que aquele que fica fazendo meditações e orações ─ é aquele capaz de olhar o outro como outro, de inspirar, de elevar a obra, em vez de simplesmente rebaixar as pessoas (CORTELLA, 2007, p. 13).

Afirma o autor que aproximamos o tema da espiritualidade ao mundo do trabalho se enxergamos um significado maior na vida, se respeitamos “o outro como o outro e não como um estranho” e, se, em conjunto, somos capazes de edificar um sentido que dê honradez a nossa existência (CORTELLA, 2007, p. 14).

Afinal, completa Cortella, “Eu me vejo naquilo que faço, não naquilo que penso” [...] aquilo que construo, em que me vejo [...] a minha criação (CORTELLA, 2007, p. 20-21).

Ademais, como bem vem nos alertando João Mellão Neto50, há quase duas décadas,

Se não nos apraz pastorear ovelhas, tampouco desejamos ser robôs que incensa o “progresso a qualquer custo”. Adentremos, então, o vale. Não há por que temê-lo, desde que munidos de duas sublimes convicções: a de que existe algo de sagrado e transcendente na psique humana e a de que a felicidade não é outra coisa senão o possuir “um sentido de vida”... (MELLÃO NETO, 1998, s.p, grifo do autor).

Aos moços e moças do mundo e da educação atual, confidencio que esta é a tese resultante de “[...] uma longa e fatigosa “paideia” (JAEGER, 2001, p. 888, grifo do autor). Significa o ideal buscado pela pesquisadora desde a aurora de sua vida no magistério paulista, à frente da ferrenha luta por uma formação docente inicial e

50 João Mellão Neto, jornalista e (na época) deputado federal (PFL-SP). Jornal “O Estado de São

continuada de real qualidade, isto é, a formação do espírito e das aptidões do corpo, a que finca raízes nas asas da imaginação ao mesmo tempo em que tem os pés afirmados no solo social e político.

Por fim, devo dizer que a produção do conhecimento e da literatura é imprescindível ao estudioso da formação docente, se colocada como força formativa dos educadores das novas gerações, significando meio de torná-los verdadeiros homens e verdadeiras mulheres que possam pensar, à moda do oleiro que tão bem convive com a argila e a ela dá formas diferenciadas, à moda do escultor que, de maneira amorosa, esculpe suas pedras, e, sobretudo como o jardineiro, que vive na intimidade com o seu jardim e com ele experimenta o êxtase do Belo e do Bom. Assim, os educadores também poderão esculpir a inteligência de seus alunos, crianças, jovens e adultos, e, nesse sentido, entender a educação como processo contínuo de construção consciente e partilhada, como se jardim e jardineiro se ativessem a um único ponto de luz.

Quero crer que esta “conversa” direcionada aos educadores mais jovens possa lhes instigar alguns caminhos, já que ela delimita o objetivo maior desta investigação, qual seja, o de desvelar o fenômeno educativo imperecível e originário do fato pedagógico imanado da escrita de Jairo e, sobretudo, decorrente do aligeiramento que gerou a lacuna de conhecimento linguístico, sócio-histórico e cultural limitada à capacidade crítica do modelo formativo privilegiado na década de 1960.

Na circularidade do vigor e da força propulsora da interdisciplinaridade de Fazenda (1999, 2001, 2003, 2008, 2010, 2011, 2014), tanto quanto no compromisso ético-político-pedagógico com a educação democrática, tentemos, como eles, pensar que espécie de professor queremos formar, se não aquele:

[...] politicamente claro, tecnicamente competente, alguém que tenha sede por conhecer, alguém em processo de estar sendo [...] será fácil formar realmente bons cientistas sociais? Bons físicos? Bons médicos? Engenheiros? Matemáticos? Agrônomos? Bons educadores-professores?... Não... Não é fácil. A questão fundamental para mim é se é ou não possível. Se o é, é preciso saber se para agora ou amanhã... (FREIRE, 2000b, p.126).

Viabilizar os sonhos que se nos apresentam impossíveis na educação é uma das tarefas políticas a serem assumidas por nós, educadores e, para tanto, precisamos encurtar “a distância entre o sonho e sua materialização” (FREIRE, 2000b, p. 126).

Sabemos sobejamente que a educação sozinha está longe de ser a solução dos problemas de ordem socioeconômica e político-pedagógica, também sabemos que, isolada, não transformará a realidade como num passe de mágica. Contudo, sabemos igualmente, que as “mudanças do mundo”, por natureza, têm na sua essência um forte componente educativo.

Sabemos, ainda, que sonhar com a escola pública exige luta inadiável e contínua. A “escola pública séria, competente, politicamente lúcida, alegre” (FREIRE, 2000b, p.126) far-se-á com a condição essencial de poder contar com professores cujos perfis sejam compatíveis com as buscas pela materialização desse sonho, pois é justamente na fraqueza da educação que reside a sua força, cabendo colocá-la “a serviço de nossos sonhos” (p.126). E cumpriremos isso tornando o ensino-aprendizagem um processo verdadeiramente democrático e compreendendo que,

Para a interdisciplinaridade começar, necessita de uma decisão pessoal, de se romper com as evidências estabelecidas, propondo-se a uma tarefa solitária de começar tudo de novo. Este momento de decisão na interdisciplinaridade impõe-se tanto ao filósofo quanto ao educador. Romper é ato de vontade, de coragem, uma vez que os obstáculos são muitos [...] Compreender é retomar a intenção total (FAZENDA, 2003, p. 47).

Escrevendo sobre Antropologia Existencial o sentido do fazer, no “estudo da escola em sua mediação indivíduo-sociedade”, a autora reafirma a necessidade do diálogo, levantada antes pela filosofia, e declara:

Nesse sentido, a história, vista sob a perspectiva interdisciplinar, deve ser mais que simples ordenação seqüencial e manuseio de certos materiais para consulta, deve plantar a “semente” do futuro pesquisador e do cidadão que luta por seus direitos e deveres, enfim, por sua liberdade” (FAZENDA, 2003, p. 61, grifo do autor).

Aos educadores mais jovens registro parte do meu sonho atual, como educadora que sou, trazendo a público um testemunho da educação interdisciplinar

de Fazenda (2003), cuja força tem me movido na busca das possíveis respostas às perguntas intelectuais e às perguntas existenciais, ou seja, na busca do conhecimento.

Sobre ele, sinaliza Fazenda (2003):

[...] só a práxis dimensiona e direciona a aquisição dos conhecimentos em combinações adequadas ao enfrentamento das configurações de vida social: as historicamente concretas e as ideais, em termos de aspiração e procura. Mas a execução é tarefa pedagógica pelo exercício regular e sistemático do aprender e compreender para poder participar [...] Interdisciplinaridade não é categoria de conhecimento, mas de ação [...] aprender a fazer pesquisa, pesquisando, é próprio de uma educação interdisciplinar, que a nosso ver deveria iniciar desde a pré-escola... (FAZENDA, 2003, p. 64; 73).

Obriga-me a registrar, porém, o lamento de que essa busca não me tenha iniciado desde a pré-escola e legitimada no Curso Normal que me habilitou para o ofício de professor.

3 A CONVERSA INTERDISCIPLINAR COM JAIRO SOBRE O FATO