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2.3 A INTERDISCIPLINARIDADE E A TOTALIDADE DO CONHECIMENTO

2.3.1 Considerações gerais

O filósofo francês Georges Gusdorf apresentou à UNESCO, em 1960, um projeto interdisciplinar para as ciências humanas, defendendo o contributo de todas as ciências - a interdisciplinaridade - para se entender o conhecimento global, e criticou, posteriormente, com ferocidade a excessiva especialização que dissocia o conhecimento da existência humana e do mundo: “É alienada e alienante, toda a ciência que se contente em desintegrar e dissociar o seu objeto.”

Este entendimento do conhecimento global, presentemente, é vital face à crescente complexidade da realidade que impõe novas exigências para o campo do conhecimento, e no que diz respeito à educação, diferentes autores, em contextos distintos, defendem a integração curricular da interdisciplinaridade, para a criação e para reconstrução do conhecimento, uma vez que, de acordo com os mesmos, a inter- relação e a noção da interdependência de conhecimentos assistem à compreensão dos factos numa perspetiva global.

A interdisciplinaridade é como “a arte do aprofundamento com sentido de abrangência, para dar conta, ao mesmo tempo, da particularidade e da complexidade do real” (Demo, 1998, p.88-89). Para este autor a dualidade Especialização Extrema. Vs. Universalidade, desvirtua a realidade e, por isso, propõe, por um lado, a necessidade de especialização na ciência, com o objetivo de aprofundar o conhecimento, pois a ciência evoluiu a tal como a conhecemos, graças à particularização, e, por outro lado, especialistas capazes de dialogar com outros de áreas distintas. Este apelo ao diálogo e a articulação da ciência com outros saberes, bem como a valorização da sua “tradução” em linguagens sucessivas até ao domínio do saber comum”, foram defendidos por Fernando Ribeiro e por João Caraça, nas Conferências para a Ciência, em 2003.

A enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura define interdisciplinaridade como: ”a forma de análise e conhecimento que se situa na convergência ou no ponto em que se cruzam e entrecruzam várias perspetivas diferentes, fruto, por sua vez de diferentes axiomáticas.” Embora sendo uma palavra do século XX, que deriva da vocábulo primitivo disciplinar (disciplina, matéria), por prefixação, inter (ação recíproca, comum), e por sufixação, dade (qualidade, estado ou resultado da ação), a interdisciplinaridade já era praticada na cultura helénica, na cultura romana e na cultura medieval, épocas

cobria a totalidade das “disciplinas” essenciais da ordem intelectual. Mesmo com a revolução científica do século XVI, prevaleceu durante algum tempo a ideia de unidade: as leis da Terra e do Céu eram as mesmas.

Na época moderna surgiu inicialmente como uma preocupação humanista/conhecimento, estendendo-se depois à teologia fenomenológica, ao existencialismo, à epistemologia, ao materialismo histórico-dialético e à educação, concretamente, a partir da década de oitenta, do século XX.

Para Fazenda (1994), o movimento moderno da interdisciplinaridade nasceu na Europa, principalmente em França e Itália, em meados da década de sessenta do século vinte, como uma alternativa à abordagem disciplinar regularizada, procurando ultrapassar a visão fragmentada e especializada dos decursos de criação e de socialização do conhecimento, que originavam um afastamento entre a particularização e os problemas quotidianos. Esta abordagem é distinta da de Sinaceur (1977), para o qual, a interdisciplinaridade, não é uma tendência, mas um sintoma e surge articulada à funcionalidade do poder e à pesquisa operacional e não como resposta a uma situação de fragmentação.

De acordo com Lenoir (1998) a interdisciplinaridade, pode ser perspetivada em função da sua finalidade, por exemplo a interdisciplinaridade científica tem, como objetivo, “a produção de novos conhecimentos e a busca de respostas às inúmeras necessidades sociais”, mas a interdisciplinaridade escolar tem como principal propósito a “difusão do conhecimento (...) e a formação de atores sociais”, concebendo conjunturas para a promoção de um processo de integração de aprendizagens e conhecimentos escolares (p. 52). Ainda segundo este autor, da implementação destas interdisciplinaridades podem emergir efeitos distintos, assim, no primeiro caso podem surgir novas disciplinas, e conduzir ao avanço e aprofundamento da ciência e ao desenvolvimento de produções técnico-científicas, já no contexto escolar proporcionam ligações de complementaridade entre as disciplinas escolares, consequentes e inteligíveis para os alunos.

O(s) conceito(s) de interdisciplinaridade encontram-se ainda em construção e “a tarefa de procurar definições finais para a interdisciplinaridade não seria algo propriamente interdisciplinar, senão disciplinar “ (Leis, 2005, p. 7). De acordo com Japiassu o termo interdisciplinar “ não possui ainda um sentido epistemológico único e estável. Trata-se de um neologismo cuja significação nem sempre é a mesma e cujo papel nem sempre é compreendido da mesma forma.” (1976, p.72), e interpreta interdisciplinaridade como “o nível em que a colaboração entre as diversas disciplinas ou entre os setores heterogéneos de uma mesma ciência conduz a interações

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

propriamente ditas, isto é, a uma certa reciprocidade nos intercâmbios, de tal forma que, no final do processo interativo, cada disciplina saia enriquecida.” (1976, p.74)

Face ao exposto o(s) conceito(s) de interdisciplinaridade é(são) edificado(s) em conformidade com os contextos e/ou com as finalidades das ações, mas no coletivo invocam a acoplagem, a comunicação e a interação de conhecimentos.

Muitos países ocidentais, tais como a França, Canadá ou a Suíça, têm orientações institucionais que privilegiam, nos seus programas escolares, a interdisciplinaridade como método e/ou como forma de transpor barreiras disciplinares permitindo a integração de matérias e de saberes. No nosso país, assim como em muitos outros, a interdisciplinaridade do ponto de vista pedagógico surge principalmente associada ao currículo, ao ensino e/ou à aprendizagem escolar.

Em 1970, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), patrocinou um evento intitulado Seminário sobre a Pluridisciplinaridade e a Interdisciplinaridade nas Universidades, com o intuito de elucidar conceitualmente a interdisciplinaridade e promover a discussão sobre as suas potencialidades de desenvolvimento no que diz respeito ao ensino e à pesquisa, face à crescente complexidade dos problemas enfrentados pelas sociedades modernas. “ A partir de então, tanto na OCDE como na UNESCO surgiram importantes esforços no sentido de promover a interdisciplinaridade, convocando ou apoiando debates, seminários e colóquios de caráter internacional com esta filosofia.” (Santomé, 1998, p.52). Despontaram, também, muitas vicissitudes relativamente à nomenclatura e aos conceitos utilizados para definir a Interdisciplinaridade.

Em Portugal, a Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada em 1986 introduziu mudanças importantes nas orientações para a educação, definindo finalidades e princípios fundamentais. A Lei de bases determina três níveis essenciais do ensino não superior: a educação pré-escolar, o ensino básico (1º, 2º e 3º ciclos) e o ensino secundário (10º, 11º e 12º anos) e prevê:

Ensino globalizante, “da responsabilidade de um professor único, que pode ser coadjuvado em áreas especializadas”, no que diz respeito ao 1º ciclo. Esta prática de reduzida implementação poderia ter repercussões importantes, tanto no ensino como nas aprendizagens.

Áreas interdisciplinares de formação, que se desenvolvem “predominantemente em regime de um professor por área”, para o 2º ciclo, não particularizando o número de áreas interdisciplinares. O que se faz na prática, é uma particularização

Um plano curricular unificado, “integrando áreas vocacionais diversificadas, e desenvolve-se em regime de um professor por disciplina ou grupo de disciplinas”. Está implementada nas nossas escolas, é questionável, pois como vimos anteriormente, os alunos poderão não ser capazes de integrar e compreender estas partes como todo.

Cursos vocacionados para o prosseguimento de estudos e cursos orientados para a vida ativa, baseado nos modelos multidisciplinares, isto no que concerne ao ensino secundário.

Mas apesar, de estar presente na legislação (Lei de Bases do Sistema Educativo e regulamentação posterior), nas orientações curriculares, nos manuais escolares, no vocabulário utilizado nos diversos domínios escolares e do consenso entre alguns docentes e pesquisadores em educação no que diz respeito à necessidade de interligar as disciplinas e de contextualizar os conteúdos, a construção de um trabalho genuinamente interdisciplinar, nas escolas depara, ainda, com muitas dificuldades, resistências e desvirtuações. Basta olhar para o que se fez com projetos curriculares de turma e outros semelhantes, que poderiam contemplar ligações interdisciplinares relevantes e contextualizadas para os alunos, mas que, infelizmente, na maior parte dos casos resultam em documentos burocráticos, em que se elaboram, entre outros, a caraterização da turma, algumas estratégias, selecionadas, por vezes, de uma lista, e conteúdos sem ligação aparente ou com vínculos pontuais, que nem chegam a ser o “somatório das partes”, apelidados de “interdisciplinaridade”.