• Nenhum resultado encontrado

MATERIALIDADE DO CONCEITO, VALOR E SOBERANIA: UMA APROXIMAÇÃO DE CIRCUITOS SIMBÓLICOS

CONCEPT MATERIALITY, VALUE AND SOVEREIGNTY: AN APPROXIMATION OF SYMBOLIC CIRCUITS

Benjamin Luiz Franklin Resumo: Neste trabalho, apresentamos os resultados parciais de um projeto de problematização do conceito de valor na ciência da informação, mais precisamente, em sua aparição na curadoria e na mineração de dados, em que o problema do valor – tanto na ideia de sua extração, quanto em sua preservação – é constantemente trazido à baila. Para sintetizar os estágios iniciais da empreitada, deveremos, primeiramente, estabelecer uma aproximação entre a teoria do conceito e a materialidade da informação, contrastando esses com uma exigência de circularidade social, em um território, a partir do problema da soberania, exercida, tradicionalmente, em três momentos. Esta será, portanto, o investimento teórico que dará entorno ao projeto. Pretendemos sintetizar, desta forma, um percurso de pesquisas já realizado, em que evidenciamos as diferenças entre a máquina moderna e contemporânea, base para as investigações atuais e norte teórico para a continuação do trabalho. As diversas formas do exercício da soberania, evidenciado na operação destas máquinas, oferecem, ainda, um terreno comum para entender os diferentes dispositivos que se desafiam mutuamente, nas possibilidades de produção de identidade e sentido, elementos fundamentais – assim acreditamos – para a compreensão do conceito de valor, no escopo desse trabalho. Os resultados obtidos sugerem um quadro teórico, ainda em construção, capaz de fornecer elementos para compreensão à aparição disruptiva que alguns conceitos oferecem na contemporaneidade, tais como informação, sentido, identidade e, por fim, o valor. A compreensão das diferenças a que estes conceitos remetem, sob a luz da materialidade da informação e o conceito de soberania, em sua aparição moderna e contemporânea, sugere, então, uma agenda de futuras pesquisas. O avanço na precisão e na problematização destes conceitos, em sua contemporaneidade, destacando o problema do valor, pode ajudar o desenvolvimento da Ciência da Informação como um todo.

Palavras-chave: Materialidade. Conceito. Valor. Soberania.

Abstract: In this paper, we present the preliminary results of a project that problematizes the concept of value within the field of Information Science, focusing specifically on its occurrence in the domain of curatorship and data mining, in which the problem of value – both in the idea of its extraction and preservation – is constantly brought up. To outline the initial stages of this study, we must first establish a communication between the theory of the concept and information materiality, then face it with a requirement of social circularity in a territory, starting with the issue of sovereignty, exercised traditionally in three different moments. We intend to synthesize the path of existent researches, in which we can highlight the differences between modern and contemporary machine basis for the investigations and theoretical guidance for further work. The various forms of sovereignty, visible in the operation of these machines, also offer a common ground for understanding the different dispositives that challenge one another in the production possibilities of identity and meaning, essential elements – so we believe – for understanding the concept of value, within the scope of this study. The results suggest a theoretical framework, still under construction, able to provide elements for understanding the disruptive appearance that some concepts offer to the contemporaneity, such as information, direction, identity and ultimately, value. Understanding the differences that these concepts refer, in light of the information materiality and the

concept of sovereignty, in its modern and contemporary appearance, suggests an agenda for future research. The breakthrough in precision and questioning these concepts in its contemporary moment, highlighting the problem of value, can help the development of the Information Science as a whole.

Keywords: Materiality. Concept. Value. Sovereignty.

1 INTRODUÇÃO

O conceito de valor é complexo e pode ser abordado sob diferentes pontos de vista (PAULA, 1984). A aparição do termo nas publicações relativas à Ciência da Informação (CI) é notória, seja em textos que cuidam da curadoria digital (SAYÃO; SALES, 2012), seja em trabalhos sobre o big data, em que se apresenta a extração de valor das grandes quantidades de dados não estruturados, que circulam atualmente nas instituições, como um dos grandes desafios atuais às diversas subáreas da CI (WEINBERGER, 2011). A própria problematização do conceito de valor, em sua relação com a CI, no entanto, não parece fortemente estabelecida, no sentido de se compreender o que significa sua extração, agregação e distribuição. Estaríamos falando do mesmo conceito de valor da economia, da física, da psicanálise, em suas diversas aparições, ou sua apropriação exigiria alguns cuidados, localizações e deslocamentos, conforme seu uso nas diversas abordagens da própria CI? Parece, então, que, em meio à profusão de possibilidades de interligação de conceitos, é necessário estabelecer as condições mesmas de aproximação, esperando que as similaridades apareçam neste próprio movimento.

Existe, dentre os diversos conceitos favoráveis ao trabalho, um aspecto que parece ser promissor, que é o da sua circularidade social, ou seja, aquele em que o valor precisa ser reconhecido socialmente como algo que pode ser representado. Esta abordagem parte da conhecida tradição marxiana, em que o valor passa pela representação de um trabalho abstrato e que é posto em circulação social a partir de um equivalente geral, no qual o valor das mercadorias é substancializado por um significante comum, o valor de troca, em um jogo universalizado que se impõe sobre um singular: o valor de uso. A mercadoria teria, desta forma, uma dupla vida, enquanto valor singular, o valor de uso, e seu valor social objetivo de troca, seria passível de se regular socialmente, pelo mercado e seus agentes. Robbins (1984) procura evidenciar, por seu turno, que o valor, enquanto fruto de um mecanismo social, é evidenciado pela produção artificial de escassez, ou seja, só teria valor aquilo que fosse apresentado como escasso, dado um circuito simbólico de trocas.

Críticas aos sistemas de atribuição de valor, à sua racionalidade e eficiência, são vastas e escapam, de longe, ao escopo deste trabalho. Fica, no entanto, destacada a questão do

reconhecimento social, ou seja, a participação em um circuito – uma estrutura simbólica – a condição necessária para a compreensão do conceito de valor, enquanto um elemento operatório, que, neste caso, escapa do processo econômico e passa a circular por terrenos mais amplos, como um elemento privilegiado de representação na circulação social. Esta perspectiva, de que a questão do valor transborda suas fronteiras racionais (ocidentais), passando para uma problemática de constituição dos próprios círculos simbólicos de uma cultura, é constantemente apontada na antropologia, principalmente em sua vertente maussiana (MAUSS, 2008), onde o problema do valor é estranhado, no sentido do apontamento da particularidade do conceito no ocidente – baseado em um sistema racional de equivalências gerais e não em um modo de criação de novos círculos de dádivas –, como mostra as práticas de troca em outras culturas, baseadas no dom e no contra-dom (LANNA, 2000).

Em uma série de trabalhos (FRANKLIN; MONTEIRO, 2012), começou-se a explorar a condição da produção de sentido como um elemento da produção de valor, em que os mecanismos diferentes de representação do valor, como no caso das flutuações do preço de ativos financeiros, na bolsa de valores de São Paulo – BM&FBOVESPA –, passam por formas predicativas de significação, em noticiários financeiros, seguindo os modelos semânticos de produção de sentido, como a cópula entre sujeitos, verbos e objetos (FRANKLIN, 2013), concluindo que existe um elemento da operação da produção do valor, que passa pela produção do sentido, enquanto um operador da circulação social do conceito, que aqui aproximaremos do conceito de informação, em sua abordagem social.

O conceito de informação, como o conceito de valor, também é múltiplo e variado, cabendo aqui algumas especificações. Araújo (2014) sintetiza três grandes abordagens: a fisicalista, a cognitiva e a social, esta última que, particularmente, interessar-nos-á mais, uma vez que condiciona a informação ao problema de sua circulação social, como o conceito de valor, nos parâmetros de uma questão que não pode ser universalizada, mas, de outro modo, deve ser localizada em um circuíto simbólico específico. Cada abordagem produz diferentes quadros teóricos, metodologias e problematizações. Se abordarmos o conceito de informação, por meio de sua concepção fisicalista, como no início de sua ciência, depois da Segunda Grande Guerra, em que a transmissão de sinais eletrônicos oferecia estímulo substancial, como em Shannon e Weaver (DAY, 2001, p. 39), encontraremos um arcabouço de metodologias, que estarão presentes nos problemas gerados nas ciências da computação, nas engenharias e na tecnologia de informação, até hoje. Em outras formas de problematização, como no paradigma cognitivo, no qual a informação é capaz de produzir uma diferença

comportamental a partir de um sistema universal, lógico a priori, outros mundos são possíveis, como a computação cognitiva, em que sistemas inteligentes podem extrair conceitos a partir de um corpus de informações qualificadas (WANG, 2009).

Estes modelos teóricos permitem uma proliferação de avanços, mas não esgotam as possibilidades de produção de novos conceitos, que possam explorar e criar condições para o surgimento de problemas diferentes. A questão da informação, assim, permanece um problema fugidio e fecundo, pronto para ser reinterpretado e regenerado, para que seu arsenal teórico possa constituir novos campos problemáticos e gerar novas questões, formas metodológicas e operacionais. Não se trata, portanto, de pedir por uma convergência no conceito de informação, mas da localização de sua gênese e entendimento de sua deriva, notando, primeiramente, que seu percurso não trata de evoluções históricas, em que um modelo sobrepõe e ultrapassa o modelo anterior, mas de um avanço conceitual, no qual os modelos diversos oferecem uma abordagem para diferentes campos problemáticos, gerando uma miríade de novos mundos a serem desvendados, técnicas possíveis e operações metodológicas.

Os desdobramentos do conceito de informação seguem, assim, promovendo sua consistência interna, conforme sejam desenvolvidos, em suas próprias disciplinas, com certa autonomia. A Ciência da Informação continua produzindo, como uma expansão rizomática, problemas conceituais que revigoram seu campo de estudos. Depois dos ciclos fisicalista e cognitivistas, a CI explora conceitos pragmáticos e socioculturais, ou seja, coloca sua atenção na discussão do aspecto social da informação, afirmando-se, ainda mais, como uma ciência social aplicada, possuindo um corpo de questões transversais capazes de promover diálogo entre seus campos, inclusive estabelecer uma correspondência com o conceito de valor.

É neste último campo de discussão – em seu aspecto social – que pretendemos constituir um lugar problemático que permita entender a mudança para o ambiente digital contemporâneo da informação, em seu aspecto disruptivo, onde o valor é constantemente mencionado, e que parece, ainda, ser compreendido apenas como uma mudança tecnológica, que em nada altera o próprio ciclo de trocas simbólicas. Não se trata, então, de uma simples transição da informação para uma forma binária de representação, operada pelos computadores e universalizada pelas redes sociotécnicas, mas de uma mudança anterior, na própria constituição do conceito/operação da informação que já aconteceu – de fato, enquanto troca simbólica – e que, agora, sentimos seu curso, seus ecos e ondas de choque, nas instituições e na sociedade em geral, e que cabe à CI entender, desenvolver e operar. As questões sobre a extração do valor no conjunto de informações não estruturadas, que nos

caracteriza atualmente, e a própria natureza da informação digital se entrelaçam, como veremos, na elaboração do sentido como uma fórmula de produção artificial da escassez, dado um novo contexto contemporâneo de operações simbólicas.

Na próxima seção, apontaremos para o que consideramos fundamental na constituição do conceito de informação e de valor – e sua relação íntima com o conceito de conceito –, em sua abordagem social, quer dizer: o problema da representação e da materialidade, ou seja, localizaremos a particularidade das trocas simbólicas no ocidente, principalmente em seu aspecto universalizador e ubíquo de trocas sistêmicas e equivalentes gerais, o horizonte de fuga comum dos conceitos, na vida contemporânea.

A questão da abstração e a separação entre experiência sensível e experiência inteligível, já assimilada no início da vida ocidental, com os gregos, a partir da sua circulação social, parece ser a própria condição constitutiva do inteligível, do sentido e do valor. Examinaremos, então, essas condições, nos variados campos de soberania – da autorização à circulação social – na modernidade e na contemporaneidade. Esperamos, assim, encontrar as condições necessárias para delimitar nosso campo problemático e produzir uma aproximação de uma concepção materialista da informação e o conceito de valor.