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Apesar de a televisão no Brasil ter surgido em 1950 (TV Tupi, em São Paulo, propriedade de Assis Chateaubriand), num contexto de transição do modelo agrário-exportador dos anos 30 para o industrial, foi apenas em 1962 que foi elaborado o primeiro marco regulatório para o setor: o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT). O fato de o país ainda ser majoritariamente agrícola quando da chegada da televisão, somado à precariedade técnica e ao amadorismo das transmissões, fez com que esse meio de comunicação não se propagasse imediatamente. Por conta disso, até então, a atividade era exercida sem legislação específica, seguindo os modelos institucionais estabelecidos na década de 20 para a radiodifusão.

Diferentemente da televisão norte-americana, que teve seu desenvolvimento baseado na estrutura da indústria cinematográfica, a televisão brasileira utilizou-se inicialmente da estrutura do rádio, adotando seu formato de programação assim como seus técnicos e artistas (SIMIS, 2000). A regulação da TV no Brasil, por isso, foi inicialmente agregada à do rádio de acordo com o sistema de exploração adotado em cada região do mundo. Desde esse momento,

apesar da necessidade de se regular as telecomunicações tendo como base objetivos culturais e educacionais e valores como a diversidade, o acesso igualitário e a livre expressão, o Estado deu preferência para a exploração da atividade privada comercial (JAMBEIRO, 2008).

Em relação ao conteúdo, no caminho que levou à criação do CBT, o desenvolvimento da televisão nos anos 50 se deu apoiado na publicidade. Nesse período, a maior parte da programação era produzida por agências de publicidade ou importada de outros países, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, onde desde o início foi estabelecida uma parceria entre cinema e TV, por meio de leis que proibiram as emissoras de consumir e distribuir mais de 30% de sua própria produção. Já no Brasil, no início, as emissoras produziam ou importavam conteúdo e, a partir da década de 70, se estruturaram verticalmente, passando a produzir, distribuir, exibir e vender para o exterior seu próprio material, sem estabelecerem qualquer vínculo com o setor cinematográfico. Por conta disso, enquanto o negócio da televisão foi se consolidando em grandes corporações empresariais, o cinema vivia de altos e baixos.

Cedendo às pressões do setor privado, que criou a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) para defender seus interesses, o CBT apenas consolidou o modelo comercial privado que já funcionava na prática. A radiodifusão era um serviço público e as emissoras teriam apenas o direito de explorá-lo por meio de concessões públicas autorizadas pelo Poder Executivo por um período de quinze anos (FERNANDES, 2013). Como Bolaño e Manso contam:

Assim, ao contrário do modelo europeu, estatal ou misto, em que a empresa pública tem um papel fundamental de democratização da comunicação, servindo como parâmetro de qualidade (técnica e editorial) para o mercado, ou do modelo norte-americano, privado, mas regulamentado, que procura impedir concentrações capazes de facilitar a captura do Estado pelos grandes meios de comunicação, o Brasil implantará um sistema de capitalismo selvagem, totalmente descontrolado e fortemente impermeável às mudanças necessárias à consolidação da democracia (Bolaño e Manso, 2009, p. 89). É nesse contexto que é criada a TV Globo, em 1965, que, aproveitando-se das condições de livre mercado facilitadas pelo governo brasileiro, acabaria por se constituir na primeira rede do país, responsável por um processo vertiginoso de concentração de mercado e de expansão nacional e internacional. Para completar, a colaboração da rede com a ditadura militar no país (1964-1985) contribuiu para que esta se mantivesse no poder enquanto atendia aos interesses da emissora. Nesse período, entre outras medidas, o governo investiu na construção da infraestrutura para a disseminação da televisão no país e criou uma política de

estímulo a crédito para compra de aparelhos televisivos, ampliando o alcance da atuação da Rede Globo.

O poder político dessa emissora é reforçado ainda a partir da distribuição de retransmissoras afiliadas a políticos do governo federal (FERNANDES, 2013). Mesmo após o CBT proibir que políticos exercessem cargos de diretor ou de gerente das empresas concessionárias de rádio ou televisão, eles se utilizavam dos mais variados artifícios e obtinham o controle de emissoras por meio de parentes ou “testas de ferro” (LIMA, apud Fernandes, 2013: p. 6). Devido a esse falho sistema de concessões, até hoje os debates sobre a regulamentação da televisão acontecem entre os que defendem os interesses da sociedade e pedem a democratização (aqui, incluídos os apelos do setor cinematográfico nacional para uma maior parceria com a TV) e os deputados que têm interesses diretos no serviço de radiodifusão porque detêm o controle de emissoras. Como consequência de todos esses fatores, no caso brasileiro, o sistema privado de televisão se desenvolveu à margem do cinema e com uma forte produção audiovisual própria (JAMBEIRO, 2008).

Assim, a Rede Globo de Televisão se tornou o maior produtor audiovisual nacional e, no que se refere à exibição de filmes, sua política é a de reforço da produção norte-americana, o que exclui a produção cinematográfica nacional das telinhas. A política cinematográfica desenvolvida ao longo dos anos fracassa no objetivo de transformar os canais televisivos em produtores e exibidores parceiros da cinematografia nacional e, ao invés disso, acaba por contribuir ainda mais com essa exclusão. O fim da Embrafilme, por exemplo, em 1990, foi mais um fator que, a seu momento, contribuiu para o fortalecimento da TV Globo e da exibição da produção cinematográfica hollywoodiana no país (BOLAÑO e MANSO, 2009).

A partir de 1993, a Lei do Audiovisual (8.685/1993) cria mecanismos de fomento ao cinema por meio de incentivos fiscais, em um novo modelo de intervenção estatal em que as empresas nacionais produtoras e distribuidoras de filmes brasileiros passam a se manter quase que exclusivamente com os recursos repassados pelo governo. Mais uma vez, a corrente que defende o envolvimento das emissoras de televisão nas políticas brasileiras de cinema é derrotada já que a nova lei ignora essa questão. Em meio à retomada da produção cinematográfica nacional gerada por esse novo instrumento, as Organizações Globo criam a Globo Filmes, que atua por meio de parcerias de produção com produtores independentes e distribuidores nacionais e internacionais.

A empresa representa um ponto a favor das produções realizadas pela Rede Globo, que, a partir de então, passa a dominar mais uma janela de exibição, concorrendo agora diretamente com as produtoras brasileiras de cinema. O caminho para a integração do cinema

com a TV no campo da política para o audiovisual fica cada vez mais longe e segue um rumo contrário: em vez de o cinema associar-se às televisões como produtoras e exibidoras parceiras, vê surgir um concorrente direto e com muito mais força de mercado, já que integrante do maior conglomerado de mídia do país. Como relatam Bolaño e Manso:

Além de beneficiar-se das leis de incentivo para bancar suas produções, a Globo Filmes também é favorecida pela promoção de seus lançamentos nos veículos de comunicação das Organizações Globo por intermédio de

investimentos diretos em publicidade, além do merchandising promovido

nas novelas e outros programas da emissora. Também o seu star system

(incluindo atores, atrizes, diretores) representa uma vantagem competitiva no mercado cinematográfico. A sinergia atinge inclusive o equipamento, reduzindo os custos de produção (Bolaño e Manso, 2009, p. 92).

Com apenas dez anos de fundação, a empresa se tornou a maior coprodutora de filmes nacionais do país. Desde 1998, quando foi criada, produziu e/ou coproduziu 140 filmes, levando para as salas de exibição mais de 160 milhões de pessoas17. Em 2013, dos dez filmes brasileiros de maior público no ano, nove eram coproduções Globo Filmes, que abarcaram 70% do total de público ao cinema nacional, de 27,8 milhões de espectadores18. A sua vantagem estratégica é dada essencialmente pela capacidade que tem de explorar o processo sinérgico entre cinema e TV, com produtos que podem ser aproveitados sob a forma de filmes, séries de TV e DVD (BOLAÑO e MANSO, 2009).

Em 2000, os diversos setores da atividade cinematográfica reunidos no III Congresso Brasileiro de Cinema (CBC) apontaram a necessidade de uma política audiovisual mais consistente, não apenas restrita a investimentos ou recursos direcionados para a produção. Para isso, seria necessária a inserção do cinema dentro da indústria audiovisual já consolidada no Brasil, além de um maior apoio do Estado. Assim, o setor voltou a fazer novas propostas de políticas públicas que favorecessem a integração da TV com a produção cinematográfica nacional e independente. As reivindicações dos congressistas do III CBC afirmaram que cabia ao Estado garantir a isonomia competitiva na disputa de mercados e que a participação da televisão no processo de consolidar a indústria audiovisual brasileira era uma questão de equilíbrio para a economia do país (MARSON, 2009).

Por outro lado, o governo, também percebendo a necessidade de melhorias na política cinematográfica adotada até então, buscava um novo direcionamento para a relações com o

17 Em http://globofilmes.globo.com/quemsomos.htm, acesso em 16/03/2014.

campo cinematográfico. A Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual do Ministério da Cultura elaborou, então, um documento em que apresentava o histórico do cinema brasileiro, apresentando os problemas e apontando possíveis soluções. Esse documento indicava a ausência de uma indústria audiovisual que compreendesse o cinema, a televisão, a publicidade e a Internet como problema central da política cinematográfica do país. As propostas do governo e do campo cinematográfico se diferenciavam em um ponto que, para os cineastas, era crucial: a taxação das emissoras de televisão e das produtoras de publicidade, que permitiria ao cinema se sustentar.

Todo esse movimento levou à criação, por decreto, do Grupo Executivo de Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (Gedic), em setembro de 2000. Numa de suas propostas, o órgão pedia legislação específica para a televisão, sugerindo que as emissoras destinassem 4% do seu faturamento publicitário para a coprodução com o cinema, além de garantir a exibição de produções independentes por meio da extensão da cota de tela aos canais televisivos (MARSON, 2009). O Gedic deu origem mais tarde à Agência Nacional do Cinema (Ancine). Essas medidas, no entanto, nunca foram adotadas. A mesma lei que criou a Ancine estabeleceu o pagamento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), uma taxa cobrada sobre a publicidade e o cinema (nacional e estrangeiro) comercializados no Brasil, mas que isentou as emissoras de televisão. 3 A TV POR ASSINATURA E UM NOVO CENÁRIO PARA A INTEGRAÇÃO

O Brasil foi um dos últimos países da América Latina a ter serviços de TV por assinatura (TV a cabo, MMDS19 e direto via satélite-DHT20). Em 1989, os primeiros grupos mediáticos, os dois maiores do país, Globo e Abril, tiveram permissão do governo para operar serviços de televisão por subscrição. A regulamentação do serviço, no entanto, foi sendo postergada, sobretudo devido a distintos interesses envolvidos, que incluíam desde os do

19 Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanais - MMDS é uma modalidade de serviço especial, que se utiliza de faixa de microondas para transmitir sinais a serem recebidos em pontos determinados dentro de uma área de prestação. Anatel: http://www.anatel.gov.br/Portal/ exibirPortalPaginaEspecial.do?acao=&codItemCanal=1372&codigoVisao=$visao.codigo&nomeVisao =$visao.descricao&nomeCanal=TV%20por%20Assinatura&nomeItemCanal=MMDS&codCanal=279 20 A tecnologia DTH (Direct to Home) é uma modalidade de transmissão na qual os sinais de TV são enviados via satélite diretamente para o televisor dos clientes do serviço. Embratel: http://www.embratel.com.br/Embratel02/cda/EMBRATEL_CDA_pop_impressao/0,3004,PO_P_161_ 1616,00.html

próprio Ministério das Comunicações até os das empresas produtoras de equipamentos, além daqueles das grandes redes de televisão, principalmente a TV Globo (SIMIS, 2000).

Em decorrência da entrada no mercado de televisão por assinatura das Organizações Globo e do Grupo Abril, em 1993, a Associação Brasileira de Emissoras de Antenas Comunitárias (Abracom) deu lugar à Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), numa manobra estratégica desses mesmos grupos para deslocar os pequenos e médios empresários que tinham inicialmente entrado no negócio. Essas corporações dividiram entre si os cargos principais da diretoria e do conselho deliberativo da nova entidade.

Em 1995, então, interessada em uma nova regulamentação que abrisse o mercado para a entrada de investimentos estrangeiros, a ABTA, com o apoio da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), conseguiu levar ao Congresso Nacional um projeto de lei que foi aprovado em janeiro de 1995, convertendo-se na Lei 8.977, a Lei do Cabo (RAMOS, 1995). A medida basicamente cuidou de legislar sobre o processo de concessões públicas para exploração do serviço de TV por assinatura e suas limitações; a distribuição obrigatória de canais (canais básicos, canais destinados à prestação eventual de serviço, canais destinados à prestação permanente do serviço e canais de livre programação da operadora); e as redes de transmissão e o transporte do sinal.

No final das contas, então, os grandes empresários que controlavam a televisão tradicional no Brasil foram os que investiram na televisão por assinatura e deram, apoiados pelo governo, direcionamento à regulação adotada naquele momento, visando somente aos próprios interesses comerciais. Desse modo, assim como o que ocorreu com o marco regulatório da televisão aberta, mesmo com as possibilidades de maior pluralidade e diversificação da produção audiovisual geradas pela TV por subscrição, o Brasil seguia sem uma política que propiciasse uma integração entre o cinema e a TV.

A partir de 1993, devido aos incentivos fiscais previstos tanto na Lei Rouanet (8.313/91) quanto na Lei do Audiovisual (8.695/93), o setor cinematográfico já apontava para uma “retomada” e, ainda assim, como consequência da ausência de tal política, raros eram os canais que investiam na coprodução de obras audiovisuais brasileiras, ainda que exibissem centenas de filmes mensalmente. A maioria deles, ao contrário, não se interessa nem em comprar os direitos de exibição da produção nacional porque estão associados a empresas estrangeiras, com um enorme estoque de filmes.

Ao longo dos anos, o governo federal adotou algumas outras medidas que estimulassem as redes de televisão a apoiar a produção de obras cinematográficas nacionais. Medidas que foram pouco expressivas, entretanto. Uma delas foi o Decreto 2.206, de 1997,

que regulamentou a legislação do serviço de TV a cabo e, em um de seus artigos, obrigou as operadoras a oferecer “pelo menos um canal exclusivo de programação composta por obras cinematográficas e audiovisuais brasileiras de produção independente”. A regra estimulou que alguns cineastas, em associação com as Organizações Globo, se empenhassem em criar o Canal Brasil. Enquanto os produtores entravam com uma quantidade mínima de filmes, a Globosat entrava com os meios. O canal, no entanto, acabou se tornando atrativo de vendas para os grupos que o operavam, que passaram a oferecê-lo em pacotes mais caros (SIMIS, 2000).

Com o surgimento, ainda mais recentemente, da tecnologia digital, que propiciou o barateamento da produção e da distribuição de filmes e o aumento do número de canais na TV por assinatura, apareceu também uma outra possibilidade de, por meio de uma nova legislação, ampliar a produção nacional, abrindo espaço para produções independentes, para a diversidade local e regional e, enfim, para a democratização da cultura. Entretanto, da forma como o processo de regulação desses meios vem ocorrendo respaldado por uma política liberal, o resultado tem sido, até o momento, o aumento da concentração do setor audiovisual como um todo (BOLAÑO e MANSO, 2009).

Nesse sentido, a manutenção do discurso e da estética ocorre com a proliferação de canais gerenciados pelos mesmos grupos em diferentes meios. Por meio da Globosat, por exemplo, maior produtora de conteúdo audiovisual destinado à TV paga do Brasil, a Globo explora mais de 30 canais, sejam próprios ou em parceria, entre eles, Globonews, Viva, Sport TV, Megapix, Gloob, GNT e Multishow. O mesmo desequilíbrio do controle de espaços mediáticos na televisão aberta se reproduziu na transmissão por cabo e na implantação do sistema digital de televisão no Brasil. Em relação à regulamentação da televisão digital e dos novos canais de transmissão possibilitados por essa tecnologia, Jambeiro explica:

A escolha do modelo definiu, a rigor, as duas questões básicas: não haveria revisão dos marcos regulatórios e ficava assegurada a manutenção do negócio da TV aberta como exclusivo para as tradicionais empresas de radiodifusão. Foram ignoradas, assim, as amplas possibilidades de exploração da evidente e crescente convergência tecnológica para estimular competição entre serviços de telecomunicações e o ingresso de novos

investidores. Preferiu-se manter o status quo, preservando-se os privilégios

das cadeias nacionais de TV analógica e contendo-se o surgimento de novas emissoras e produtoras. Isto é, os espaços de onda que a tecnologia digital cria não serão disponibilizados para grupos privados e organizações sociais que queiram se habilitar para investir no setor. Ficam com os mesmos que já lá estão (Jambeiro, 2008, pg. 99).