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III PARTE

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS SUBJACENTES À

1. Considerações Iniciais

As receitas públicas mais significativas em Portugal, quer do ponto de vista qualitativo quer quantitativo, correspondem às receitas tributárias que se caraterizam por terem conteúdo patrimonial e se constituírem como receita do Estado ou de outra entidade pública477.

A definição de receitas tributárias remete-nos para a noção de tributo, o qual corresponde a qualquer receita pública que apresente as seguintes caraterísticas:

1ª Coatividade ou obrigatoriedade, por resultarem de uma imposição (obrigação) do Estado ou de outra entidade pública, alicerçada na Constituição, na Lei ou em outro ato de autoridade, aos sujeitos (singulares e coletivos) que se encontrem sob a sua autoridade. O tributo não é assim consequência de um ato voluntário dos sujeitos;

2ª Função essencialmente financeira, isto é, têm como fim principal o financiamento público (a cobertura dos encargos públicos), embora não se excluam finalidades extra financeiras (mas, sem nunca dispensar a financeira), desde que, adequadamente fundadas na Constituição ou na Lei478.

A dupla função dos tributos encontra-se refletida no art.º 5.º da LGT que, quanto aos fins da tributação, estabelece o seguinte:

“...A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de

477

SOUSA FRANCO, António – cit. 51, vol. 2, p. 58.

478 Cfr. CAMPOS, Diogo Leite; RODRIGUES, Benjamim Silva; SOUSA, Jorge Lopes de – cit. 3, pp.

68-70; LOBO, Carlos Batista – Reflexões sobre a (Necessária) Equivalência Económica das Taxas. In: VV., Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco, vol. 1, 2006, p. 422; SOUSA FRANCO, António – cit. 51, p. 59-60; VASQUES, Sérgio – cit. 227, p. 179-181.

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oportunidades e as necessárias correções das desigualdades na distribuição da rique a e do rendimento.”

Desde a revisão constitucional de 1997 que, a Constituição reconhece as três principais espécies de tributos, isto é, os impostos, nomeadamente, nos art.os 103.º, 104.º e 165.º, n.º 1, al. i), 1ª parte, e as taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, no art.º 165º, n.º 1, al. i), 2ª parte.

Também a LGT, no art.º 3, ao proceder à classificação dos tributos, vem equiparar a figura do imposto a outras espécies tributárias, como sejam as taxas e as contribuições financeiras a favor de entidades públicas. Vejamos o próprio texto legal:

“… Os tri utos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades pú licas.”479

Em termos genéricos, os tributos podem distinguir-se entre si, designadamente, pelo elemento objetivo, isto é, pelo caráter unilateral ou bilateral das prestações.

Assim, estaremos em presença de um imposto se a prestação é unilateral, ou seja, se é devida pelo contribuinte sem que antes haja lugar a qualquer prestação específica por parte da entidade pública, a exigir compensação. Daí que, o imposto corresponda a uma prestação requerida por via autoritária, mas a título definitivo, sendo o seu objetivo principal a angariação de receita.

E é neste elemento finalístico que, também, reside a sua diferenciação dos tributos de cariz comutativo. As taxas e as contribuições financeiras correspondem a prestações exigidas a título de compensação pela prestação pública realizada e que foi provocada pelo contribuinte ou da qual este foi beneficiário, mas sem que lhes seja retirada a finalidade de angariação de receita480 e, por conseguinte, se integrar o respetivo pagamento no dever geral de contribuir para as despesas públicas.

Desta forma, a diferenciação entre os impostos e os tributos comutativos reside em especial e respetivamente na não existência ou existência de reciprocidade de prestações, no

479

Desta forma, para a LGT, a par das taxas e das contribuições financeiras, o imposto constitui-se como uma subespécie do tributo. No mesmo sentido, cfr. CAMPOS, Diogo Leite, RODRIGUES, Benjamim Silva e SOUSA, Jorge Lopes de – cit. 3, p. 69.

480 LOBO, Carlos Batista – cit. 478, pp. 411 e 416-417; VASQUES, Sérgio – cit. 227, pp. 181-188; 203-

185 “vínculo sinalagmático” ou do “nexo de causalidade”481

próprio dos últimos tributos, maxime, das taxas, e que está ausente nos impostos.

Tal como os impostos, também as taxas e as contribuições financeiras correspondem a prestações caraterizadas pela coercibilidade e cuja função essencial é de natureza financeira. Contudo, a essas prestações encontra-se subjacente uma relação bilateral ou de cariz comutativo, isto é, o serem devidas como compensação por uma prestação administrativa que foi provocada ou aproveitada pelo contribuinte, residindo nessa relação de troca o pressuposto da exigência do tributo.

Assim como acontece com os impostos, a imposição destas figuras tributárias funda-se num ato de autoridade emanado da Constituição e da Lei e, deste modo, tal como aqueles, correspondem a receitas coativas e obrigatórias e, deste modo, independentes da vontade dos cidadãos e não sujeitas ao princípio da liberdade contratual482.

No entanto, se nas taxas essa relação se configura como verdadeiramente comutativa, constituindo o tributo a prestação compensatória da prestação pública que o contribuinte efetivamente provocou ou aproveitou, nas contribuições a prestação pública só presumivelmente se pode afirmar provocada pelo contribuinte ou só presumivelmente o beneficia, falando-se por isso na natureza paracomutativa destes últimos tributos483.

De um ponto de vista de pendor económico, as prestações públicas encontram-se associadas a utilidades provocadas ou conferidas aos indivíduos de uma coletividade que, na taxa, podem ser individualizadas e reportadas a um contribuinte concreto, enquanto na contribuição financeira a individualização só se torna possível e segura em termos de grupo determinado de contribuintes que, como potenciais geradores/beneficiários da prestação pública, devem contribuir para o seu financiamento, razão pela qual são entendidas como prestações de cariz coletivo484.

481 Estas são expressões comummente usadas pela doutrina fiscal e jurisprudência nacionais. 482

LOBO, Carlos Batista – cit. 478, p. 426.

483 Em VASQUES, Sérgio – O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, 2008,

pp. 346-347, o autor refere que, nesta lógica é a própria provocação ou aproveitamento da prestação que assenta em juízos de normalidade, não sendo possível imputar a prestação a cada contribuinte concreto.

484

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Desta forma, as contribuições financeiras poderão ser entendidas como se tratando de figuras tributárias de posição intermédia entre os impostos e as taxas485.

Os pressupostos destes últimos tributos, as taxas, encontram-se elencados na LGT (cfr. art.º 4.º, n.º 2) e contemplam os três casos que normalmente justificam a sua cobrança, a saber, a prestação concreta de um serviço público, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

Saldanha Sanches entendia que, aquelas situações correspondem a condições circunstanciais necessárias para estarmos em presença de taxas e aquelas que serão normalmente aceites pelos sujeitos passivos como justificação pelo seu pagamento, que o cumprem como se tratasse de um preço pela prestação pública486, facto que leva a que a legitimação da cobrança destes tributos não revele dificuldades perante os sujeitos passivos, dado que, para estes são percetíveis as vantagens da contraprestação pública487.

Contudo, Saldanha Sanches concebia o cerne do conceito de taxa na questão estrutural da sinalagmaticidade ou bilateralidade, sem a qual não se estaria perante uma taxa, e que aquela deveria ser material e não formal, isto é, deveria envolver uma prestação de facere onerosa e não ser artificialmente criada apenas para cobrança do tributo, sendo a sua utilidade identificável e individualizável, podendo por isso ser suportada pelo contribuinte e não pelas receitas gerais da entidade pública488.

Este aspeto do sinalagma, como característica rigorosamente comutativa da taxa, é tratado pela doutrina nacional, e seguida pela jurisprudência, através do conceito de

equivalência jurídica que se traduz no nexo sinalagmático que existe entre a prestação

485

CAMPOS, Diogo Leite, RODRIGUES, Benjamim Silva e SOUSA, Jorge Lopes de – cit. 3, p. 72; VASQUES, Sérgio – cit. 227, pp. 216 e 217

486 SALDANHA SANCHES, J. L. – Manual de Direito Fiscal, 2007, pp. 30-37. Contrário à

qualificação de taxa como um “preço” cfr. LOBO, Carlos Batista – cit. 478, p. 451, onde o autor identifica o tributo como “…um dos mais importantes instrumentos do Estado na angariação de recursos pú licos e na regulação eficiente dos diversos mercados.”. Com efeito, enquanto os tributos públicos se constituem como obrigações ex lege, os preços correspondem a obrigações ex voluntate. Também em VASQUES, Sérgio – cit. 227, p. 208 e SOUSA FRANCO, António – cit. 51, vol. 2, pp. 57-58, os autores se referem ao facto de que, se o nascimento da obrigação dos tributos decorre do preenchimento de pressupostos previstos na lei, cujo conteúdo e validade são independentes da vontade do sujeito passivo, já os preços constituem-se como obrigações estabelecidas por acordo entre as partes, onde impera a vontade destas, numa lógica negocial.

As situações que justificam a cobrança das taxas encontram-se igualmente contempladas no art.º 3.º da LEI n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, a qual aprovou o REGIME GERAL DAS TAXAS DAS AUTARQUIAS LOCAIS (RGTAL) que, com alterações entretanto introduzidas, se mantém em vigor. DR, 1ª Série, 4.º Suplemento. N.º 249 (2006.12.29), pp. 8626-(393)-8626(395).

487 LOBO, Carlos Batista – cit. 478, pp. 416 e 419 488

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administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo contribuinte e a obrigação tributária que a este compete.

Neste sentido, a equivalência jurídica nas taxas exige uma contrapartida (contraprestação) específica ou uma “… ilateralidade qualitativamente considerada…”489.

Mas, a noção de sinalagma não se aplica apenas à caraterização da figura das taxas, sendo também aplicada aos tributos paracomutativos, os quais representando a compensação de prestações de que o contribuinte é presumível provocador ou beneficiário assumem um cariz comutativo (de troca ou de reciprocidade de prestações), embora de modo imperfeito490.

Da equivalência jurídica distingue-se a equivalência económica, correspondendo esta à relação que se estabelece entre o montante das taxas e o custo ou valor das prestações que constituem sua contrapartida491.

O entendimento da maioria da doutrina e da nossa jurisprudência tem sido o de que a equivalência económica não é necessária à qualificação de um tributo como taxa, sendo para tanto essencial a equivalência jurídica.

No entanto, parte da doutrina considera que, ambas as conceções são relevantes, mormente, no controlo judicial, uma vez que, correspondem a uma mesma realidade, apenas se situando em planos de análise distintos. Assim, enquanto a equivalência jurídica se encontra no plano da concetualização da taxa, sendo indispensável à qualificação jurídica do tributo, a equivalência económica respeita à exigência de legitimação material do tributo, questão alheia ao conceito e que se coloca posteriormente à qualificação492.

Sem dúvida que, o nosso Estado de direito contemporâneo, para a prossecução das tarefas principais a que se encontra sujeito (cfr. art.º 9.º CRP), recorre tradicional e

489 LOBO, Carlos Batista – cit. 478, p. 426. 490

Esta é a posição de VASQUES, Sérgio – cit. 483, p. 350, onde o autor defende que, não se deverá sobrevalorizar a equivalência jurídica como conceito definidor da natureza bilateral das taxas e distintivo destes tributos, pois, apesar da taxa representar o tributo comutativo mais perfeito, as outras figuras tributárias permitem estabelecer também uma relação do tipo comutativo entre o contribuinte e a administração, falando na existência de uma escala gradativa de comutividade. Assim, “O apelo à noção da equivalência jurídica não nos deve, portanto, fazer esquecer que a delimitação entre taxas, contribuições e impostos, isto é, entre tributos comutativos, paracomutativos e unilaterais, se faz ao longo de uma escala gradativa em que os elementos do pressuposto e da finalidade dão corpo a uma relação de troca que só progressivamente vai perdendo a sua intensidade.”.

491 LOBO, Carlos Batista – cit. 478, pp. 437ss; PAZ FERREIRA - Ainda a Propósito da Distinção entre

Impostos e Taxas: O Caso da Taxa Municipal devida pela Realização de Infraestruturas Urbanísticas. (Outubro- dezembro 1995), pp. 59ss; VASQUES, Sérgio – cit. 483, p. 348-351;

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primordialmente à figura do imposto como meio de financiamento necessário à concretização das medidas que visem atingir tais fins e, nesse sentido, constitui-se como um estado fiscal493, não sendo essa aliás uma peculiaridade do estado português, bem pelo contrário, trata-se da regra comum à generalidade dos estados atuais.

Contudo, a perda sucessiva de receita proveniente dos impostos tem conduzido à proliferação das figuras de cariz comutativo nos sistemas tributários, levando a que alguma doutrina fale hoje da atual transformação desses sistemas e da transição de um Estado Fiscal para um Estado Taxador494.

Sobre esta matéria, Carlos Lobo alude ao facto de estarmos “… numa encru il ada

relativamente ao sistema clássico de financiamento do Estado...”, esse que assenta na figura

dos impostos e cuja aplicação depende, segundo aquele autor, de três fatores “genéticos” e “nucleares” que, hoje em dia, se encontram em crise, a saber, a materialidade (e hoje as realidades económicas são sobretudo imateriais), o território (que deixou de se limitar ao universo físico para integrar o ciberespaço ilimitado) e o poder político (inexecutável no espaço virtual)495.

Referindo-se essencialmente à figura das taxas, o autor justifica o recurso a esses tributos do seguinte modo:

“A tentação é demasiado forte: se o sujeito pretende uma prestação pública então terá que sustentar um encargo financeiro; não existe deslocalização possível, e, por outro lado, existe uma aparente justiça, já que quem beneficia de uma prestação sustenta o seu encargo. Fixação do contribuinte, legitimação na tributação e justiça impositiva são os motes de referência desta nova política tri utária.”496

.

A natureza coativa ou obrigatória dos tributos, conduz-nos à questão dos poderes do Estado em matéria tributária – o poder tributário que, num Estado de Direito unitário, mas descentralizado, como o nosso (cfr. art.º 6.º CRP), reside na Constituição que, expressão jurídica da vontade soberana do povo português, atribui ao legislador o poder de criar ou

493

CASALTA NABAIS, José – O Princípio do Estado Fiscal. In: Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Professor João Lumbrales, 2000, pp. 363ss;CASALTA NABAIS, José – Da Sustentabilidade do Estado Fiscal. In: Sustentabilidade Fiscal em Tempos de Crise, Coordenadores José CASALTA NABAIS e Suzana TAVARES DA SILVA, 2011, pp. 12-13; CASALTA NABAIS, José – O Dever Fundamental de Pagar Impostos – Contributo para a Compreensão Constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo, 2012, pp. 191- 221; SALDANHA SANCHES, J. L. – cit. 488, p. 22-24.

494 Cfr. VASQUES, Sérgio – cit. 483, p. 336

495 Cfr. LOBO, Carlos Batista – cit. 478, pp. 414-415. 496

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instituir impostos, mas também o poder de criação do regime geral das taxas e contribuições financeiras (cfr. art.º 165.º, n.º 1, al. i))497.

Para além do poder tributário originário Estadual, a Constituição ao impor o reconhecimento e a garantia das autonomias insular e local498, confere um poder tributário originário às regiões autónomas, a exercer nos termos da Constituição e da Lei (cfr. art.º 228.º, n.º 1, al. i) CRP) e um poder tributário não originário ou derivado às autarquias locais (cfr. fls. 238.º, n.º 4 CRP), a exercer nos termos da Lei499. Sobre o poder tributário destas últimas entidades nos iremos ainda debruçar mais adiante.

Destas breves considerações, entendemos que resulta evidente que, os tributos correspondem a uma ablação da riqueza dos cidadãos, de cariz impositivo500 e, como tal, a proteção destes perante a (crescente) intromissão tributária, exige que o poder tributário se fundamente nos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade, ínsitos ao princípio do Estado de Direito.

Neste sentido, recorrendo de novo às normas prescritas pela LGT, o n.º 2 do art.º 5.º, determina o seguinte: “… A tri utação respeita os princípios da generalidade, da igualdade,

da legalidade e da justiça material.”.

Os princípios constitucionais constituem-se não só como pressuposto legitimador do poder de criar e disciplinar os impostos, bem como de criar o regime geral dos outros tributos, mas também como limites jurídicos, formais e materiais, desse poder tributário501, cujo incumprimento conduzirá à invalidade das suas leis.

Respeitando a tributação do património a uma parte da tributação geral do nosso ordenamento fiscal, escusado será dizer que, esse subsistema encontra os seus fundamentos e limites nos princípios gerais constitucionais que informam o sistema tributário geral, pelo que, as considerações que se procurarão evidenciar a seguir, embora respeitem ao todo do sistema, serão válidas para as suas componentes, maxime o património.

497 Referimo-nos aqui ao poder tributário em sentido estrito ou técnico, tal como definido por Casalta

Nabais“… como o conjunto de poderes necessários à instituição e disciplina essencial dos impostos.”, ao qual associámos o poder de criar o regime geral das taxas e contribuições financeiras. Não incluímos assim o poder de exigência dos impostos associado à implementação e execução das leis fiscais (cfr. CASALTA NABAIS, José - cit. 495, pp. 269-312).

498

GOMES CANOTILHO, J. J. e MOREIRA, Vital – cit. 251, pp. 231-236.

499 CASALTA NABAIS, José - cit. 493, pp. 290-300.

500 CAMPOS, Diogo Leite, RODRIGUES, Benjamim Silva e SOUSA, Jorge Lopes de – cit. 3, p. 69. 501 Neste sentido, no domínio dos impostos, CASALTA NABAIS, José - cit. 493, p. 301; LOBO, Carlos

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