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Constituição como a barreira intransponível do legislador

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 40-43)

“Não existe, a nosso ver, o ‘fim da história’ quanto à idéia do constitucionalismo. De uma coisa, porém, estamos certos: a maior parte das nervuras dogmáticas deste direito pertence a um mundo que já não é o nosso. Procuremos, por isso, o novo mundo.”

129 KELSEN, Hans.

Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.150. No mesmo

sentido, ressalta PALOMBELLA que “a supremacia da legalidade, tipicamente continental, que, seguindo moldes positivistas, se tornara independente de conteúdos, reduz-se drasticamente, também graças à ascensão do direito constitucional, ao predomínio definitivamente concedido, no sistema das fontes, a Constituições cujas disposições de princípio, cujas declarações dos direitos subjetivos, civis, políticos, sociais são cada vez mais entendidas como normativas, imediatamente vinculantes e não necessariamente dependentes de alguma concretização legislativa” (cf. PALOMBELLA, Gianluigi. Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes: 2005, p. 342-3)

130 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Contributo para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas, Coimbra, Coimbra (Editora), 2001, p. 63

CANOTILHO(131)

“A Constituição torna nossa moral política convencional relevante para a questão da validade. Qualquer lei que pareça comprometer essa moral levanta questões constitucionais, e se esse comprometimento for grave, as dúvidas constitucionais tambér serão graves.”

RONALD DWORKIN (132)

FERRAJOLI fala em duas revoluções ocorridas na natureza do Direito e que implicaram em alterações internas do paradigma positivista clássico. A primeira revolução deu-se com a proclamação do princípio da mera legalidade (ou da legalidade formal) afirmando-se a onipotência do legislador. A segunda revolução, identificada no movimento do constitucionalismo, implicou na positivação dos direitos fundamentais que limitaram e vincularam substancialmente a legislação positiva, assomando-se, assim, do princípio da estrita legalidade (ou da legalidade substancial). Doravante, existirá uma submissão não apenas a vínculos formais, mas verdadeiramente substanciais impostos pelos princípios e direitos plasmados nas cartas constitucionais. (133)

A passagem de uma jurisprudência “de interesses” para uma “de valoração”, segundo KARL LARENZ, “só cobra, porém, o seu pleno sentido quando conexionada na maior parte dos autores com o reconhecimento de valores ou critérios de valoração ‘supralegais’ ou ‘pré-positivos’ que subjazem às normas legais e para cuja interpretação e complementação é legítimo lançar mão, pelo menos sob determinadas condições”. (134)

Modernamente, num conceito liberal de Estado, para desenvolvimento da democracia e dos direitos humanos, o Direito deve ser visto como essencial não apenas à auto-organização do Estado, mas sobretudo como instrumento básico e indispensável para a limitação do poder dos organismos estatais.(135)

131 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Brancosos e Interconstitucionalidade, Itinerários dos Discursos

sobre a Historicidade Constitucional. Coimbra: Almedina, 2006, p. 36

132 DWORKIN, Ronald.

Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 318 133

FERRAJOLI, Luigi, Los Fundamentos de los Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2005, p. 53 134 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1983, p. 143 135 GARCIA, Manoel Calvo. Teoría del Derecho. Madrid: Tecnos, 2000, p. 63

Há, todavia, os que, ainda deslumbrados com o Iluminismo, olvidam que a realidade sucedânea demonstrou que a lei, incólume à segunda revolução de que fala FERRAJOLI, serviu, de solito, não à sujeição do soberano a limites positivados antes inexistentes, mas sim, com muito mais propriedade, prestou-se como eficaz instrumento para submissão absoluta dos súditos ao Estado (conquanto agora fosse a soberania impessoal). Como magistralmente sintetiza MARCELO NEVES, “no Estado Democrático de Direito a soberania do povo funda-se na soberania do Estado, enquanto a soberania do Estado, por seu turno, na soberania do povo”. (136)

Para NUVOLONE, as normas e princípios constitucionais é que constituem o parâmetro de legitimidade das leis penais ordinárias (137) . Também para CANOTILHO é a Constituição que deve “fornecer arrimos jurídico-dogmáticos a uma fundamentação dos limites materiais-constitucionais vinculativos do legislador”, devendo das normas constitucionais ser extraídas as “determinantes positivas da actividade legislativa”. (138)

Segundo FERRAJOLI, é o desenvolvimento da idéia de rigidez e superioridade constitucionais, no decorrer do século XX, que faz desabar o postulado juspositivista (e, ao mesmo, “democrático”) da onipotência do legislador e da soberania do parlamento, pois “com a subordinação do próprio poder legislativo de maioria à lei constitucional e aos direitos fundamentais nela estabelecidos, o modelo do estado de direito aperfeiçoa-se e completa-se no modelo do estado constitucional de direito, e a soberania interna como ‘potestas absoluta’ (poder absoluto), já não existindo nenhum poder absoluto, mas sendo todos os poderes subordinados ao direito, se dissolve definitivamente”. (139)

Se no dizer de CANOTILHO, “a força normativa da Constituição traduz-se na vinculação, como direito superior, de todos os órgãos e titulares dos poderes

136 NEVES, Marcelo.

Entre Têmis e Leviatã: uma Relação Difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.

166

137 NUVOLONE, Pietro, Il Sistema Del Diritto Penale, p. 51 138

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Brancosos e Interconstitucionalidade, Itinerários dos Discursos

sobre a Historicidade Constitucional. Coimbra: Almedina, 2006, p.32 139 FERRAJOLI, Luigi.

públicos” (140), tem-se, na esfera penal, que não apenas as agências judiciais e ministeriais, mas também as de segurança, detêm deveres na exata aplicação da norma penal, sempre vasculhando a seara constitucional onde, potencialmente, serão encontrados elementos negativos daquilo que, numa análise mais apressada, aparentaria um crime.

A teoria dos elementos negativos do tipo abre, portanto, o canal de normatividade negativa do tipo penal para aporte, diretamente, do texto positivo maior, de fatos operativos jurídicos excludentes da ilicitude. Nesse sentido, “Constituição”, sob o superado e estreito conceito meramente formal, pouco ou nenhum contributo científico pode carrear a reflexões teleologicamente normativas amplas. Há que se empreender o difícil delineamento de uma Constituição em sentido material para, aquém de suas linhas limitadoras, então, intentar a correta (e única admitida) intelecção do conteúdo da norma penal.

Por esse prisma, “a hierarquia normativa já implica, necessariamente, uma hierarquia axiológica. A estrutura normativa não pode ser puramente formal. Deve ser uma justa estrutura reveladora da ordem da convivência humana”. (141) Não por outro motivo, ensaia-se hoje na doutrina alemã uma teoria das causas constitucionais de exclusão do tipo, do injusto e da punibilidade. (142)

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 40-43)