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Verdade no discurso normativo?

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 145-148)

Em Lógica trabalha-se com a verdade: “dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é falso, enquanto que dizer do que é que é, ou do que não é que não é, é verdadeiro”, o que equivale a dizer que “a verdade de uma sentença consiste em seu acordo (ou correspondência com a realidade)” (500). Igualmente, para a Lógica Crítica de PIERCE, está correto que “toda asserção ou é verdadeira ou é falsa, e não ambas, e que algumas proposições podem ser reconhecidas como verdadeiras”. (501)

Não pode a Lógica nada dizer da verdade sobre eventual equívoco do conteúdo proposicional da norma, isto é, do acerto ou desacerto da proibição ou permissão para matar (502). A verdade lógico-formal – i.e., a concordância de um conhecimento com as leis gerais e formais do entendimento e da razão – apenas afirma que um enunciado corresponde aos princípios da Lógica e, para isso, necessita pressupor a verdade material – ou seja, a correspondência do enunciado ao seu objeto ou à realidade – que não é decidida pela Lógica. Dizendo de forma sintética, não pode a Lógica prestar-se à descoberta do equívoco que diz respeito não à forma, mas sim ao conteúdo.

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BORGES NETO, José in MÜLLER, Ana Lúcia et all (orgs.) Semântica Formal. São Paulo: Contexto, 2003, p. 17. Resume esse autor como deve se processar o raciocínio: “(i) assume-se que estamos diante de duas linguagens (uma linguagem-objeto e uma metalinguagem); (ii) assume-se que ‘p’ nos dá o conjunto de condições necessárias e suficientes para a determinação da verdade de X; (iii) identificam-se as condições de verdade de uma sentença X com o seu significado.” (idem, ibidem, p. 16)

500 BORGES NETO, José in MÜLLER, Ana Lúcia et all (orgs.) Semântica Formal. São Paulo: Contexto,

2003, p. 14

501 HAAS, Willian Paul.

The Conception of Law and the Unity of Peirce’s Philosophy. Fribourg

(Switzerland): University of Notre Dame, 1964, p. 69: “every assertion is either true or false, and not both, and that some propositions may be recognized as true”. (tradução livre do autor)

502 Note-se: “certamente não podemos descobrir coisas a respeito do mundo pela análise lingüística ou

lógica. Mas é claro que tais análises nos ensinariam somente as formas possíveis dos fatos, não os fatos reais. Poderíamos aprender que se ‘F’ é um fato, ele tem tal e tal forma, mas não que ‘F’ seja um fato.” (cf. HACKING, Ian. Por que a Linguagem Interessa à Filosofia? Tradução Maria Elisa Marchini Sayeg. São Paulo: UNESP, 1999, p. 89). A linguagem da Lógica proposicional tem poder expressivo limitado, exprimindo, pelo enunciado, somente as conexões entre as letras proposicionais que, por sua vez, denotam fatos do mundo real. (cf. AIELLO, Luigia Carlucci; PIRRI, Fiora. Strutture Logica Linguaggi. Milano: Pearson, 2005, p. 162)

Embora se afirme que a Lógica não pode responsabilizar-se pelo conteúdo de qualquer decisão jurídica, deve ela ser tida como valioso instrumento, ainda que não suficiente, para o controle e justificação de tais decisões. (503) Por isso a crença na verdade de uma proposição deve vir sempre justificada e jamais pode ser sua própria justificação. (504)

Em harmonia com a proposta pragmático-discursiva aqui abraçada, buscamos as condições de verdade a partir do consenso racional habermasiano, o qual permite atribuir aos juízos de valor uma objetividade “sui generis”. Com isso afirma-se que a verdade não é tanto um fato ontológico, mas uma questão relativa aos critérios admitidos para construí-la corretamente. (505)

Em HABERMAS parece, ainda, que a verdade de um enunciado somente pode ser garantida por sua coerência com outros enunciados já aceitos. Segundo ele, “a ‘verdade’ das orações descritivas significa que os estados de coisas enunciados ‘existem’, enquanto que a ‘correção’ das orações normativas reflete a obrigatoriedade de modos de atuar, devidos (ou proibidos) (506). O assentimento de todos é a condição para a verdade, equiparando-se proposições normativas e não- normativas quanto à capacidade de verdade. Tem-se a vantagem de identificar a verdade e a correção como pretensões de validade, susceptíveis de desempenho discursivo. Afirmar que uma proposição é verdadeira significa manter que sua validade está justificada. O consenso aqui referido não há de ser qualquer consenso, mas sim aquele fundado, daí sendo preferível em designar essa teoria como “teoria discursiva da verdade” (507)

503

FARALLI, Carla. La Filosofia del Diritto Contemporanea. Roma: Laterza, 2003, p. 70

504

ROSS, Alf. Direito e Justiça. Bauru, SP: Edipro: Edipro, 2000, p. 305

505 PALOMBELLA, Gianluigi. Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes: 2005, p. 358 506 HABERMAS, Jürgen. Verdad y Justificación. Madrid: Trotta, 2002, p. 47 e 263

507 FIGUEROA, Alfonso García. Princípios y Positivismo Jurídico...Madrid: Centro de Estudios Políticos

e Constitucionales, 1998, p. 333. Segundo HABERMAS, a legitimação do ordenamento político de um Estado constitucional democrático “se constitui em formas do Direito, ordenamentos políticos nutrem-se do pleito de legitimidade jurídica. É que o Direito não somente exige aceitação; não apenas solicita dos seus endereçados reconhecimento de fato, mas também pleiteia merecer reconhecimento. Para a legitimação de um ordenamento estatal, constituído na forma da lei, requerem-se, por isso, todas as fundamentações e construções públicas que resgatarão esse pleito como digno de ser reconhecido”. (cf. HABERMAS, Jürgens. Sobre a Legitimação pelos

Por essa via torna-se possível uma conexão entre os conceitos de adequação e de verdade. No entanto, consoante atrás ressaltado, e como também adverte ALEXY, não é o consenso que fundamenta a adequação ou a verdade, mas sim a condução do procedimento de acordo com as regras discursivas. Os fundamentos das proposições substanciais serão revelados no processo de investigação discursiva. (508)

Defendendo a idéia do Direito como integridade, DWORKIN – para alguns um jusnaturalista não declarado – escreveu que “as proposições jurídicas são verdadeiras se constam, ou derivam, dos princípios de justiça, eqüidade e devido processo legal que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídica

da comunidade” (g.n.) (509

). Penso identificar-se nesse conceito de DWORKIN uma concepção jusnatural porque, consoante lição de BOBBIO, para os jusnaturalistas o direito constitui um sistema unitário, “porque todas suas normas podem ser deduzidas por um procedimento lógico uma da outra até que se chegue a uma norma totalmente geral, que é a base de todo o sistema e que constitui um

postulado moral autoevidente” (510

) mutável ao longo da história do jusnaturalismo.

Se esse postulado moral autoevidente pode ser substituído, hoje, por uma concepção de justiça, então retorna-se à importância do discurso como possibilitador do consenso racional. Invocando HUME (511), pode-se, ainda, afirmar que as regras da justiça embora artificiais – i.e., não fundadas na razão ou nas relações de idéias eternas e universais – não são arbitrárias, motivo por que o senso do justo há de surgir das convenções humanas, como expressão mútua dos membros da sociedade que, por elas, regram suas condutas.

508 ALEXY, Robert.

Problemas da Teoria do Discurso. In Anuário do Mestrado em Direito, n. 5. Recife

(PE): Universidade Federal de Pernambuco, 1992, p. 97-9. Também em KLAUS GÜNTHER, “os discursos são especializados em fundamentar pretensões de validade. Servem para resgatar, por meio de argumentos, a pretensão de veracidade, que se combina com o sentido ilocucionário de cada afirmativa, e a pretensão de correção, que se combina com o sentido ilocucionário de cada juízo normativo. Quem admitir argumentações, exigindo razões para reconhecer uma pretensão de validade, estará simultaneamente admitindo pressuposições argumentativas, nas quais um exame discursivo é possível”. (cf. GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no

Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. São Paulo: Landy, 2004, p. 76)

509 DWORKIN, Ronald.

O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 272 510 BOBBIO, Norberto.

O Positivismo Jurídico, Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995,

p.199 511

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 145-148)