• Nenhum resultado encontrado

Incursão no tipo penal lógico-matemático

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 172-179)

15. A prova deôntica da Teoria dos Elementos Negativoss

15.5. Incursão no tipo penal lógico-matemático

Esse modelo teórico-metodológico, desenvolvido no México, no final da década de 1960, baseado em postulados finalistas, sugere a introdução de um modelo de análise dos tipos penais, redimensionando os pressupostos e elementos

575 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.

45

576 RAMÍREZ, Juan J. Bustos; MALARÉE, Hernán Hormazábal. Lecciones de Derecho Penal. Vol. I.

Madrid: 1997, p. 41

577 ROBLES, Gregório,

O Direito como Texto, Quatro Estudos de Teoria Comunicacional do Direito,

p.31

578 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.

fundamentais do tipo penal, precisando seu conteúdo e indicando sua ordenação sistemática. (579) Os principais exponentes (senão únicos representantes) dessa teoria são os doutrinadores mexicanos ELPÍDIO RAMIREZ, OLGA ISLAS e ALFONSO ESCOBEDO, os quais se valeram dos estudos lógico-matemáticos de LIAN KARP e EDUARDO TERÁN (580) para apresentar uma estrutura lógica do Direito Penal com o emprego da lógica matemática, especificamente do cáculo funcional, da lógica formal e da teoria dos modelos em cibernética. (581)

A teoria lógico-matemática considera conveniente a distinção entre o crime e o tipo penal propriamente dito, assentando que o tipo ocorre na lei penal, ao passo que o delito é encontrado no mundo material, vale dizer, na realidade. Por conseguinte, os pressupostos e elementos, de um e de outro, mesmo se coincidentes, reportam-se a circunstâncias relativamente distintas: o tipo à descrição contida em algum ordenamento legal, ao passo que o delito às circunstâncias fáticas verificadas no instante da prática do delito. (582)

Historia ESCOBEDO TORRES, que essa investigação fundou-se na estimativa de uma aplicação benéfica da lógica matemática e dos computadores, em matéria jurídico-penal. Segundo ele, a premissa seria a “anarquia doutrinal” em matéria penal e, por conseguinte, a necessidade de orientar a disciplina rumo a uma dimensão rigorosamente científica. (583)

As principais aportações dessa teoria podem ser assim resumidas: (584) a) o tipo tem papel preferente e fundamental na teoria do delito; b) os elementos do crime agrupam-se em dois subconjuntos: os pressupostos do crime (no primeiro) e

579

VILLANUEVA, Raúl Plascencia. Teoria del Delito. México (DF): UNAM, 2000, p. 42

580 FALCÓN, Fernando Enedino González. Teoria do Delito, disponível em

http://www.universidadabierta.edu.mx, acesso em 01-09-2003

581 TORRES, Alfonso Escobedo. Entrevista in Revista 8, Octubre-Diciembre 1991, disponível em

http://www.ciu.reduaz.mx, acessado em 01-09-2003

582 VILLANUEVA, Raúl Plascencia. Teoria del Delito. México (DF): UNAM, 2000, p. 32

583 TORRES, Alfonso Escobedo. Entrevista in Revista 8, Octubre-Diciembre 1991, disponível em

http://www.ciu.reduaz.mx, acessado em 01-09-2003

584 FALCÓN, Fernando Enedino González. Teoria do Delito. Disponível em

os elementos típicos constitutivos do ilícito (no segundo); c) a norma de cultura (585) reconhecida pelo legislador é incorporada ao tipo como um de seus elementos; d) sede da imputabilidade no âmbito do sujeito ativo, o qual tem uma capacidade genérica para o delito (a qual adquire relevância frente à ocorrência concreta); e) a colocação em perigo ou a lesão do bem jurídico é um elemento típico; f) o tipo congloba a antijuridicidade (concebida dentro de um juízo valorativo em que se viola a norma de cultura reconhecida pelo legislador); g) sob o nome “kernel” (núcleo) identifica-se, como um dos elementos do crime, a conduta humana, qual no tipo descrita; h) apresentam-se elementos normativos e subjetivos, eliminando-se a expressão “elementos objetivos do delito”.

Segundo OLGA ISLAS, funcionalmente o tipo legal consiste de uma figura elaborada pelo legislador, descritiva de uma classe de eventos antisociais, dotada de um conteúdo necessário e suficiente para a garantia de um ou mais bens jurídicos. Tal conteúdo seria redutível, por meio de análise, a unidade “lógico- jurídicas” denominadas elementos. Assim, estruturalmente, um tipo penal é definido por essa postura teórica a partir dos seguintes elementos: (586)

I) Dever jurídico penal

Elemento:

N = deve jurídico legal II) Bem jurídico

Elemento:

B = bem jurídico III) Sujeito ativo

Elemento: A = sujeito ativo A1= voluntariedade A2=imputabilidade 585

Deve-se a ERNESTO MAYER a teorização das normas de cultura reconhecidas pelo Estado como meio de se lograr uma solução entre a dicotomia antijuridicidade formal e material (cf. DEVESA, José Maria Rodriguez; GOMEZ, Alfonso Serrano. Derecho Penal Español.Parte General. Madrid: Dykinson, Madrid, 1994, p. 423). Normas de cultura seriam aqueles mandatos e proibições pelos quais uma sociedade exige um comportamento em harmonia com seus interesses. A norma de cultura seria o material a partir do qual o legislador elaborará a norma penal, expressando aquela nos tipos legais (cf. MAURACH, Reinhart. Derecho

Penal. Parte General. Buenos Aires: Astrea, 1994, p. 342). Não é admissível, para MEZGER, que se dê

preferência à “norma de cultura” em preterição à “norma jurídica” (MEZGER, Edmundo. Tratado de Derecho

Penal. Tomo I. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1946, p. 391).

586 MARISCAL, Olga Islãs de González. Análisis Lógico de los Delitos Contra la Vida. México: Trillas,

A3=qualidade de garante A4=qualidade específica A5=pluralidde específica IV) Sujeito passivo

Elementos: P = sujeito passivo P1= qualidade específica P2= pluralidade específica V) Elemento material Elemento: M= objeto material VI) Kernel Elementos: J1= vontade dolosa J2=vontade culposa I1=atividade I2=inatividade R=resultado material E=meios G=referências temporais S=referências espaciais F=referências de ocasião

VII) Lesão ou colocação em perigo do bem jurídico W1=lesão ao bem jurídico

W2=colocação em perigo do bem jurídico VIII) Violação do dever jurídico penal V=violação do dever jurídico penal

Em atenção ao anterior, a estrutura geral dos tipos penais (587) seria:

T = [(NB(A1+A2+A3+A4+A5) (P1+P2) M ] [ (J1+J2) (I1+I2) R (E+G+S+F)] [W1≠W2)V]X1

Como dito, o elemento inédito introduzido por essa proposta teorética é o “kernel”, como “subconjunto de elementos do tipo necessários para produzir a lesão ou colocação em perigo do bem jurídico”. Para OLGA ISLAS, o “kernel” é o

587 Uma outra cadeia categorial disposta vem dada, em formato reduzido, por LOZANO, através da

seguinte fórmula: Ac + T + An + C + P = D (onde Ac=ação; T=tipicidade; An=antijuridicidade;

C=culpabilidade; P=punibilidade; D=delito). Veja-se: LOZANO, Carlos Blanco. Derecho Penal, Parte General. Madrid: Laley, 2003, p. 716-7

subconjunto nuclear do tipo e, no nível fático, a base para a construção do edifício do delito. Além disso, é o “kernel” o meio que conduz à lesão do bem jurídico e, por tal motivo, vai integrar-se àqueles elementos indispensáveis à sua produção. (588)

588 MARISCAL, Olga Islas de González. Análisis Lógico de los Delitos Contra la Vida. México: Trillas,

III – ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO PENAL: INJUSTO COMO UNIDADE

“La doctrina de los elementos negativos del tipo penal es considerada, hoy en día, como fracassada.”

HANS HIRSCH (589)

“La dogmatica finalistica si iconfigura come una rivoluzione annunciata e fallita.” GIORGIO LICCI0(590)

“Pero pese a que la teoría finalista fracasó en sus fundamentos y razones, el sistema de la teoría del delito que fundó es el que hoy en definitiva se halla vigente” MARIANA SACHER (591)

1. Edmund Mezger e o Direito Penal dos novos tempos

As linhas que se seguem vão, declarada e substancialmente, calcadas sobre a teoria dos elementos negativos do tipo penal (“Die Lehre von den negativen

Tatbestandsmerkmalen”) desenvolvida por EDMUND MEZGER (592

), o que não

589

Essa frase foi aposta por HIRSCH por ocasião da recente (e tardia) tradução de sua obra, há mais de cinqüenta anos escrita (HIRSCH, Hans Joachim. Derecho Penal. Obras Completas. Tomo IV. La Doctrina de los

Elementos Negativos del Tipo Penal...Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2005, p. 433). Hemos de discordar

inteiramente do mais notável discípulo de WELZEL. Justificamos a divergência. ROXIN escreveu que “é através das causas de justificação que a dinâmica das modificações sociais adentra na teoria do delito” (ROXIN, Klaus. Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 48). Não se pode negar que é na TENT que as causas de justificação encontram sua relevância maior na teoria do delito, a ponto de encontrarem sede dentro do tipo (como elementos negativos equipotentes aos positivos ali preexistentes). Se, com ROXIN, os elementos negativos do tipo é que constituem a interface da teoria do delito com a historicidade, não cremos correto decretar-se, liminarmente, o fracasso liminar dessa concepção doutrinária sem, antes, examinar as amplas possibilidades de emprego sistemático de seus elementos conceituais na movimentação das exigências éticas para o interior do tipo (pela via do contratipo).

590 LICCI, Giorgio. Modelli nel Diritto Penale: Filogenesi del Linguaggio Penalistico. Torino: Giappichelli,

2006, p. 214)

591 SACHER, Mariana.

Rasgos Normativos en la Teoria de La Adecuación de Welzel? . In CEREZO MIR,

José; DONNA, Edgardo Alberto; HIRSCH, Hans Joachim (orgs.). Hans Welzel en el Pensamiento Penal de La

Modernidade.Homenaje en el Centenário del Nacimiento de Hans Welzel. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, s/d,

p. 574

592 Passa-se, aqui, ao largo da agitação contemporânea nos círculos acadêmicos europeus, fomentada pela

divulgação de pretensos laços de colaboração intelectual de EDMUNDO MEZGER — discípulo e sucessor de ERNST BELING na Universidade de Munique — com o regime nacional-socialista alemão, época em que se projetou como um dos mais influentes penalistas germânicos. Leia-se, a respeito, o resultado da pesquisa e da crítica de CONDE, Francisco Muñoz: Edmundo Mezger e o Direito Penal de seu Tempo, Estudos sobre o

Direito Penal no Nacional-Socialismo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, passim. Nota-se certa carga de

subjetivismo de MUÑOZ CONDE na análise do material que sobre MEZGER coletou, embora advirta ele que sua motivação é de cunho ético, isto é, consiste em indagar o que deve ser um Professor de Direito Penal e ensinante dessa matéria aos futuros juristas (cf. CONDE, Francisco Muñoz. Las Visitas de Edmund Mezger al

acarreta um dever de fidelidade absoluta ou de filiação incondicional aos postulados desse autor na construção desse valioso modelo teorético. Pode-se dizer, porém, que a idéia básica mezgeriana subsiste, aqui, numa preservação revigorada. Pretende-se, com isso, demonstrar a atualidade e utilidade da Teoria dos Elementos Negativos e, além, a possível adequação científica desse modelo a partir das ferramentas conceituais que ele próprio disponibiliza, as quais são aqui, talvez, manejadas em modo não projetado pelo autor originário. Não nos lançamos, por conseguinte, a uma proposta de reinvenção, senão de redimensão crítica da primitiva criação.

Primeiro há que se advertir que o delito deve ser encarado como um todo incindível, sendo seu estudo analítico uma imposição metódica. Ontologicamente, trabalha-se com um objeto cultural, constituído por elementos igualmente culturais, os quais guardam, entre si e com o todo, a relação própria dos objetos dessa natureza. (593)

Segundo ONECA (594), a divisão de um todo em partes é um artifício e depende da direção dada ao corte: horizontal ou vertical. Num corte horizontal do delito, separa-se de um lado um fato e, de outro, a valoração desse fato pela ordem jurídica que o aprecia em conjunto. No caso de ser vertical esse corte, ter-se-á a decomposição do fato em ação externa (elemento material, indicado pela

segundo MUÑOZ CONDE, o pensamento de MEZGER, por aquela época, chegou mesmo a influenciar decisivamente a doutrina penal italiana (cf. CONDE, Francisco Muñoz. Comentário a “La Riforma Penale

Nazional-Socialista”, de Filippo Grispigni y Edmund Mezger”. Nueva Doctrina Penal. Buenos Aires, n. A, p.

303-315, 2003). Analisando esses escritos, entendeu ZAFFARONI que o importante não é formular um juízo ético de MEZGER, mas averiguar se ele compartilhava com o controle social punitivo do nazismo e, assim, incorporava tais racionalizações à sua sistemática. ( cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Sobre Edmund Mezger y el

Derecho Penal de su Tiempo, de Francisco Muñoz Conde. In Revista de Derecho Penal. Montevideo, n. 14, p.

479-487, jun. 2004). Oportuno que se ressalte – embora talvez não necessário – que as idéias mezgerianas nesta tese amplamente adotadas foram desenvolvidas por esse autor, sobretudo em seu notável Tratado de Direito Penal, antes do advento ao poder de Adolf Hitler, como, de resto, reconhece o próprio crítico penalista espanhol. (v. CONDE, Francisco Muñoz. La Otra Cara de Edmund Mezger: su Participación en el Proyeto de la Ley

sobre Gemeinschaftfremde (1940-1944). Alter. Revista Internacional de Teoría, Filosofia y Sociología del

Derecho. Coyoacán, n.1, p. 197-219, jan. 2006)

593

BALESTRA, Carlos Fontán. Tratado de Derecho Penal. Tomo I, Parte General. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1966, p. 335. Esse mesmo autor cita, ainda, decisão judicial em que se afirma: “O método analítico em suma é técnica, arte ou ferramenta de trabalho, para uma melhor compreensão de cada um dos elementos integrantes ou componentes do todo, mas não implica em desvincular totalmente um elemento de outro ou renegar da síntese final que é co-natural a toda conclusão científica”. (Câmara de Apelaciones de Mar del Plata, Justicia Bonaerense, 23-06-1963, idem, ibidem)

antijuridicidade) e ação interna (elemento moral, formando a culpabilidade), cada qual envolto em sua valoração.

Na analítica jurídica, como método, tem-se o recurso da diferenciação, o qual “consiste numa ruptura, que visa dissociar elementos que se admitem como formando um todo ou, pelo menos, um conjunto solidário” (595). Os elementos negativos é que propiciam a diferenciação no âmbito do injusto, ao dele excluir as condutas autorizadas, permitidas ou obrigatórias, como adiante se demonstrará.

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 172-179)