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Princípio da legalidade

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 180-183)

O princípio da legalidade, entronizado no artigo 5º, incisos II e XXXIX, da Constituição da República, alçado, assim, à condição de garantia individual inderrogável do cidadão, tem seu berço na filosofia iluminista, embora alguns apontem uma sua origem mais remota no Direito romano e canônico. Outros, ainda, remetem a gênese do princípio à Magna Charta Libertatum (597), do Rei João Sem Terra (1215, Inglaterra) ou à Charta Magna Leonesa, de Dom Alfonso (1188, Leão e Galícia, Espanha).

Não se discrepa, todavia, ao afirmar que no século XVIII, por inspiração na teoria contratualista de Rousseau, de divisão de poderes de Montesquieu e humanista de Beccaria, dito princípio espraiou-se pela legislação de vários países. No século seguinte assiste-se à sua incorporação em quase todos os códigos penais europeus, ocorrendo sua negação pontual apenas no princípio do século XX em dois diplomas postos por regimes políticos totalitários: Alemanha e Rússia.

Não restaram imunes à onda positivadora sequer os países de tradição da Commom Law. Não obstante a resistência, na Inglaterra, hoje, a maioria dos crimes possui previsão em lei escrita, sendo que boa parte deles já merecia, antes de convertidos em “estatutos”, o tratamento de ilícito sob a égide da “commom law”.

597 O real sentido da disposição de seu artigo 39, “nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terrae” (não há pena contra os livres), deu origem a disputas doutrinárias, embora não se conteste que esse

enunciado gerou o princípio “nullum crimen, nulla poena sine lege”, incorporado às constituições estadounidenses e à Declaração dos Direitos do Homem da revolução francesa (cf. MEZGER, Edmund. Derecho Penal. Livro de Estudio. Tomo I. Parte General. Buenos Aires: El Foro, s/d, p. 63).

(598) Nesse país a criação jurisprudencial de delitos foi progressivamente restringida, até a supressão total em 1972 (599) e, nos dias correntes, acena-se com a possibilidade de uma Constituição escrita (600).

Freqüentemente a doutrina aponta, com razão, certos efeitos indesejados de uma adoção irrestrita ao legalismo penal: insatisfatória individualização da pena, impossibilidade de previsão de todas as situações delitivas, abstração e imprecisão dos dizeres da lei, atividade jurisprudencial concorrente de positivação do Direito.

Há, ainda, os que apontam uma “fraude à legalidade constitucional, expressa pela não tipificação, ou tipificação deficiente ou insatisfatória, de fatos naturalmente lesivos aos valores constitucionais, hierarquicamente protegidos pela Lei Magna”. (601)

Verdade é que o princípio possui um duplo significado: político e científico. Pelo primeiro consagra-se o “ius certum”, a segurança do Direito Penal; a partir do segundo desenvolve-se uma série de princípios científicos formulados pela doutrina. (602) Não se pode negar que o princípio da legalidade é uma das maneiras de cumprimento dos compromissos do Estado de Direito, como fórmula que se orienta à limitação do poder. (603)

Com efeito, a adoção do princípio “nullum crimen, nulla poena sine lege” reclama, como conseqüência direta aplicativa, a existência de uma lei em sentido estrito (lex scripta), anterior ao fato incriminado (lex praevia), contendo a descrição eficiente da conduta que se quer proibir (lex certa). Como conseqüência, entende- se, majoritariamente, que somente a intelecção da lei como fonte formal única e

598 JONES, Philip Asterley; CARD, Richard. Introduction to Criminal Law. London: Butters Worths,

1976, p. 13

599 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral. São Paulo: RT, 1999, p.153

600 “Chancellor will consider written constituion. Promise of a new government.” Jornal “The Guardian”,

12-05-2007, p. 1 e 4-7

601 CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação Constitucional do Direito Penal. Porto

Alegre: SAFe, 1992, p. 55

602

CUEVA, Lorenzo Morillas. Curso de Derecho Penal Español. Madrid: Marcial Pons, 1996, p. 25

603 FIGUEROA, Alfonso García. Princípios y Positivismo Jurídico...Madrid: Centro de Estudios Políticos

direta do Direito Penal pode ser compatibilizada com aquele princípio, a tal ponto de ANÍBAL BRUNO afirmar que, nom campo do Direito Penal, não há Direito fora da lei.(604)

Ficamos com ROXIN para quem “o tipo está sob a influência da idéia de determinação legal, à qual a legitimação da dogmática por muitas vezes é reduzida; os tipos servem, na verdade, ao cumprimento do princípio nullum-crimen, devendo ser estruturados dogmaticamente a partir dele”. (605)

Vê LOURIVAL VILANOVA em tal princípio normativo uma norma na espécie de norma-lei, a qual impede a retroincidência e a retroeficacidade (na espécie de retroatividade), exceto se resultar na redução ou extinção de efeitos, favoravelmente ao agente. (606)

Uma discussão quanto à adequação do princípio da estrita legalidade – e sobre a própria utilidade do tipo legal – desenvolveu-se contemporaneamente quando da elaboração do Estatuto da Corte Penal Internacional, onde representantes dos países de tradição não-estatutária propuseram o abandono desse sistema em favor dos costumes e da criação jurisprudencial. Por fim, a dogmática do “crimina juris gentium” terminou acolhendo o princípio “nullum crimen

sine lege”, que veio expresso no texto final do estatuto. Consagra-se, com isso, no

nível legislativo mais elevado, o princípio da legalidade e, por conseguinte, prestigia- se a figura dogmática do tipo penal.

Como registra CATENACCI, a sujeição da Corte Penal Internacional adquire um particular valor ético e político, pois na repressão aos delitos mais ofensivos aos direitos humanos, a comunidade internacional demonstra sapiência ao lançar âncoras no princípio da legalidade que, em última instância, expressa um direito humano fundamental. Disso se segue que à negação de um direito humano

604

BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte Geral. Tomo I. Rio de Janeiro: Forense: 2003, p. 358

605 ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 29-30

606 VILANOVA, Lourival.

corresponde a salvaguarda de outro direito humano, em inegável reafirmação da importância dos Human Rights. (607)

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 180-183)