• Nenhum resultado encontrado

Gramática do injusto: análise morfossintática do tipo penal

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 101-109)

Como assentado, o Direito Penal deve ser entendido como um sistema comunicacional (369) onde as normas compõem o complexo de mensagens prescritivas de condutas humanas de índole criminal. Os limites do Direito Penal não transcendem (e jamais poderiam ultrapassar) os confins da linguagem. Como define ROBLES, afirmar que o direito é um conjunto de normas equivale a afirmar que é um “texto formado por um conjunto de elementos textuais que chamamos de normas.” (370) Por isso está correto afirmar que estudar o Direito Penal é tarefa que não vai além de perscrutar a expressão lingüística de seus conteúdos normativos. Essa análise deve principiar com a análise da gramaticalidade do tipo penal.

Para se avançar rumo à descoberta de significado das expressões jurídicas é necessário levar em conta a ordem das palavras e a maneira como elas vêm conectadas na frase. As questões relativas à conexão das palavras na estrutura frasal representam questões sintáticas de interpretação, nessa sede principiando os equívocos quanto à intelecção de sentido da norma. Vejamos.

Escreveu ALF ROSS que as normas de direito penal “nada dizem a respeito da proibição aos cidadãos que cometerem homicídio, limitando-se a indicar ao juiz qual será a sentença em tal caso” eis que “a instrução (diretiva) ao particular está implícita no fato de que ele sabe que reações pode esperar da parte dos tribunais em dadas condições”. (371)

368 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 70 369

A teoria comunicacional concebe o direito como um texto elaborado ou sistema que se desdobra em unidades simples, que são as normas jurídicas. Estas não são dadas pelo legislador (ou, em geral, pelo gerador do texto bruto), mas são resultado de um trabalho de reconstrução hermenêutica (ROBLES, Gregório, O Direito

como Texto, Quatro Estudos de Teoria Comunicacional do Direito, p.14). 370

ROBLES, Gregório, O Direito como Texto, Quatro Estudos de Teoria Comunicacional do Direito,

p.34

371 ROSS, Alf.

Tem, de fato, afirmado a totalidade da doutrina penal, desde sempre, que, “primo oculi”, a lei penal, por suas construções típicas, enuncia um comportamento permitido, v.g., “matar alguém”, sendo o caráter proibitivo tangível apenas pela intelecção da norma subjacente, no exemplo dado, “é proibido matar alguém”. Por esse raciocínio, o que mata transgride a norma “cumprindo” a letra da lei.

Dentre outros, assim se expressava MAURACH: o delinqüente “ao violar a norma, cumpre a lei penal (não a infringe), a qual, para o mesmo, não se apresenta como proibição, mas enquanto preceito que somente pertence ao direito escrito, dirigido ao Juiz e que faculta a este desencadear as conseqüências punitivas”. (372)

Registre-se que no século XIX, BINDING assinalava a necessidade de se reconhecer a existência de normas não formuladas na redação literal dos preceitos penais e, caso isto não se admitisse, ter-se-ia que transigir com a conclusão de que o “o delinqüente não infringe norma nenhuma e malgrado isso se lhe castiga”. (373)

Não se pode aquiescer a nenhum desses posicionamentos. Como o Direito se esgota em sua linguagem, tais entendimentos, sempre defectivos, somente são sustentáveis (ao menos no caso brasileiro) se ignorada a construção elíptica pela qual se opera a prescrição proibitiva penal.

Lançando mão do exemplo atrás mencionado por ROSS, analisemos o “caput” do artigo 121 do Código Penal Brasileiro, o qual se acha incrustado no Capítulo intitulado “Dos Crimes contra a Vida”, este, a sua vez, inserto numa categoria classificatória mais abrangente, que é o Título “Dos Crimes contra a Pessoa”.

372 MAURACH, Reinhart.

Derecho Penal. Parte General. Buenos Aires: Astrea, 1994, p. 342 373 MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal, Parte General. Barcelona: Reppertor, 2002, p. 69

A função do artigo 121 (à semelhança da de seus subseqüentes) é a de cumprir a determinação trazida no primeiro dispositivo do Código: definir em lei os crimes. Portanto o homicídio é um crime definido em lei.

Recorrendo estritamente ao plano sintático que, adiante, nos propiciará um desembaraço lógico mais consistente, podemos, sem distância à literalidade do texto legal, extrair a seguinte proposição normativa, delimitada pelas chaves e englobando, nos colchetes e parênteses, seus elementos constituintes:

{Há crime [contra a pessoa (contra a vida)]: matar alguém}

Se, por definição, o crime (seja ele contra a pessoa ou o patrimônio ou qualquer outro bem jurídico) constitui a “mala prohibita” (374), i.é, uma vedação por

374 Daí a Partida 7ª, em sua introdução, considerar delitos “os mal feitos que se fazem a prazer de uma parte e a dano e a desonra de outra”, cf ESCRICHE, Joaquim. Dicionario Razonado de Legislacion y

Jurisprudencia. Tomo I. Madrid: Imprenta del Colegio Nacional de Sordo-Mudos, 1838. No mesmo sentido os

apontamentos etimológicos da palavra crime em PESSINA, Enrico. Elementi di Diritto Penale. Napoli: Riccardo Marghieri di Gius, 1882, p. 135: a voz malefício seria a mais adequada para exprimir aquele operar do mal, também empregando os jurisconsultos romanos os qualificativos de flagitium, scelus, facinus, peccatum,

crimen, delictum, fraus, noxa, injuria. Mais detalhada a pesquisa encontrável em MANCINI, Pasquale

Stanislao. Enciclopeia Giuridica Italiana. Milano: Società Editrice Libraria, 1900, p. 255-257, que acrescenta ainda os vocábulo Peccato como herança do foro eclesiástico. Todavia, foram os termos crimen e delictum os mais empregados, sendo o primeiro reservado para os crimes públicos e extraordinários, castigados no publicum

judicium (crimina publica) ou na extra ordinem judiciorum publicorum (crimina extraordinária), ao passo que o

segundo designava os fatos julgados simplesmente no juízo pretorial (delicta privata), cf. MASCAREÑAS, Carlos E. Nueva Enciclopedia Jurídica. Barcelona: Francisco Seix, 1954, p. 419-420. Também a definição de “delito natural” (delicta mala in se em oposição ao delicta mala quia prohibita) tem sido perseguido pela doutrina há tempos, sendo incontáveis as propostas conceituais apresentadas: dever exigível a dano da sociedade ou dos indivíduos (Rossi); violação do Direito fundando sobre a lei moral (Franck); negação do Direito (Pessina); ação contrária à lei moral e à justiça (Oudot); ato de uma pessoa livre e inteligente, prejudicial aos demais e injusto (Romagnosi); violação dos sentimentos de piedade e de probidade (Garófalo), cf. CALÓN, Eugenio Cuello. Derecho Penal, Tomo I, Parte General. Barcelona: Bosch, 1929, p. 221-2. Para CARMIGNANI, o delito “compreende toda infração das leis diretrizes da conduta humana” (CARMIGNANI, Giovanni, Elementi di Diritto Criminale. Milano: Carlos Brigola, 1882, p. 41). Em LISZT, “crime é o injusto contra o qual o Estado comina pena, e o injusto, quer ser trate de delito no Direito Civil, quer se trate do injusto criminal, isto é, do crime, é ação culposa e contrária ao Direito” (cf. LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal

Alemão. Tomo I) . Campinas: Russel, 2003, p. 209) Também IMPALLOMENI: “O crime é um fato vetado pela

lei com a ameaça de uma pena, para a segurança da ordem social constituída no Estado”.(IMPALLOMENI, G.B.

Istituziioni di Diritto Penale. Torino: Torinese, 1921, p. 68). Crimen (lat. ‘cerno’) = objeto do juízo; Delictum =

crime de omissão, em oposição a Maleficium = crime comissivo (COGLIOLO, Pietro. Completo Trattato

Teórico e Pratico di Diritto Penal Secondo Il Códice Único del Regno d’Italia. Vol I. Milano: Leonardo

Vallardi, 1888, p. 22). Um conceito formal de crime, como contrariedade às leis, era jugaldo perfeito por COSTA E SILVA (v. COSTA E SILVA, Antonio José da. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil

Commentado: São Paulo: Nacional, 1930, p. 48) que era acompanhado expressamente por BENTO DE FARIA

(v. FARIA, Antonio Bento de. Código Penal Brasileiro Comentado. Rio de Janeiro: Record, 1958, p. 115 e

Código Penal do Brasil. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro Bastos, 1929, p. 33). No Direito romano, historia

via da lei penal, ou, se se preferir, o universo dos comportamentos humanos penalmente proibidos, pode-se — apenas substituindo-se a expressão “há crime” pela sua correlata semântica “é proibido” — alcançar uma leitura linear do tipo penal:

{ É proibido matar alguém.}

Ressalte-se que essa operação foi estritamente textual, sem qualquer aporte de elementos jurídicos, a exigir, apenas, rigor gramatical na leitura do enunciado codificado. Observe-se que todas as partículas da expressão desdobrada são dadas na própria construção do texto do estatuto. Nada foi acrescido arbitrariamente pelo intérprete. Tal operação foi possível com a simples identificação de uma figura de sintaxe empregada pelo legislador na confecção dos tipos legais: a elipse. Esse processo estilístico consiste na omissão de um termo que o contexto ou a situação permitem facilmente suprir. Como recurso condensador da expressão, a elipse tem emprego preferencial nos enunciados que devam primar pela concisão ou rapidez (375). Na verdade, o recurso empregado na escrita dos tipos incriminadores é uma forma específica de elipse: a zeugma, a qual “consiste em fazer participar de dois ou mais enunciados um termo expresso apenas em um deles” (376).

Não é verdade, portanto, que o tipo legal incriminador não expresse uma proibição e sim, apenas, uma diretiva ao aplicador da norma ou, pior, um permissivo – ainda que pela depreensão literal – de comportamento ao cidadão. A defesa de que o tipo penal revela, no plano literal, uma conduta humana permitida, somente pode ser haurida com desconsideração à totalidade e integralidade do texto normativo analisado, ocasionando desde logo uma exegese equivocada que

que deve separar-se, enquanto “semen” indica o que deve semear-se, e em tal caso indicava o que deve separar- se mediante a ação judicial, isto é, o objeto do juízo, derivando do radical “Kar”, afim a “creo” e a “cerimônia, nesse caso significando apenas o fato (cf. ALIMENA, Bernardino. Princípios de Derecho Penal, vol. I, Tradução de Eugenio Cuello Calón. Madrid: Victoriano Suárez, 1915, p. 303). Por fim, CARRARA asseverou que “delito, infração, ofensa, crime, malefício: são todos vocábulos empregados pelos cultores da ciência penal como sinônimos; mas nenhum satisfaz, a quem deseja encontrar na palavra a definição da coisa; todos são indiferentes para quem se contente com encontrar no vocábulo o signo da idéia (CARRARA, Francesco. Programa do Curso

de Direito Criminal, Parte Geral, Volume I. Campinas, SP: LZN, 2002, p. 61). 375

CUNHA, Celso. CINTRA, Luís F. Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. São Paulo: Novra Fronteira, 2001, p. 619-623

produzirá reflexos, igualmente errôneos, no instante final da hermenêutica da norma jurídica.

Retomemos, ainda, essa análise sintática:

{ É crime [contra a pessoa (contra a vida)]: matar alguém }

Se defendermos o crime como injusto, torna-se possível a substituição da partícula “crime” por seu sinônimo jurídico “injusto”, resultando, agora, também com a supressão dos parênteses e colchetes na seguinte expressão:

{ É injusto matar alguém }

Realizando nova alteração, mas com preservação das propriedades semânticas da frase, substituímos a expressão “é injusto” simplesmente pelo advérbio de modo “injustamente”, o que nos conduziria à seguinte leitura do artigo 121 do Código Penal Brasileiro:

Homicídio = matar alguém, injustamente.

Todos os tipos penais possuem, necessariamente, o advérbio de modo “injustamente” elipsado, já que o típico somente apresenta-se com relevância perante o Direito Penal se recortado sobre o plano da ilicitude em geral. Não é correto, repita-se, que o tipo legal incriminador não expresse uma proibição e sim, apenas, uma diretiva ao aplicador da norma ou, pior, um permissivo – mesmo literal – de comportamento ao cidadão.

Nalguns casos, a desconsideração dessa construção poderia conduzir a resultados absurdos. Figure-se o caso da Autoridade Policial que, tendo apreendido farto material pornográfico em poder de um “pedófilo”, apresentasse as fotografias retratando crianças, em mídia contidas, para a equipe de expertos, os quais, para análise do material e segurança da prova pericial da infração, armazenassem uma cópia em seus computadores. Poder-se-ia dizer que esses funcionários públicos são

autores das condutas típicas do artigo 241, e respectivo parágrafo 1º (377) do Estatudo da Criança e do Adolescente, mas não-antijurídicas? Naturalmente que não. Também esses dispositivos penais mencionados estão insertos na seção que aquele diploma reservou para “os crimes em espécie”, dali sendo resgatável, ainda nos domínios exclusivos da sintaxe, igualmente o advérbio de modo “injustamente”. Não há ato ilícito porque praticada a conduta no exercício do dever legal de apurar crimes (e assim manusear seu material de prova). Não há – di-lo o plano sintático da linguagem normativa – conduta penalmente típica. Não há rigor, portanto, em afirmar que essas condutas são típicas, conquanto não-antijurídicas (porque obrigatórias).

Previsível, assim, o resultado equivocado que advirá caso iniciado o complexo processo de extrinsecação de sentido da norma se partir o aplicador já de errada intelecção das conexões vocabulares e frasais do texto legal, isto é, fazendo mover o raciocínio normativo de uma inexata ou incompleta visão sintática do direito positivo.

Portanto, não importa a construção textual de que se vale o legislador, bastando apenas a natureza imperativa da disposição:

“O essencial é que a lei no seu conjunto seja apresentada em sentido imperativo: o texto vem publicado em uma forma que se é capaz de criar nos destinatários a sensação de estarem obrigados a ater-se aos modelos de comportamentos enunciados. O fato, portanto, de que tais modelos sejam expressos no indicativo ou no imperativo é somente uma questão de estilo.” (378)

A oração “matar alguém”, por si só, na sua singularidade gramatical e semântica, produz significado incompleto. Como demonstrado, é correta, além de necessária, a integração contextual, desnudando as figuras elipsadas, resultando, com a inclusão da norma secundária, na seguinte proposição completa:

377 Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou Internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente. Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1º . Incorre na mesma pena quem: [...] II – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo;

378

OLIVECRONA, Karl. La Struttura dell’Ordinamento Giuridico. Bologna: Etas Kompass, 1972, p.

158: “L’essenziale è che la legge nel suo insieme sia presentata in senso imperativo: il testo viene pubblicato in una forma che si sa che è capace di creare nei destinatari la sensazione di essere obbligati ad attenersi ai modelli dii comportamenti enunciati. Il fatto, poi, che tali modelli siano espressi all’indicativo o all’imperativo é soltanto una questione di stile.” (tradução livre do autor)

“É crime matar alguém, cuja pena varia de seis a vinte anos de reclusão”.

Após essa explicitação de sentido – possível pela reversão da construção elíptica legislativa – pode-se analisar a oração nos seus componentes morfossintáticos. Reproduzimos, para tanto, o estudo completo feito por TÚLIO VIANNA (379):

a) oração principal com predicado nominal: “é crime”. O verbo de ligação “ser” aparece na terceira pssoa do singular do presente do indicativo (“é”). A palavra “crime” é o predicativo do sujeito (“matar alguém”).

b) oração subordinada subjetiva reduzida de infinitivo: “matar alguém”. O verbo transitivo direto “matar” (380) é o núcleo do predicado verbal da oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo. O objeto direto do verbo transitivo “matar” vem representado pelo pronome indefinido “alguém”. Como bem anotava ANÍBAL BRUNO, o verbo que exprime a ação constitui-se no núcleo, na porção mais significativa da estrutura do tipo. (381)

c) oração subordinada adjetiva restritiva: “cuja pena varia de seis a vinte anos de reclusão”. O sujeito da oração é a expressão “cuja pena”, tendo como núcleo o substantivo “pena” que apresenta o pronome relativo “cuja” como adjunto adnominal. O verbo intransitivo “variar”, na terceira pessoa do singular do presente do indicativo (“varia”) é o núcleo do predicado, apresentando-se com o adjunto adverbial de limitação a expressão “de seis a vinte anos”. Por fim, a expressão “de reclusão” é complemento nominal do adjunto adverbial de limitação. Essa subordinada restritiva pode, no entanto, vir ainda acrescida de uma coordenada aditiva (“e multa”) ou de uma coordenada alternativa (“ou multa”).

379 VIANNA, Túlio Lima. Da Estrutura Morfossintática dos Tipos Penais. In Revista Prisma Jurídico, v.

2. São Paulo: UNINOVE, 2003, p. 125-9

380 Como bem faz notar FREDERICO MARQUES “no verbo da descrição legal é que se consubstancia a

conduta típica. Diz-se, por isso, que o ‘núcleo’ do tipo está no ‘verbo’” (cf. MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Vol. II. Da Infração Penal. Campinas, SP: Millenium, 1997, p. 99)

Como defendemos o tipo total de injusto, a redação do período elíptico é mais complexa, já que a leitura deveria processar-se, aproximadamente, da seguinte maneira: “é fato típico, se o agente não estiver agindo em estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal”. Necessária, portanto, a inclusão da oração subordinada adverbial condicional no período elíptico, comum aos tipos penais, como período composto de coordenadas sintéticas aditivas.

Se nos vinculássemos ao plano estritamente gramatical do tipo, poderíamos, corretamente, afirmar que a luta da teoria dos elementos negativos do tipo penal, desde sua longínqua formulação, tem sido pela justaposição do adjunto adverbial de modo “injustamente” a todo verbo nuclear típico. Como procuramos demonstrar, é a palavra “crime” que introduz, elipticamente, o advérbio “injustamente” na oração típica. Poderia ser, indiferentemente, uma oração subordinada modal reduzida de gerúndio: “violando uma vedação normativa”.

Aquele que lê o Código Penal sabe que depara com um catálogo de proibições, ainda que não fosse possível (embora seja) a dedução sintática dessas vedações. Trata-se de estratégia de sinalização textual que relaciona informação explícita e conhecimentos pressupostos, conduzindo à depreensão da significação pretendida pelo legislador. Existe um domínio estendido de referência em que “os produtores de textos pressupõem sempre determinados conhecimentos contextuais, situacionais ou enciclopédicos da parte do interlocutor, de modo que deixam implícitas informações que consideram redundantes, coordenando o princípio da economia com o princípio da explicitude”. (382) Ofenderia o princípio da economia repetir, a cada dispositivo incriminador da parte especial, a locução “é crime”. Admissível, pois, sem prejuízo à explicitude da descrição e compreensão do ilícito entre os interactantes, inserir a expressão “Dos Crimes” no proêmio da “Parte Especial” do estatuto, eis que tal locução, depois reprisada em todos os “Títulos” e repetida a cada “Capítulo”, mostra-se vinculadora de sentido do texto que lhe sucede, sendo perfeitamente recuperável via inferenciação.

Assim, nem todos os conteúdos lingüísticos da lei acham-se nela explícitos (postos), existindo também aqueles implícitos, que são inferências (pressupostos). Na análise dos textos penais, trabalha-se, portanto, com a figura da pressuposição que, segundo FIORIN,

“é a informação que não é abertamente posta, isto é, que não constitui o verdadeiro objeto da mensagem mas que é desencadeada pela formulação do enunciado, no qual ela se encontra intrinsecamente inscrita, independentemente da situação de comunicação [...] A pressuposição aprisiona o leitor ou o ouvinte numa lógica criada pelo produtor do texto, porque, enquanto o posto é proposto como verdadeiro, o pressuposto é, de certa forma, imposto como verdadeiro. Ele é apresentado como algo evidente, indiscutível”. (383)

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 101-109)