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Entre a intenção do legislador e a intensão da norma

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 120-123)

Historia IÑIGUEZ que, dos meados da década de 60 até os da década seguinte, assistir-se-á a um fenômeno, gerado nas ciências sociais e na Filosofia, que implicou no “giro lingüístico”, como estudo do sistema gramatical abstratamente

414 PALAZZO, Francesco. Introduzione ai Princìpi del Diritto Penale. Torino: Giappichieli, 1999, p. 178

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Em caso negativo, conforme RIGAUX, “o direito do III Reich é um facto, perante a ordem jurídica internacional e o seu aparelho jurídico é o de uma organização criminosa, segundo o direito internacional.” (RIGAUX, François. A Lei dos Juízes. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 135) Para ALF ROSS “que a ordem que prevalece numa quadrilha, por exemplo, seja denominada ‘ordenamento jurídico’ (direito da quadrilha) é um problema que, considerado cientificamente (quer dizer, a palavra ‘direito’ sendo liberada de sua carga emotivo- moral) não passa de uma questão arbitrária de definição”. (ROSS, Alf. Direito e Justiça. Bauru, SP: Edipro: Edipro, 2000, p. 56)

416 DWORKIN, Ronald.

considerado, ao “giro discursivo”, como análise do uso da linguagem, texto, atos, discursos, interação e cognição. Desenvolve-se a psicologia social do discurso e, numa alternativa construtivista mais ou menos radical, convém-se que:

“a realidade para as pessoas é aquilo que as pessoas constroem como sendo real, e elas o fazem, na maior parte das vezes, através do texto e da conversação. E como não temos acesso direto a suas mentes, mas somente a seus discursos, é melhor que nos concentremos nesses discursos. E não apenas como meras ‘expressões’ de suas mentes, mas sim por si mesmos, isto é, como formas de interação social, com suas próprias variáveis, objetivos, interesses problemas e estratégias para fazer sentido.”(417)

Como nossa tese encerra uma proposta de natureza prevalentemente analítico-logicista da linguagem penal, é esta explorada como instrumento ativo da produção do fenômeno jurídico. Cumpre funções que extrapassam o mero representar do universo de proibições sancionadas com pena criminal para assumir propriedades criadoras quando sabido que sua enunciação altera a realidade.

Para UMBERTO ECO (418), entre a intenção do autor (intentio auctoris) e a intenção do intérprete (intentio lectoris) existe, em interação ou mesmo em contraposição, a intenção do texto (intentio operis). Como acentua CANOTILHO, o grande triunfo da hermenêutica foi o poder demonstrar que a lei pode ser mais inteligente que o legislador. Num sistema aberto, é possível a consideração de que a interpretação implica sempre processo adicional de conhecimento e que a aplicação do direito é sempre uma atividade produtiva e criadora. (419) Daí não poder prosperar a máxima de BECCARIA – largamente adotada também nos países da commom law (420) – segundo a qual numa lei clara não pode ser encontrada matéria para

417 IÑIGUEZ, Lupicinio.

Manual de Análise do Discurso em Ciências Sociais. Petrópolis, RJ: Vozes,

2004, p. 11

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Assim, um texto, depois de separado de seu autor (assim como da intenção do autor) e das circunstâncias concretas de sua criação (e, conseqüentemente, de seu referente intencionado), flutua (por assim dizer) no vácuo de um leque potencialmente infinito de interpretações possíveis. (cf. ECO, Humberto.

Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 29/48). Noutra obra, sustenta ECO que

“a iniciativa do autor consiste em fazer uma conjetura sobre a intentio operis, conjectura esta que deve ser aprovada pelo complexo do texto como um todo orgânico” (cf. ECO, Umberto. Os Limites da Interpretação. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 15)

419 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Contributo para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas, Coimbra, Coimbra (Editora), 2001, p. 62

420 TUNG, André.

La Interpretración de las Leyes em los Estados Unidos. In Cuadernos de Derecho

interpretação pelos tribunais. (421) Parece-nos, com isso, mais apropriado falar não em intenção, mas sim em intensão do texto.

Se, “partir da reviravolta lingüístico-hermenêutica do pensar implica afirmar que a linguagem é a mediação irrecusável de todo sentido e validade” (422), perfeitamente adequada essa máxima à esfera do Direito Penal onde, sem grande desforço, é possível vislumbrar-se a positivação penal como um grande “texto” encartado no contexto de um sistema jurídico de proibições, obrigações e permissões – inclusive não-penais – que compõe a grande tábua universal de vinculação normativa das condutas humanas.

As escolas e teorias do crime seguiram indiferentes a esses câmbios científicos que influíram decisivamente na compreensão da linguagem, ocasionando que o discurso jurídico-penal perdesse, progressivamente, sua consistência ao não angariar à abordagem do tipo penal os elementos dominantes sob a perspectiva da psicologia social crítica, onde assume papel preponderante a dimensão social em que é produzido e reproduzido o discurso.

Não por outro motivo, temos convicção, tornou-se o discurso penal impenetrável às contemporâneas criações teóricas que apenas ecoam sentidos anseios da política criminal (423) Ora, “não é possível conceber um Código Penal à margem das exigências político-criminais nem uma política criminal à margem das garantias individuais” (424). Os lídimos postulados contidos na teoria da adequação social, bem como nos princípios da insignificância penal e da intervenção mínima, dentre outros, não lograram abrigo sistemático na aplicação judicial porque, malgrado a cristalina e convergente orientação teleológica, deixaram de indicar os

421 BECCARIA, Cesare.

De los Delitos y de las Penas. Madrid: Alianza, 2002, p.37 422

COSTA, Regenaldo da. Ética do Discurso e Verdade em Apel. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. xvii

423 Política criminal aqui entendida como conjunto de princípios e recomendações (para a reforma ou

transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação) surgido do incessante processo de mudança social, dos resultados que apresentem novas ou antigas propostas do direito penal, das revelações empíricas propiciadas pelo desempenho das instituições que integram o sistema penal, dos avanços e descobertas da Criminologia. (cf. BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 34), ou seja, a crítica das instituições vigentes e preparação de suas reformas, conforme os ideais jurídicos que se vão constituindo à medida que o ambiente histórico cultural sofre modificações. (in ONECA, José Antón. Derecho Penal. Madrid: Akal, 1986, p. 33)

424 MATEU, Juan Carlos Carbonell. Derecho Penal, Concepto y Princípios Constitucionales. Valencia:

correlatos recursos dogmáticos instrumentais, indispensáveis à sua concretização, pelo aplicador, diante de uma realidade rigidamente codificada que um discurso penal hermético sustém impermeabilizada.

Reclamar para o tipo penal o rigor lingüístico olvidado é, em última análise, reivindicar para o Direito Penal seu foro de cientificidade, conectando-o inflexivelmente a princípios lógicos e semióticos, garantindo sua cômoda guarida na Teoria Geral do Direito e, por conseguinte, afastando-lhe o estigma de mera disciplina acadêmica constituída.

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 120-123)