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“Acredito que a legislação e as legislaturas têm má fama na filosofia jurídica e política, uma fama suficientemente má para lançar dúvidas quanto a suas credenciais como fontes de direito respeitáveis”.

JEREMY WALDRON (112)

“O normativismo, como legalismo, está historicamente superado; tematicamente é assunto cansado, gasto, que descabe combater com vitoriosa audácia.”

LOURIVAL VILANOVA (113)

109

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1983, p. 421

110 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos, 2000,

p. 111

111

ROSS, Alf. Direito e Justiça. Bauru, SP: Edipro: Edipro, 2000, p. 92

112 WALDRON, Jeremy. A Dignidade da Legislação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 1

113 VILANOVA, Lourival.

Talvez nos seja hoje difícil fazer coro a MORANDIERE para proclamar que “a garantia da liberdade civil exige que os papéis preponderantes da repressão pertençam ao legislador”. (114) Melhor seria enxergar a lei naquela feição dada por DWORKIN: “direitos legais são decisões políticas do passado, segundo a melhor interpretação que tal coisa significa”. (115)

Há uma percepção generalizada que o Parlamento (116) deixou de ser o ambiente digno para cuidar do regramento normativo da vida do cidadão. Essa constatação é que gera o “mal estar” a que se refere CANOTILHO:

“Os problemas de mal estar cívico e político afetam a credibilidade das ‘tábuas da lei’ mesmo no campo mais sedimentado dos direitos individuais fundamentais. Os fenômenos de corrupção, clientelismo trouxeram para a arena político-social a ‘crise da representação’ do ‘Estado de partidos’, da ‘política’ e dos políticos. O direito de voto, a liberdade partidária, o mandato livre, o direito de acesso a cargos políticos, a igualdade no tratamento tributário, pouco valem numa sociedade política varrida pelo tráfego de influências, o clientelismo e a corrupção.” (117)

Por isso preocupa o ainda persistente culto aos dogmas da “Escola de Viena”, para a qual o Estado chega a ser uma estrutura espiritual, um sistema de normas, não uma estrutura composta por um conjunto de homens ou, nas palavras do próprio KELSEN: “o Estado é um sistema normativo cujo conteúdo é constituído por fatos específicos da conduta humana formando um ordenamento normativo.” (118)

Escreveu DELMAS-MARTY que “fonte estatal por excelência, a lei em sua majestade se torna fonte quase única no final do século XVII, instituindo essa ordem jurídica a que nos acostumamos”, acrescentando a autora que “o Estado e, na tradição romano-germânica, a lei são nossos pontos de referência históricos,

114

MORANDIERE, León Julliot. De la Règle Nulla Poena Sine Lege. Paris: Recueil Sirey, 1910, p. 43

115 DWORKIN, Ronald.

O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 120

116 Como ressalta Altavila, “com a caminhada dos séculos, os processos elaborativos e normativos se

modificaram, até atingirem os recintos parlamentares, onde nem sempre chegam os ecos das necessidades sociais”. (cf. ALTAVILLA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. São Paulo: Melhoramentos, 1964, p. 11) 117

CANOTILHO, José Joaquim Gomes Canotilho. Estudos Sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 121-122

118 KELSEN, Hans.

O Estado como Integração: um Confronto de Princípios. São Paulo: Martins Fontes,

aqui, no Ocidente, onde o direito, separando-se da moral e da religião, identificou-se ao Estado” (119), por isso afirmar-se que “a lei é o pensamento jurídico deliberado e consciente formulado por órgãos especiais, que representam a vontade

predominante numa sociedade”. (g.n.) (120

)

A sedução da lei escrita remonta ao Iluminismo: por seu caráter ‘geral’ a lei tem a aparência de prometer a todos um tratamento igual e, sendo escrita, permanente, torna as sentenças previsíveis. (121) Essa generalidade e certeza são os atributos que têm garantido a supremacia da lei como fonte do Direito.

Entendendo a lei como sendo “a forma necessária que assume o Direito na convivência social” escreveu FERNANDO PUGLIA (122) que esta “deve ser a manifestação da consciência jurídica popular e é sujeita à lei de evolução ao pares desta última”, daí cunhando definição pela qual a lei penal seria “a declaração legitimamente feita pela soberania social das violações do direito merecedoras de pena”.

Explicita o clássico penalista italiano a vinculação necessária que deve imperar entre direito penal objetivo e soberania popular (consubstanciada no processo de elaboração legislativa por representantes do povo, com ouvidos aos anseios deste). Todavia, seria utópico cultivar uma imagem de legislação digna qual a pretendida por WALDRON: “os representantes da comunidade unindo-se para estabelecer solene e explicitamente esquemas e medidas comuns, que se podem sustentar em nome de todos eles, e fazendo-o de uma maneira que reconheça abertamente e respeite (em vez de ocultar) as inevitáveis diferenças de opinião e princípio entre eles”. (123)

119 DELMAS-MARTY, Mireille. Por um Direito Comum. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.4

120 VECCHIO, Giorgio del. Lições de Filosofia do Direito. Tradução de António José Brandão. Coimbra:

Armênio Amado, 1979, p. 409

121 VILLEY, Michel.

Filosofia do Direito:Definições e Fins do Direito:Os Meios do Direito. São Paulo:

Martins Fontes, 2003, p. 382 122

PUGLIA, Ferdinando. Manuale Teorico-Pratico di Diritto Penale Secondo il Codice Vigente. Nápoli:

Cavo A. Tocco, 1895, p. 2

Muitos dos que decantam o mal compreendido princípio da legalidade penal equivocam-se porque, de partida, ignoram o objeto fulcral desse princípio: a lei. O intenso uso da palavra lei produziu uma névoa em seus limites semânticos que, agora, somente pela Pragmática podem ser divisados. Para DWORKIN, a expressão “lei” apresenta dois sentidos distintos: pode designar tanto as palavras

impressas (como votadas pelos parlamentares) quanto – o que é mais complexo – ,

o direito criado com a promulgação do diploma legal.(124)

MAMAN, com razão, apela à vivificação da lei pela via hermenêutica, para que ela não divente repetição do passado, ao não participar do sentido presente: “o que pode fazer a força da linguagem em sua expressão essencial – a escrita – para o direito pode representar sua debilidade. O que está escrito como que se afasta do que se diz e se vê – é preciso reconduzir o direito escrito ao sentido da vida”. (125)

Também BETTIOL, ao lembrar que o homem não é feito para a lei, mas a lei é que é feita para o homem, assim expressou-se: “o indivíduo não deve ser conduzido e envolvido por uma rede de conceitos que empobrecem e formalizam o seu organismo espiritual, mas deve ser colocado em situação de compreender e de viver, na realidade da sua vida concreta, o valor da lei moral e jurídica”. (126)

O ordenamento efetivo não se identifica com o legal. Isso corresponde à descoberta científica de que um sistema jurídico é a resultante de uma pluralidade de componentes operantes em níveis diversos (127), conduzindo à refutação daquelas concepções do Direito e da Ciência do Direito, lembradas por JAKOBS, “às quais não se pode incorporar determinações materiais como o humanismo”, sendo Direito somente “aquilo que é ordenado por uma instância competente e é levado à prática em caso de necessidade ou violência”. (128)

124 DWORKIN, Ronald.

O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 21

125 MAMAN, Jeannette Antonios. Fenomenologia Existencial do Direito, Crítica do Pensamento Jurídico Brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 115

126 BETTIOL, Giuseppe. O Problema Penal. Campinas,SP: LZN, 2003, p. 104

127 LICCI, Giorgio.

Modelli nel Diritto Penale: Filogenesi del Linguaggio Penalistico. Torino:

Giappichelli, 2006, p. 336 128

A principal crítica que se deve fazer à concepção da lei (em sentido estrito) como fonte única da norma penal é que a anacrônica louvação à positivação, do Iluminismo herdada, apresenta-se, hoje, como processo nomotético- comunicacional superado, pois nele praticamente inexiste retroação vinculativa do emissor ao receptor, isto é, desprestigia-se o ângulo pragmático do Direito como linguagem, pela ausência de retroação do “receptor” em relação ao “emissor”, gerando dessincronia interacional entre ambos. Dentre outras coisas, essa disfunção comunicacional cerra as possibilidades de inter-regulação do conteúdo imperativo da norma legal frente às normas jurisprudenciais e constumeiras. Como não compactuamos com um raciocínio legalista-positivista de cunho reducionista, entendemos, como adiante tratado, que a norma penal resulta de um discurso jurídico que transcende à estreiteza do discurso prescritivo.

Todavia, há de se reconhecer que, ainda, repousa no Poder Legislativo a tarefa precípua de criação das leis, vale dizer, de produção do direito positivo estatal. Daí que, de ordinário, como faz notar KELSEN, “o órgão legislativo se considera na realidade um livre criador do direito, e não um órgão de aplicação do direito, vinculado pela Constituição, quando teoricamente ele o é sim, embora numa medida restrita” (129). Também CANOTILHO enxerga a mesma limitação, haja vista inexistir âmbito ou liberdade de conformação do legislador ordinário relativamente às normas constitucionais, por não ser o direito constitucional dispositivo. (130) Intentemos a demonstração do porquê desse condicionamento.

No documento DOUTORADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2007 (páginas 36-40)