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Contextualização dos eventos na história da disciplina

CAPÍTULO IV – INVESTIGANDO AS RELAÇÕES TEORIA-PRÁTICA NAS INTERAÇÕES EM SALA DE AULA

4.1 Panorama das interações em sala de aula

4.1.2 Sobre os eventos selecionados para análise

4.1.2.1 Contextualização dos eventos na história da disciplina

Em busca de melhor situarmos os momentos analisados, passamos a trazer, nesta seção, algumas informações sobre sua localização na história da disciplina, durante o segundo semestre de 2011. Poderíamos dizer, que, neste instante, estamos operando em um nível contextual meso, o qual se situa entre um nível micro, das interações discursivas que caracterizaram o evento, propriamente dito, e um nível macro, de questões históricas relativas ao instituto, ao curso ou, até mesmo, em relação a políticas públicas. Alguns aspectos desses contextos mais macros já foram discutidos, em maiores detalhes, em capítulos anteriores.

A escolha desses três eventos esteve relacionada, principalmente, ao nosso propósito de compreender o processo sócio-histórico de como as relações teoria-prática são construídas na disciplina investigada. Conforme trouxemos em capítulos anteriores, como autores como Bloome et al (2008) e Dixon & Green (2005) propõem, os eventos possuem relações históricas, tanto com os eventos que o antecederam quanto com aqueles que ainda irão sucedê-los. Dessa forma, a partir da identificação do primeiro evento, buscamos por traços de alguns aspectos mobilizados pelos participantes nesse evento, em outros momentos da disciplina.

O momento que ficou caracterizado como o Evento 1 foi assim selecionado porque trazia algumas importantes características que já nos saltava aos olhos desde a época da coleta dos registros, durante a análise dos dados. A primeira característica a ser destacada é que ele faz parte da única aula em que os licenciandos-apresentadores são aqueles sujeitos que mais possuem referências sobre o contexto de atuação do professor e, portanto, da prática. Paulo e Francis eram os únicos graduandos da turma que antes mesmo de fazerem a sua apresentação sobre “Drogas Lícitas e Ilícitas” para a professora e seus pares na universidade, fizeram-na para alunos da educação básica. Além disso, esses professores em formação também desenvolveram uma pesquisa no

mesmo colégio sobre o “Ensino de Temas Transversais”131. Assim, esses licenciandos, ao desenvolverem tais atividades no contexto de uma escola básica real, acabaram trazendo elementos relacionados a sua experiência no contexto da prática, os quais foram mobilizados em suas participações no debate ocorrido em sala de aula.

Uma segunda característica muito importante desse evento é que a crítica que incita todo o debate, trazendo assim, um conjunto de reflexões coletivas sobre o ensino do tema “Drogas lícitas e ilícitas” em um contexto escolar específico, é construída a partir do comentário de um outro licenciando, Cláudio. Desse modo, percebemos, como já enfatizado por Kelly & Crawford (1997), a importância que os estudantes ocupam em um contexto de ensino, criando também oportunidades de aprendizagem para seus colegas.

A terceira característica que marca esse evento é que ele traz fortes indícios da complexidade das relações teoria-prática. Em análises anteriores, estivemos um pouco mais preocupados com padrões gerais nas RTP, Viana et al (2012a, 2012b). Observamos que nossos primeiros olhares apontavam na direção de uma clara hierarquização da teoria em relação à prática, naquele momento. No entanto, no processo de aprofundamento dessas análises, pudemos notar que há inversões de como essas dimensões são priorizadas. Ora a teoria apresenta mais valor, ora a prática é a dimensão mais valorizada. Portanto, por meio de uma observação mais atenta do evento analisado, percebemos que há uma constante problematização de tal hierarquização, a qual passa a não ser considerada como algo monolítico e linear.

A seleção e primeiras análises do Evento 1 nos permitiram identificar algumas ligações desse com acontecimentos localizados na aula da semana anterior. Além da proximidade temporal (apenas uma semana de diferença entre as aulas), elas ainda apresentavam proximidade temática. A aula 14 tinha como tema “Drogas: como abordar o assunto”, e a décima quinta aula, o tema “Drogas: líticas e ilícitas”. Em nosso Quadro Geral das Interações no Curso, parcialmente representado na Figura

4.1, a seguir, já indicava uma relação entre estas duas aulas.

131Estas ações foram desenvolvidas pelos licenciandos como parte de atividades exigidas em uma outra disciplina acadêmica.

Figura 4.1: Representação de parte do Quadro Geral das Interações no Curso localizando a relação entre as aulas 14 e 15. Data Temas propostos para o ensino. (Exemplificad os no cronograma) Principais formatos de organização das atividades nas aulas.

Como as pessoas interagem, ou deveriam interagir, nessa aula?

Como essa aula se relaciona, ou deveria se relacionar, com

outras na disciplina ?

Relações com outras aulas apontadas explicitamente pela professora. 14 22/11/ 2011 Drogas: como abordar o assunto. Grupo de discussão

- Convidado relata sua experiência com o tema em escola.

- Professora intervém com questões relativas ao ensino do tema. - Licenciandos participam com

reflexões sobre ensino de saúde.

- Aula 14 - Apresentação de questões relativas a realidade escolar e as drogas. Tais assuntos irão fazer parte, mais diretamente, do tema da próxima aula.

- Pré-requisito para Aula 15. Introduziria informações sobre ensino e sobre o contexto escolar para a aula 15. 15 29/11/ 2011 Drogas lícitas e ilícitas Apresentação de licenciando

- Dupla de licenciandos apresentam aula sobre o tema.

- Professora instiga os outros licenciandos a comentarem a apresentação do colegas. - Licenciandos criticam

apresentação dos colegas.

- Aula 15 – Apresentação de um tema específico. Deve estar alicerçada quanto à questões de ensino e experiências de escola, às orientações da aula anterior.

Além disso, Maria, a professora-formadora, explicitamente identificava uma relação entre essas aulas. Ela nos relatou que, em outros semestres, nestas duas últimas aulas, eram abordados os conteúdos de Drogas lícitas e ilícitas de forma separada. No entanto, a partir de uma iniciativa sua, foram inseridas discussões sobre aspectos sociais e escolares acerca do ensino de drogas, aspectos que em sua opinião ainda não recebiam atenção na disciplina. Como pode ser observado no depoimento a seguir:

Drogas como abordar. [...] Não precisava de duas aulas para falar de drogas, sendo lícitas ou ilícitas são todas drogas. Eles precisavam dessa aula, sobre como abordar, porque nós temos problemas sociais. Por exemplo, relacionado ao uso de drogas nas escolas, e então, qual a melhor forma de falar sobre isso? Eu vi que vou precisar de mais pessoas para ir falar porque as realidades das escolas são diferentes. [...]132

Durante a transcrição dos discursos dos participantes em sala de aula no Evento 1, tivemos indícios mais fortes da relação entre eventos nessas aulas. Um primeiro indício refere-se a uma passagem em que o licenciando Paulo remete à afirmação sobre um princípio pedagógico trazido na última aula, a respeito do tema drogas, o qual é consentido pela professora-formadora. Como se pode observar no trecho da transcrição a seguir, apresentado no Quadro 4.2:

Quadro 4.2 – Representação de parte da transcrição do Evento 1, ilustrando referência à discussão ocorrida na aula anterior.

Linhas Falante Unidade de Mensagem

21 Paulo É aquela questão que agente falou da última vez, 22 não personificar a droga.

23 Maria Isso!↑

24 Paulo Passar informação para o aluno, 25 com coisas sobre droga.↓

Além disso, a noção de “escola problemática”, que é construída nesse evento, é uma ideia que, possivelmente, resgata sentidos sobre o contexto da prática profissional docente construídos na décima quarta aula. Em trabalho anterior (VIANA et al, 2013), apontávamos para uma relação entre essas duas aulas a partir dessa noção. Nele, propomos que a partir do depoimento de um convidado na aula anterior é traçado um perfil bastante catastrófico e conflituoso da escola pública. Assim, é criada uma oportunidade de aprendizagem em volta de uma atenção para a “realidade

132

escolar e sua influência na organização e no planejamento da aula, especialmente quando essa escola é ‘problemática’ [...] fugindo àquilo que temos ‘normatizado’ como escola ideal” (VIANA, et al 2013, p. 7). Essa oportunidade de aprendizagem é resgatada pelos comentários do licenciando Cláudio sobre a apresentação dos colegas. Como se pode observar no trecho da transcrição, a seguir, exposto: “Eu não sei. Eu

achei ela um pouco técnica. Assim a escola também não é problemática né? Mas talvez em uma escola problemática...”. (Cláudio, Evento 1, Linhas 60 à 66)

Desse modo, buscamos no Evento 2 o momento em que ficaria mais evidente essa discussão em torno do perfil de uma escola problemática, de modo que localizássemos, assim, o instante da criação desse princípio pedagógico que é retomado na aula posterior (no Evento 1). Chegamos, assim, ao momento em que há uma discussão em torno do ensino sobre o tema drogas na escola, relatada pelo convidado (o Célio).

Investigando esse evento, percebemos que uma grande discussão ocorre em torno de um princípio pedagógico por nós identificado como “responsabilidade social”. Tal concepção, construída pelos participantes, propõe que no ensino de Ciências haja uma atenção por parte dos professores de Ciências para além dos domínios de conceitos e procedimentos biológicos, mas, também, para questões sociais. No trecho a seguir, há uma fala de um licenciando em sala de aula que ilustra a mobilização desse princípio pedagógico: “Esse é o paralelo. O importante é isso. O importante é ver se você

consegue mostrar que o individual nesse caso, o individual esbarra no coletivo.”(Paulo, Evento 2, Linhas 110 à 114)

Da mesma forma que fizemos durante a análise do Evento 1, também procedemos no

Evento 2, ou seja, buscamos identificar se haviam outros momentos em aulas

anteriores nos quais os participantes já traziam esse princípio, acerca de uma atenção para questões sociais no ensino de Ciências. Todavia, ao contrário do Evento 1, nesse evento não percebemos referências explícitas dos participantes a outros momentos no curso. Assim, foi preciso investigar todos os registros das aulas que antecederam a 14, em busca de localizar momentos em que os participantes discutissem sobre uma atenção para questões além do ensino do conteúdo biológico. Nesse movimento, chegamos à oitava aula, com o tema “Posse Responsável”, na qual ocorre um grande

debate em torno de outras questões envolvidas durante o ensino de Ciências. A seguir, há um trecho do depoimento de uma declaração de Maria, enfatizando a necessidade de uma atenção para a dimensão do cuidado, por exemplo:“[...] que o cão tem que ser

vacinado, que tem que ter uma nutrição adequada, né? Que tem que ter cuidados, isso a gente tem que passar. A gente tem que passar para eles esse conceito de posse responsável. (Maria, Evento 3, Linhas 43 à 50)

A seguir, trazemos a Figura 4.2 com uma representação das relações entre os três eventos analisados em cada uma das aulas. Inserimos as setas abaixo que destacam o aspecto que nos fez ir em busca de cada evento:

Figura 4.2: Aulas selecionadas para análise e eventos, destacando o processo de relação entre os eventos.

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