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Teoria para além do “T” maiúsculo (Korthagen, 2001)

CAPÍTULO I REVISÃO DE LITERATURA

1.3 Dialogando com a literatura dos estudos das relações teoria-prática na formação inicial de professores.

1.3.1 Teoria para além do “T” maiúsculo (Korthagen, 2001)

Nesta investigação, consideramos como teoria, as linhas de ação (guidelines) ou os

princípios que guiam as experiências de ensino dos licenciandos (KORTHAGEN,

2001). Com isso, nos distanciamos de perspectivas mais tradicionais dos estudos sobre as relações teoria-prática nas quais, a “T”eoria (com T maiúsculo – Korthagen, 2001) é interpretada somente como teorias educacionais ou de ensino do conteúdo específico. Contudo, não estamos desconsiderando a importância dos saberes teóricos-conceituais na formação de professores. Em outra direção, nossa intenção é a de, ao procurarmos entender como são construídas as relações teoria-prática, estarmos sensíveis para quaisquer formas de conhecimento que estão orientando as experiências de ensino dos professores em formação. Portanto, sem preferências entre conhecimentos acadêmicos ou não-acadêmicos.

Os trabalhos de Kessels e Korthagen (1996); Korthagen e Kessels (1999) e de Korthagen (2001) propõem-nos pensar a teoria na formação de professores, mais de um ponto de vista da phronesis que da episteme. Ao retomar sentidos clássicos, estes estudos chamam a atenção para uma mudança de perspectiva nos cursos de formação docente na qual o conhecimento abstrato, objetivo e proposital deveria dar lugar aos saberes da prática, conhecimentos mais perceptuais e particulares. De acordo com Korthagen (2001, p. 31), “o aprendizado profissional dos professores se inicia a partir de experiências mais concretas e de suas percepções subjetivas de situações

práticas”35. Portanto, propõe o autor que a formação de professores deveria se preocupar mais em permitir com que esses futuros docentes percebam os conhecimentos tácitos de forma mais explícita, do que com a “transmissão de conhecimentos conceituais”36. (KORTHAGEN, 2001, p. 31)

Tal perspectiva implica, entre outras coisas, em estar atento a outras formas de conhecimentos não-acadêmicos mobilizados nas experiências de ensino, da mesma forma, para questões como valores, volições, sentimentos e crenças pessoais. Para os autores, tais princípios também são mobilizados pelos professores em formação durante suas experiências de ensino - inconscientemente ou parcialmente consciente -, e desempenham um importante papel em seus comportamentos, nos processos de tomadas de decisões, nos contextos escolares. (KESSEL e KORTHAGEN, 1996; KORTHAGEN e KESSSELS, 1999; KORTHAGEN, 2001)

Portanto, adotar tal concepção de teoria - para além das teorias educacionais (do “T” maiúsculo, Korthagen, 2001) - implica também em ir de encontro à afirmação comum de que haveria um distanciamento, um intervalo (gap), na relação teoria-prática na formação de professores. Korthagen (2001), considera que quando se assume esse distanciamento a culpa geralmente recai sobre a prática, uma vez que a “teoria” não é questionada. Assim, propõem Korthagen (2001) e também Percy (2012) que antes mesmo de assumirmos que há essa lacuna, é preciso construir um melhor entendimento do que seria teoria e prática.

Como um exemplo dessa diversidade de perspectivas para o estudo das relações teoria-prática, trazemos alguns exemplos, a seguir, dessa literatura. O trabalho de Waghorn e Stevens (1996), por exemplo, investigou as RTP por meio das visões que professores em formação traziam a respeito de suas experiências de ensino em escolas. Desse modo, os pesquisadores acompanharam dez estudantes-professores, durante as seis últimas semanas de curso. Eles conduziram entrevistas, buscando seus relatos nos momentos em que estes passariam a atuar como professores responsáveis por uma turma das séries iniciais do Ensino Fundamental, em escolas na Austrália.

35

“[...] the professional learning of teachers starts from concrete experiences and their subjective perceptions of practical situations.” (KORTHAGEN, 2001, p. 31),

36

Os autores identificaram dois conjuntos de princípios que orientaram as respostas dos entrevistados sobre sua atuação na sala de aula. Por um lado, o que denominaram de teorias que remetem a um “modelo construtivista de ensino, fundamentado em um rigoroso quadro teórico”37. (WAGHORN, STEVENS, 1996, p.78. Grifos nossos) Nesse conjunto estavam compreendidos exemplos de abordagens teóricas para o ensino, com descrições detalhadas de fases interativas no processo de ensino- aprendizagem na sala de aula.

Por outro lado, os pesquisadores identificaram um grupo de crenças que não pertenciam completamente a um quadro teórico, mas incluíam descrições variadas como, por exemplo: “as crianças devem tomar responsabilidade sobre seu próprio

aprendizado, o professor como facilitador e aprendizado independente.”38

WAGHORN, STEVENS, 1996, p.78. Grifos nossos). As análises dos pesquisadores levam-nos a perceber que os estudantes-professores não demonstraram estar completamente conscientes de como tais crenças orientaram suas práticas nas atividades em sala de aula. Waghorn e Stevens (1996, p. 75) ressaltam que nenhum entrevistado foi capaz de situar essas crenças em um “quadro teórico” (framework), como por exemplo: “aprendizado centrado na criança” (child-centered learning) ou “aprendizado independente” (independent learning).

O trabalho de Waghorn e Stevens (1996) nos traz algumas evidências que demonstram a força com que esse conjunto de princípios atuou nas decisões que os estudantes-professores tomaram em sala. Para os autores, os entrevistados apresentaram um grande comprometimento com tais crenças, e elas orientaram as decisões dos estudantes-professores em várias áreas curriculares. Em seus próprios termos: “parece que a compreensão dos estudantes-professores sobre os modelo de ensino e de aprendizagem interativa foi filtrada através de suas filosofias pessoais de "ensino centrado na criança" e "aprendizagem independente"”39(WAGHORN, STEVENS, 1996, p.78. Grifo nosso.).

37 “[...] a constructivist model for teaching, grounded in a rigorous theoretical framework. (WAGHORN, STEVENS (1996, p. 78)

38 “[...] children taking responsibility for their own learning, the teacher as facilitator, and independent learning.” (WAGHORN, STEVENS (1996, p. 78)

39

“It seems that their understanding of the interactive teaching and learning model has been filtered through their personal philosophies of “child-centered teaching” and “independent learning” (WAGHORN, STEVENS (1996, p. 78)

Essa complexidade de “teorias” ou de princípios que orientam as práticas de professores iniciantes também é caracterizada no trabalho de Moreira (2012). Nesse caso, a autora desenvolveu uma pesquisa em um curso de mestrado em Ciências da Educação, na Universidade do Porto, Portugal. A pesquisadora teve como objetivo central na sua investigação melhor compreender “como a relação teoria-prática é estruturada no âmbito dos cursos de formação inicial de professores e de enfermeiros40e como os estudantes de tais cursos veem esses dois pólos de saberes no seu processo formativo”. (MOREIRA, 2012. p.19) Foram investigados dois cursos de formação de professores de duas instituições de ensino superior, uma em Portugal e outra na Espanha, a partir de pesquisa documental e grupos focais com quatorze graduandos dos respectivos cursos.

Moreira (2012) evidenciou que outros princípios – além dos conhecimentos acadêmicos –orientavam a prática pedagógica de professores em formação. Em suas análises, a autora observou que nos depoimentos de alguns entrevistados sobre suas práticas profissionais, as dimensões do cuidado, da relação de ajuda, da atenção e do

afeto adquiriam significativa relevância nesses momentos. Para a autora,

especialmente no curso de formação de professores para a Educação Infantil, a dimensão do cuidado e do afeto apareceu de forma muito mais explícita (MOREIRA, 2012). Moreira, traz uma importante consideração de Tardif (2005, p. 258), ressaltando o papel dessas outras dimensões que orientam a ação dos professores, além do conhecimento acadêmico: “o trabalho docente repousa sobre emoções, afetos, sobre a capacidade não só de pensar nos alunos, mas também de perceber e sentir suas emoções, seus temores, suas alegrias”. (TARDIF, 2005, p.258, apud MOREIRA, 2012, p.45)

É interessante notar que o aprendizado de tais princípios foi localizado pelos entrevistados, no contexto exclusivo da atuação profissional e não nas salas de aula universitária (MOREIRA, 2012). Isso vai ao encontro de certa tendência identificada a partir da literatura educacional, considerando que as evidências apontam que, geralmente, em cursos de formação de professores não há lugar para reflexões sobre

40

Para esta revisão, optamos por adotar apenas as considerações que o estudo de Moreira (2012) traz para os cursos de formação de professores, portanto não trazemos as reflexões e resultados apresentados pela autora sobre as visões dos graduandos em enfermagem.

tais conhecimentos.

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