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CONTEXTUALIZAÇÃO NO AMBIENTE: O CLUBE

2.2. CULTURA OU SUBCULTURA?

2.2.3. CONTEXTUALIZAÇÃO NO AMBIENTE: O CLUBE

A par da conceptualidade e irreverências da era digital em VJing, está a sua contextualização espacial. A associação ao espaço tem se mostrado controversa quando se considera VJing como uma prática artística. Ziv Lazar fala-nos de duas culturas diferentes para VJing: a cultura dos clubes e a cultura de arte. A distinção entre estas duas baseia-se irremediavelmente pela distinção dos espaços da performance, uma para o bar ou discoteca e outra exterior às condicionantes dos clubes, evidenciando outro tipo de performance. Na cultura do clube, o VJ está directamente condicionado pelo som do DJ ou banda. O que se tem notado, porém, é a crescente evolução do Vídeo Jockeying para fora do cenário do clube, abrangendo outras disciplinas artísticas como a vídeo arte, arte performativa e interactiva. Mas é ao clube, bar ou discoteca ao qual se associa frequentemente a prática de VJing. Contudo, as filosofias destes espaços de entretenimento parecem chocar ou pelo menos questionar a invocação de novas formas de acção artística, ou de linguagens de expressão perante a ambiguidade que o clube como contexto pode oferecer. Na cultura do clube, o papel do VJ é muito similar ao do DJ num sentido em que ambos se envolvem numa performance ao vivo: o DJ

mistura musica e o VJ projecta visuais. As culturas dos clubes são caracterizadas por oferecerem diferentes estilos musicais para diferentes tipos de cultura. Neste ponto, o DJ é visto como o representante óptimo destas sonoridades, enquanto que, o VJ é identificado pela simples função estética. O VJ como estereótipo é um performer ao vivo que trabalha lado a lado com o DJ, misturando visuais ao ritmo da música. Todavia, o VJing evoluiu patenteado, em norma, por uma presença secundária, sendo possuidor de um potencial artístico que nem sempre é valorizado. Isto acontece pelo contexto do clube, já que as pessoas são atraídas para estes espaços para dançar e alienar-se, e não, numa primeira instância, para ver arte ou prestar atenção à estética dos vídeos. Sendo assim, como validar conceptualmente VJing perante este contexto?

Considerando a evolução de VJing nestes espaços, Ziv Lazar acrescenta que os VJs “estavam a mostrar os seus trabalhos para as massas com pouco ou nenhum criticismo artístico e por fazerem isso, eles organizaram naturalmente o desenvolvimento de uma subcultura.” (Lazar, op. cit., 2008).

Em sociologia, antropologia e estudos culturais, uma subcultura é um grupo de pessoas com características distintas, com comportamentos e convicções que os diferenciam de uma cultura mais ampla da qual fazem parte. Por outras palavras, são pequenos grupos ou uma cultura não totalmente desenvolvida, que cultivam ideias similares relacionadas com um determinado factor. De acordo com Sarah Thornton [1] "a palavra 'subcultura' [é] um sinónimo para as práticas que os clubbers chamam de 'underground'.(Thornton, S., Club Cultures. Music, Media and

Subcultural Capital, 1996) Para completar, Hebdige [2] declara que uma subcultura tem

de ser identificada pelo seu próprio estilo e Ziv Lazar fala-nos da tecnologia como um estilo: “Se temos de aceitar a alegação de Hebdige de que o estilo é o que define uma subcultura, em seguida, usando a tecnologia como um estilo, o VJ está a reivindicar a sua singularidade como uma subcultura. […] Ao utilizar a

tecnologia como um estilo do VJ, está-se a "vender" a cultura do clube para fins de comercialização, originando assim em si uma pseudo subcultura.” (Lazar, op. cit., 2008)

Para Ziv Lazar, VJing tem um potencial comercial e isso está irremediavelmente ligado à tecnologia e à inserção de publicidade nos vídeos, mas para um artista VJ faz mais sentido concentrar-se em criar um conteúdo que a audiência aprovará em vez dos poderes comerciais que o VJing pode ter. Por outro lado Ziv Lazar contrapõe, “a tecnologia não pode ser um estilo e o resultado é que o VJ não definiu o seu estilo correctamente, e de acordo com Hebdige, não pode ser uma subcultura.”

[1] Sarah Thornton (US, UK) escritora / sociologista da cultura. Os seus trabalhos recentes são sobre clubes, raves, hierarquias culturais e subculturas na arte e no mercado da arte.

[2] Dick Hebdige (UK) teorista

dos média/ sociologista. M.A., Centre for Contemporary Cultural Studies de Birmingham, United Kingdom. Centra-se no estudo das subculturas.

A verdade é que “As culturas dos clubes comemoram tecnologias [...] e levam à formação de novas estéticas e juízos de valor.” (Thornton, op. cit., p. 4) Mas, "Em vez de festejar a convergência da tecnologia [...] devemos utilizar novos meios tecnológicos como uma oportunidade para questionar os nossos conceitos e modelos aceites em crítica." (Manovich, “The Language of New Media, 2001, p. 291) Através destas opiniões, é perceptível que, é muitas vezes na falta de acesso a tecnologia que surgem os trabalhos mais interessantes, pois a carência de tecnologia pode ajudar na focalização e na construção de um processo criativo.

De qualquer forma considerar VJing como uma subcultura é uma controvérsia. Certo é, que ao longo das últimas décadas os VJs querem vincar-se como artistas, como criativos visuais, e enaltecer VJing como uma cultura. Esta necessidade é uma exigência natural, visto que preparam performances cada vez complexas e visualmente estimulantes. Mas para isso é indispensável compreender o valor do VJ perante estes contextos. Um dos factores de contraste com outros tipos de arte, é reconhecer que os VJs inventaram o espaço artístico em vez de se converterem a uma galeria. Nos clubes, os VJs tem a oportunidade de fazer chegar arte a diferentes pessoas, fora do contexto inerente das galerias. Além do mais, os visuais, em regra, funcionam bem com o cenário de clube. O conteúdo torna-se o centro do trabalho do VJ, e oferecer a estes espaços um ambiente de estilo cinematográfico, é visto como um resultado satisfatório. O factor efémero e único das performances, aliado à capacidade de estimular e conduzir uma audiência com imagens, criando experiencias de sinergia e transmitir mensagens para além de sensações, é um dos potenciais de VJing. É uma forma de expressão poderosa, por permitir imersividade e proporcionar momentos gratificantes, quer para o artista, pelo seu poder reaccionário, quer para audiência, pela experiência. Os VJs abraçam a tecnologia e usam-na para se infiltrarem em novas práticas, novos conceitos e novas ideologias. A tecnologia tornou-se o fio condutor por detrás do Vídeo Jockeying pela necessidade de se explorarem novos métodos da criatividade visual, o que fez com que o VJing se difundisse para outras disciplinas artísticas encontrando pontos de convergência com outras culturas. Por outro lado, ao se desvincular um pouco da tecnologia, pode-se assim oferecer uma abertura para novos estigmas de performance, induzindo-se encontros entre a imagem e mensagens, tal como uma obra artística. A necessidade premeia-se então, em procurar alternativas estéticas e conceptuais, na criação de formas de apresentação de VJing.

VJING

|3. DESCONSTRUÇÃO E ANÁLISE QUALITATIVA

Ao longo das últimas década as experiências em VJing têm proliferado, existindo actualmente uma vasta dimensão de obras singulares. VJing é um acontecimento efémero, que não se repete na sua integridade. Por tal, as sintaxes visuais devem saber obedecer a esta variável mutável e orquestrarem-se com legitimidade no espaço e na experiência. O que se demanda actualmente é um argumento que assuma criticamente esta forma de expressão numa possibilidade ideológica. Assumir VJing como arte e como parte integrante de uma cultura, deve atender a um procedimento de consciencialização das suas potências e numa reformulação do seu papel fruitivo na cultura audiovisual. Desconstruir esta actividade e qualitativamente valida-la, adopta-se como uma tarefa necessária para a compreensão da sua complexidade construtiva, pois é edificada em algo que aparentemente parece menor do que o que na sua verdadeira acepção o é. VJing é um complexo organismo que se delineia por uma vasta área de domínios, dos quais se podem destacar os musicais, os conceptuais, os espaciais, e os

performativos possuindo intrinsecamente um conjunto de considerações sobre ciência, tecnologia, psicologia, sociologia, filosofia, teoria da arte e teoria da comunicação, que o englobam num intricado mundo de possibilidades. O que se procura consagrar é a compreensão de que a arquitectação de distintas variáveis

em Vídeo Jockeying, possibilita a configuração de dissemelhantes propósitos e sucessos performativos. Inclusive os praticantes de VJing estão a despegar-se de questões ligadas a aspectos práticos da produção, e a interessarem-se por ideias mais complexas de como e porque um determinado processo, por exemplo, se reveste de significado para o espectador.

A cultura electrónica, presenteada por um carácter dinâmico oferece múltiplas possibilidades criativas, pela facilidade de acesso a dados e pela aglutinação de diferentes áreas criativas e tecnológicas como design, música, programação, engenharia, etc. Esta multidisciplinaridade amplia as possibilidades de criação, mas nem todos os VJs assumem estes recursos, pelo contrário, existe ainda um longo caminho a exercer sobre o papel do VJ na cultura visual. Nick Currie [1] cita

VJ Ambrose White, que descreve dois erros comummente realizados por alguns VJs: “Primeiro, eles baseiam-se num base de dados de imagens muito pequena, o que faz com que loops familiares apareçam constantemente sem permitir um progresso na experiência. Segundo, eles falham na criação de uma narrativa coerente, com sentido e razão. Em VJing pode-se despender horas alterando e alienando o espaço do palco. Isto pode ser divertido de produzir, mas para a audiência é geralmente um insucesso […] A possibilidade de sucesso para os VJs é a de produzirem algo fantástico, coerente e relevante.” (Currie, Nick; VJ Culture: Design

Takes Center Stage, 2005, p.5)

Como o VJ Ambrose White refere, existe uma indispensabilidade de se encontrar um ponto de coerência e relevância nas construções visuais, e para tal é essencial um processo de consciencialização sobre as potencialidades de VJing. O espaço da experiência, as imagens em correspondência com os sons e o tecnicismo na materialidade produtiva dos visuais, garantem ao trabalho dos VJs características que indagam a sua exploração. Existem, porém alguns artistas performativos que exploram as potencialidades da imagem de forma quase extrema, consagrando diferentes obras, complexas e singulares. Mas será que existe uma ideologia nesta cultura apelidada de “underground”?

Ideologia é um termo inventado por Destutt de Tracy, em 1796 em Project d’Élements d’Idéologie, querendo significar ciência das ideias, o estudo

sistemático, crítico e erapêutico dos fundamentos das ideias.Genericamente,

erige-se num conjunto de ideias, pensamentos, objectivos, doutrinas e visões particulares de uma temática por um indivíduo ou de um grupo encaminhado para as suas acções sociais, sendo o seu principal objectivo o impulsionar de uma mudança social, i.e., a ideologia é um sistema de ideias conexas com a acção,

exigindo uma estratégia para a actuação.

Os pensamentos ideológicos constroem-se por pensamentos abstractos, fala-se

[1] Nick Currie (UK) nome

artístico Momus. Autor/ Compositor/ Jornalista/ www.imomus.com

[1]Patricia Moran (BR) Artista de vídeo experimental/ professora. Ph.D. Comunicação e Semiótica, Universidade S. Paulo. Esvolvida no estudo chamado “A metáfora dos Sentidos” na poética do VJ.

da realidade sobre um leve fundamento factual, pois prevalece a subjectividade, onde as ideias são construídas, no caso de VJing, por um grupo. A comunidade dos VJs tem uma estrutura híbrida, na qual subsiste uma divergência de perspectivas práticas e teóricas, que torna complexa a caracterização da função do VJ. Para alguns, o Vídeo Jockeying é apenas um momento de entretenimento, uma circunstância agradável que se constrói com imagens para complementar o espaço. Para outros, VJing é uma forma artística com fundamento crítico e um complexo trabalho técnico e criativo. Dada esta ambivalente perspectiva, não existe uma linearidade ideológica nestas comunidades, mas existe por parte de alguns criativos e teóricos, a vontade de se elevar esta prática para um patamar onde exista reconhecimento das suas idoneidades.

Posto isto, tomar consciência de domínios e idealizar conceitos apresenta-se necessário para um possível progresso nas práticas de VJing. Primeiramente é necessário compreender como se constitui VJing para posteriormente ser desconstruído e analisado. VJing é um acontecimento ao vivo, que compreende uma acção num espaço perante uma audiência, envolve-se com a música e constrói-se em tempo-real, baseando-se em estímulos e sensações. Patricia

Moran [1] fala-nos da existência de pactos: “O mergulho [imersão] num livro de

ficção, num filme, numa exposição, num videojogo ou num trabalho de arte interactivo pressupõe alguns pactos. Alguns priorizam aspectos ilusionistas, outros a manipulação física e intelectual, outros um jogo ligado mais estritamente à compreensão.” (Moran, Patricia; VJ Scene: Spaces With Audiovisual Score , 2009)

Esta noção de pactos assume-se como um conjunto de limites contextuais e objectivos que impulsionam a uma aceitação subentendida dessa execução por parte de um indivíduo. Como exemplo, VJing difere do pacto/situação do cinema. “Situação do cinema” é o termo definido por Hugo Mauerhofer em 1983 em A Psicologia da Experiência Cinematográfica. Este termo, procura resolver a visualização especial do regime do cinema, determinado como o mais completo isolamento do mundo exterior e das suas fontes de perturbações cognitivas, captando a atenção da plateia e orientando-a para o filme.

Em VJing o espaço da performance visual é configurado através da promoção da dispersão cognitiva. Ao negociarem com estas condições, as performances audiovisual ao vivo estabelecem um regime de visualização que é praticamente o contrário da “situação do cinema”negando a sua evolução histórica e valorizando a construção inicial do cinema. Posto isto, o processamento em tempo-real das performances visuais parece estar directamente oposto à dinâmica convencional das imagens em movimento: o cinema. Enquanto em performances audiovisuais

ao vivo a imagem transforma-se no mesmo momento em que é criada, no cinema a imagem (o filme) é gerado meses antes da sua instanciação, (durante a

projecção ), num processo complexo que vai desde guião à pós-produção, e pode levar anos para ser concluído.

Contudo, por uma perspectiva prática, a diferença entre ambas as situações é subtil. Projecções de filmes não são uma operação automática, mas um esforço activo que exige grande conhecimento técnico pelo operador. Envolve mudança de reels dos filmes, ajustar o áudio, monitorizar e corrigir as conjunturas da imagem. O projeccionista, tal como o VJ, opera em tempo-real para transmitir a mensagem. Num certo sentido, ele próprio é igualmente um performer, embora com caris negativo: ele deve prevenir que o filme não perca coerência durante a exibição. O VJ, por outro lado, apropria-se de uma performance positiva: ele cria coerência através de particulares samples visuais.

Compreendendo esta diferença de pactos que VJing possui face a diferentes formas expressivas que a ele parecem análogas e assumindo a compreensão das directrizes que o constituem para se poder proceder a uma evolução crítica e construtiva desta actividade, analisam-se nas páginas a seguir uma perspectiva pelas variáveis correlatas que compõe VJing e o potenciam, nomeadamente VJing e música, VJing e conceptualidade, VJing espaço e VJing performance.