• Nenhum resultado encontrado

IDIOSSINCRASIAS DA CULTURA DIGITAL

2.2. CULTURA OU SUBCULTURA?

2.2.1. IDIOSSINCRASIAS DA CULTURA DIGITAL

A fusão das capacidades de reprodução de realidades externas e a produção de ambientes sintéticos, juntamente com uma multi-linearidade instantânea de acesso a arquivos (Random Access) e com a cada vez maior idoneidade de armazenamento de informação e dados, o computador e consequentemente a digitalização impulsionam novos formatos, e com isso, novas formas de contar histórias, mesmo que não sejam necessariamente novos temas. É possível ver que, em obras criadas com computadores, tudo se move ou se manifesta num conjunto de algoritmos e de dados. Uma vez que ambos os elementos podem ser claramente diferenciados, pode-se dizer que o primeiro funciona como um motor, enquanto o segundo se torna um dos combustíveis. É neste fluxo que a arte digital se tem desenvolvido exponencialmente.

A presença artística do vídeo prevalece já há algumas décadas, contudo só depois da década 1990 com a evolução do hardware e do software e sua acessibilidade, foi possível melhorar experiências em diferentes áreas videográficas, incluindo VJing. A evolução técnica e a diminuição dos preços alteraram perspectivas para a arte e para os seus produtores, que começaram a realizar múltiplas possibilidades criativas. A digitalização foi a viragem decisiva, que permitiu que várias artes como música, fotografia, vídeo e cinema, fossem misturadas para a produção de

uma única peça de trabalho. Perante esta vertente digital, Couchot [1]discursa

sobre técnicas de figuração numérica e em como conseguem"modificar a arte, no sentido em que elas são utilizadas para controlar todas as imagens automáticas

[1] Dr. Edmond Couchot (FR) Artista Digital/ Teórico de Arte. Interessado na ligação entre arte e tecnologia e interactividade.

(fotografia, cinema, televisão), porque as mesmas serão transformadas em figuras que serão então registadas, tratadas, difundidas, conservadas e manipuladas." (Couchot, Imagem-Máquina: A Era das Tecnologias do Virtual, 1993)

A mudança do analógico para o ambiente digital possibilitou ainda, que os VJs viajassem de forma mais leve, facilitando e proliferando as performances com pequenos e poderosos equipamentos. Dessa forma, volumosos equipamentos, tais como os leitores de vídeo VHS, mesas de mistura vídeo, monitores e projectores foram substituídos por computadores portáteis e alguns cabos, para além disso, a maioria dos espaços de VJing (bares e discotecas) já instalaram a técnica necessária para a configuração visual dos espectáculos (e.g. projectores, monitores e telas). A digitalização, permitiu assim, compactar ferramentas físicas, aglomerar dados diversos e facilitou a mistura e recombinação desses mesmos dados. O que se observa, é que a cultura das imagens em movimento é uma cultura que está em desenvolvimento e continua a aumentar em tamanho e alcance. É importante considerar a multiplicidade de formatos de imagens que estão agora disponíveis nesta sociedade de informação, desde inúmeras imagens na internet, imagens em PDAs, protectores de ecrã, animações geradas por computador, renderings OpenGL, filmes, televisão, vídeo não-linear, etc. O que importa reforçar nesta diversidade de imagens e tipo de imagens, é que colocam os VJs como Tim Jaeger diz, qualificados como os “hiperindivíduos” do século XXI. O surgimento do termo “hiperindividuo” foi instituído em numerosos contextos actuais, mas tem uma ressonância especial para a comunidade das imagens em movimento. Um “hiperindividuo“ é uma metáfora biológica que funciona como uma forma de estender o corpo para grandes sistemas, que são cada vez mais globais. Poder-se-á dizer que um VJ é um “hiperindividuo”porque está interligado a diversas fontes imagéticas, numa inconstância de impulsos que funcionam como objectos da sua extensão criativa. “Hiperindivíduos: aqueles com a capacidade de se adaptar, sobreviver, e manterem-se em ambientes formados por uma grande quantidade de barulho, mudança e instabilidade.” (Jaegar, Tim; VJ as

a Hiperindividual, 2008)

Para se assumir a cultura VJ como modular e “hiper”, é necessário compreender a densa rede de comunicações vincada pela cultura digital, sendo ela desenhada por vários cruzamentos artísticos e políticos das imagens num contexto completo, desde a produção para consumo, ambientes, comunidades e inerentes contextos. A produção para o consumo está aliada a diferentes software e hardware, e outro tipo de dispositivos apelativos para VJing. Como reflexo desta presença

tecnológica, o VJ pode rapidamente criar protótipos de obras de arte utilizando

diversos software. Alguns software (e.g. Max/MSP, Resolume) oferecem assim, rapidez e flexibilidade permitindo uma veloz articulação de conceitos, sequências de imagens e vídeos, permitindo visualizar o que acontece. Esta ‘prototipagem rápida’ dos fluxos de informação permite que praticantes e audiência se liguem a um fluxo de imagens e a ritmos de repetições de presença e ausência de imagens, reconhecíveis em descontinuidades.

Os ambientes são igualmente modulares em VJing, variando desde ambientes de projecção, generativos, Web, arte pública, cinema, etc. Os contextos podem ser colaborativos, modulares, singulares, espaciais, e outros mais. As comunidades, por sua vez, sucedem desde redes e websites de VJs, clubes, espaços alternativos, festivais, entre outros. O que encontramos aqui é uma necessidade de articulação de diferentes factores que caracterizam o “hiper”VJ, que estão confrontados com a construção conceptual e performativa, desenhada pela cultura digital.

As comunidades de VJing proliferam e propiciam a incitação de uma nova cultura, a cultura da partilha (share). Um dos principais responsáveis pela diversidade e difusão de dados é a Internet, que merece ser mencionada aqui, como um meio imprescindível aos VJs, devido à sua importância para a propagação da cultura VJing. Na Internet, é possível fazer o download de software, participar em fóruns de discussão como VJCentral.com e ver e adquirir uma grande variedade de imagens. Tim Jaegar fala-nos desta nova cultura digital: “Espaço e tempo são importantes para os praticantes de média ao vivo, mas as novas formas que esta crescente modularidade e flexibilidade preenchem no esquema das coisas, não é um esforço para desenvolver um futuro orientado no cosmopolitismo, mas a nova capacidade electrónica de simular uma paisagem tribal, que faz parte de algumas das tradições que o homem tribal um dia experimentou […] Nesta mística tradição tribal que tem sido renascida na forma de batidas em círculos, DJ jam sessions, raves, festivais e outros eventos, onde as ‘tribos’ temporais formam uma duração e de seguida se desmantelam naturalmente.” (Tim Jaeger op. cit., 2008)

É nessas “tribos electrónicas”que as pessoas cultivam o seu conteúdo sinestésico. Estas comunidades são frequentemente auto-organizadas, e permitem a rápida divulgação da informação, e de ligação (potencialmente) “de todos para todos”. O benefício destes sistemas é que autorizam a acumulação de mais dados, mais informação, e através desde amplo recurso, o trabalho do VJ desenha-se cada vez mais dinâmico. O espaço é aqui uma rede descentralizada que possibilita uma rápida partilha de ficheiros, como o peer-to-peer (P2P), que é uma forma de acesso, acelerando-se assim esta descentralizada rede tribal. É precisamente esta sinestesia que caracteriza a mudança, o movimento relativo ao aumento de redes e espaços onde todos os sentidos estão sintonizados e activados.

Img.17 A Fonte, 1917, Ready- made de Marcel Duchamp

Hoje em dia é relativamente fácil aceder a ficheiros e partilhar através destas comunidades que se ampliam, reforçando-se esta “hiper” característica que o VJ pode ter. A digitalização veio assim, sublinhar o crescimento de plataformas e aumentar a dinâmica criativa dos artistas média, facilitando o acesso e ampliando possibilidades de representar imagens nas performances.