• Nenhum resultado encontrado

PERFORMER E AUDIÊNCIA

3.4. VJING E PERFORMANCE

3.4.1. PERFORMER E AUDIÊNCIA

No momento performativo constrói-se a obra, a qual o VJ desenha consoante o contacto com a pré-concepção da imagética e através de decisões impulsivas e reactivas perante a audiência. Este evento é transitório, move-se em tempo-real e ao vivo, e demanda uma incessante comunicação entre o performer e o público. Ao longo do contínuo e efémero instante performativo estabelecem-se conexões entre estes dois elementos. Há um duplo diálogo entre as imagens e os sentidos da audiência, e entre a audiência e a sensibilidade do VJ. Por este prisma, a obra em si apenas se figura através desta interacção. Contudo, uma comunicação de sucesso nem sempre é exímia, pois subsistem graus de aleatoriedade e de imprevisibilidade, desenhadas pelo improviso. Christine Mello, no seu artigo Imagens ao vivo, afirma sobre este assunto que "quando projecções incluem a participação da audiência e tempo-real no próprio núcleo de significado e

construção sensorial, elas tornam-se numa espécie de arte que não é orientada ao objecto, transitória e efémera, em oposição à arte relacionada com um produto específico (como um videoclip), para o resultado final de uma peça ou a contemplação de um espectador." (Mello, op. cit, consult. 22-05-2009)

O objecto artístico em si, não é suficiente como estudo, pois este ganha corpo nas relações momentâneas, e o valor artístico, por sua vez, conquista significado com base na experiência.

Uma das marcas do trabalho realizado ao vivo é sua relação com a pista. Mesmo previamente definida, a sequência dos sets de imagens dependerá da atenção ou dispersão da pista. A esta atenção e vibração do público é cognominada de Temperatura de pista, sendo uma expressão próxima à temperatura de cor, mas aqui procura-se um tipo de tom, cor, ritmo e qualidade visual para se constituir um ritmo de fruição, uma evolução de estímulos. O performer é responsável pela escolha do que projectar, quando projectar, o momento de retirar a imagem e

deixar apenas a cor branca ou outra cor, relacionando-se à construção do ritmo com o público. O modo como está a atenção do público, a quantidade de pessoas ali presentes e a música tocada vai criar a experiência.

Não existem regras que delineiam para qual imagem mudar ou não, mas existe um processo cognitivo: a cognição situada. Esta é-nos apresentada como um acto cognitivo resultante de uma simbiose quase perfeita entre o aprendiz e o meio envolvente, criado para favorecer uma aprendizagem, baseada em circunstâncias interactivas e em tempo real. A cognição situada define que todo ato cognitivo é um ato experiencial, e, portanto, situado, resultante do acoplamento estrutural e da interacção congruente do organismo no seu ambiente, ou seja, organismo e ambiente constituem uma unidade inseparável, e a dinâmica de interacção ocorre contínua e simultaneamente. Esta teoria ajuda a explicar estas pressões de tempo, escolhas em tempo-real, bem como a importância das acções no contexto destas práticas criativas. Como se activa a desempenho cognitiva no ambiente usando ferramentas e técnicas, bem como o movimento e espaço em tais ocorrências realizadas, tem uma importância fundamental na construção de experiências reactivas ao trabalho realizado. Aprender em tempo-real quais as imagéticas, efeitos, e ritmos que funcionam num determinado momento entre a música e o público, é o que permite ao VJ tornar-se mais consciente da imagem performativa, potenciando posteriormente as suas apresentações.

VJing cria reinos improvisados, onde os participantes se envolvem na criação momentânea do performer. Certo é que, para a audiência uma imagem passa, tão rápido, sendo difícil de afirmar a sua função, o seu contorno, numa primeira vista, e volta associada com outra, permanecendo agora por mais tempo, mas mesmo assim a imagem volta a escapar. A falta da imagem, aquela imagem que se tornou a companheira sequencial, passa a funcionar como uma solicitação para o ver. A construção visual funciona em sequências e ritmo, e essa articulação permite a construção de narrativas por cada elemento da audiência, pois trata-se de uma obra aberta a múltiplas interpretações, independentemente das suas medidas de abstracção ou figuração. A performance não conta histórias, mas sim induz à sua criação, i.e., o público é convidado a explorar a imagem e respectivas mensagens. A criação de narrativas é apenas uma amostra do poder imagético. O performer deve assim, contactar o público e convidá-lo a olhar mais vezes para a projecção usando repetições de imagens,sugerindo uma construção colectiva de um espaço e tempo. Apesar de não existir uma narratividade vincada, como no cinema, onde existe gradações de clímax, plot points e resoluções, existe igualmente essa noção de ritmo evolutivo. Pode considerar-se um progresso temporal, não só vincado

pela resposta da audiência, mas igualmente desenvolvida pela expressividade do artista performativo, o VJ.

A construção visual deve obedecer a um conjunto de processos de aprendizagem ao vivo, baseados na configuração visual e na reactividade de um público. O acto performativo é a base estrutural de todo o trabalho de VJing, é o que proporciona momentos sinestésicos, a construção de um ambiente imersivo, e a comunicação das mensagens que foram previamente arquitectadas num momento conceptual. A performance é um contacto, uma capacidade de criar laços entre as sensações e as imagens, é de facto, o momento criativo. O sucesso performativo envolve assim, experiência e conhecimento de causa, que apenas poderá ser harmonioso com treino da prática. Falar em VJing e nas correspondências entre audiência e performance é acima de tudo, saber dialogar.

Concluindo esta ideia, segundo Edmond Couchot, “a imagem é, uma actividade que põe em jogo as técnicas e um sujeito (artesão, artista...) que, além de operar com estas técnicas, possui um savoir faire que leva um ‘traço’, voluntário ou não, de uma certa singularidade. Como operador, este sujeito controla e manipula as técnicas, mas ele também é ‘operado’ por elas, é modelado pelas técnicas através das quais ele vive uma experiência íntima que transforma a percepção que ele tem do mundo: é a experiência ‘tecnestésica’. As técnicas não são somente modos de produção; são também modos de percepção do mundo. As técnicas novas não se entranham necessariamente numa nova imagem, mas fazem surgir as condições da sua aparição.” (Couchot, op. cit., 1998)