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PRÁTICAS DE RECOMBINAÇÃO

2.2. CULTURA OU SUBCULTURA?

2.2.2. PRÁTICAS DE RECOMBINAÇÃO

Os conteúdos imagéticos de VJing podem ser retirados da internet, filmados, digitalizados, extraídos de filmes e vídeos e usados com ou sem direitos de reprodução (copyright). "Elas [as imagens] são propriedade universal das redes de informação interligadas nos tempos modernos." (Mello, Christine, Imagens Vivas, [consult.2009-05-22])

Nesta extensão corporal, um dos produtos desta sociedade digital é o “ready- made”, que surgiu com as obras de Marcel Duchamp, o qual se fundamenta no transporte de um elemento da vida quotidiana, à priori não reconhecido como artístico, para o campo das artes. Duchamp procurava romper com a artesania da operação artística, uma vez que se trata da apropriação de algo que já está feito: escolhia produtos industriais, realizados com finalidade prática e não artística (e.g. urinol de louça, pá, roda de bicicleta), e os elevava à categoria de obra de arte. Desta forma, no contexto da cultura digital, a ideia de apropriação de algo que já está feito marca presença de forma mais ou menos subliminar perante recentes manifestações artísticas como o VJing. Nesta perspectiva, os produtos adquiridos podem ou não ser artísticos, mas serão de certo recombinados e alterados de modo a produzir uma “nova” obra. Na característica de VJing como performance, essa obra é apenas uma expressão finda em espaço e tempo, onde as recombinações se produzem de forma pontual.

Existe uma abordagem para se criar a "nova" arte, que começa por empregar existentes reproduções de outras artes, sejam imagens, sons, filmes ou texto e, em seguida, recombina os mesmos num hábito, utilizando esse material pré- existente como a fonte para um novo trabalho. Esta acção tem sido apelidada de diversas formas como sampling, apropriação, cut-up, mash-up, remix, colagem, montagem, e cada um desses nomes reporta-se a uma das suas múltiplas encarnações históricas. Esta remontagem de reproduções é uma característica das respostas artísticas à emergência da proliferação tecnológica ao longo do século XX e estende-se a utilizações actuais das tecnologias digitais.

Neste contexto, numa sociedade actual de multi-plataformas, sendo um VJ um “hiperindivíduo” e dirigido pela “remixologia”, o que encontramos diariamente

são trabalhos de diferentes artistas/criativos que são misturados de modo que, criam novas narrativas, novos contos. Remix é o acto modificar algo, baseia-se na capacidade de reunir dados numa imagem,sendo esta depois codificada com uma assinatura pessoal de estilo e efeitos, com o intuito de dar um sentido ou “novo”

sentido a essa montagem. Lucas Bambozzi [1]sublinha que"[…] amostragem, copiar,

colar, transformar ao vivo, têm sofisticado os fenómenos da reprodutibilidade. Estamos no ready-made e era digital remixing". (Bambozzi, Lucas; A Era do Ready-Made

Digital ; [consult.2009-05-22])

As práticas de recombinação vulgarmente encontradas nos média constituem um desafio para as convenções tradicionais de autor/espectador. O que é igualmente marcante sobre o padrão de repetição desta reutilização artística é alegação cada vez mais estridente de que esta abordagem constitui um "questionamento da autoria", especialmente evidente nas obras que aparecem no final do século XX em torno da ideia de "arte de apropriação". Nas artes visuais, a terminologia apropriação refere-se muitas vezes, à utilização de elementos ‘emprestados’ na criação de novos trabalhos. Os elementos ‘emprestados’ podem incluir imagens, formas e estilos da história da arte ou da cultura popular, ou materiais e técnicas de contextos não artísticos. Desde a década de 1980 que o termo tem-se referido mais especificamente, ao acto de usar o trabalho de outro artista para criar um novo trabalho. Neste ponto, o novo trabalho não afecta o original permanecendo acessível e sem alterações. Em VJing esta apropriação é culturalmente uma ferramenta de trabalho, traduzindo o VJ como um re-autor performativo. Michael Betancourt [2]fala sobre novos actos digitais de re-autoria:" *…+é possível reconhecer que, em vez de impugnar ou criticar as convenções tradicionais de autor/ espectador, práticas de recombinação servem para reafirmar essas posições e afirmar um papel autoritário para a fonte original do material.”

(Betancourt,Michael, VJ Wallpaper and Art, 2008)

Estas práticas de apropriação tornaram-se, em regra, banais e não perturbadoras, já que estas abordagens encontraram êxito no entretenimento popular. Contudo a recombinação levanta uma “questão de autoria”. Perante este sentido, estas repetições assumem um duplo carácter: aparecem através da reutilização de reproduções (o ‘bruto’ material do trabalho), e ao nível conceptual como um procedimento específico de adopção e remontagem. Estas práticas procuram sempre atingir um observador, e desta forma o que anuncia ser relativo é como atingem o interesse do observador, i.e., devem basear-se na forma como o novo trabalho reconfigura o antigo. Estas práticas convidam a audiência a criticar o trabalho, incitando que a audiência faça uso do seu ‘passado enciclopédico’ mental perante a “nova” obra.

[1] Lucas Bambozzi: (BR, UK)

vídeo artista/ artista multimédia /professor. MPhil Universidade de Plymouth, Inglaterra.Trabalha com vídeo, cinema, instalação e médias interactivas, com exibições em mostras em mais de 40 países. Dedica-se à exploração crítica de novos formatos de média

independente.

[2]Michael Betancourt (US)

teorista /critico/ historiador de arte/ artista

multidisciplinar. Ph.D Interdisciplinary Studies, University of Miami. Possui vários livros editados sobre Visual Music.

Para melhor compreender esta noção, Umberto Eco fala-nos das “variações ao infinito”: “ *…+ A variabilidade ao infinito tem todas as características de repetição, e muito pouco de inovação. Mas é o ‘infinito’ do processo que dá um novo sentido para o dispositivo de variação. O que deve ser desfrutado, sugere a estética pós-moderna, é o facto de que uma série de possíveis variações é potencialmente infinita.” (Eco, The Limits of Interpretation, cap.5 Varions to Infinity, 1994)

Eco assume assim, que qualquer repetição é consagrada por uma conotação de grandiosidade pelo seu poder de infinitude, inerentemente entrelaçada com novos sentidos. Eco conclui ainda que: “ *…+ O que se torna célebre aqui é uma espécie de vitória da vida sobre arte, com o resultado paradoxal de que a era da electrónica, em vez de enfatizar os fenómenos de choque, interrupção, novidade, e a frustração das expectativas, pode produzir um retorno para a continuidade, o Cíclico, o Periódico e Regular.” (Eco, op.cit., cap.5, 1994)

Sendo assim, estas repetições, em vez de perturbarem concepções de autoria, originalidade, e outros valores, servem como um meio de afirmação desses valores através do princípio da "variação". Com a mudança para a "variabilidade", quanto mais explícita a conotação, mais o público pode esperar reconhecê-la e, portanto, mais directamente se desempenha a nova instância contra o original. As variações impostas pelo artista tornaram-se o foco crítico em relação à obra original. Em vez de eliminar a autoria, ou mesmo criticar, o trabalho de remix / apropriação enfatiza o papel do autor, e são justamente as diferenças (se existirem) que são relevantes: “o papel do artista como autor não é minimizada aqui, é maximizada. O artista restabelece posições tradicionais para ambos artista e espectador: o artista domina, transformando um trabalho existente em algo ‘novo’. “ (Betancourt,Michael op. cit., 2008)

Dessa forma, o trabalho tradicional estabelecido que está a ser objecto de transformações é elevado em estatuto, e a apropriação do artista serve para redefinir esse estatuto, enquanto os espectadores, cientes da convencional variabilidade no centro da apropriação, reconhecem nas acções do artista uma afirmação de uma posição dominante autoral sobre a obra original, bem como, paradoxalmente, uma subserviência a esse trabalho.

Esta recombinação de imagens é uma das vertentes que costuma vincar os trabalhos de VJing. Certo é que, para alguns VJs usar material apropriado pode ter uma conotação política, quando falamos da sociedade de excessos. O que encontramos hoje em dia é um exagero de diversificação, o que impulsiona a reutilização do que está feito, em vez de se criar algo de origem. Neste sentido, ao assumirmos esta sociedade de partilha e de recombinação, os direitos de reprodução (copyright) continuam a vincar-se, embora distantes das barreiras

que procuram assumir. A barreira existente entre adquirir imagens e fazer uso de imagens já existentes, é clara para alguns VJs. Nesta comunidade existem duas perspectivas distintas. Para uns, usar trabalhos realizados por outros VJs é como tirar algo que já foi mostrado numa performance ao vivo. Mas algo diferente é por exemplo, apresentar excertos de um filme na performance, sabendo que todos os que o contemplam, compreendem que os VJs ao usarem essas imagens não estão a assumir que realizaram esse filme, mas sim, que apenas se estão a expressar através dele. E esta é a fronteira entre adquirir algo e desenhar algo inspirado no original. Por outro lado, alguns VJs não se vincam à propriedade dos seus trabalhos, sendo cada vez mais frequente, que VJs coloquem o seu próprio material na Internet para que outros possam fazer uso.

Para tal existe uma organização não lucrativa que permite expandir a quantidade de obras disponibilizadas livremente e estimular a criação de novas obras com base nas originais, recorrendo a um conjunto de licenças padrão que garantem a protecção e liberdade. Estas denominam-se por Licenças Creative Commons – com alguns direitos reservados. As Licenças Creative Commons situam-se entre os direitos de autor (todos os direitos reservados) e o domínio público (nenhum direito reservado). Têm âmbito mundial, são perpétuas e gratuitas. Através das Licenças Creative Commons, o autor de uma obra define as condições sob as quais essa obra é partilhada, de forma proactiva e construtiva, com terceiros, sendo que todas as licenças requerem que seja dado crédito ao autor da obra, da forma por ele especificada. Posto isso, alguns VJs recorrem a estas licenças para partilharem os seus visuais pois assumem que tal pode ser uma forma publicitária a si próprio, e a uma incitação ao aumento das comunidades de VJing. É certo que, usar material existente acaba por ser significativo, pois é um requisito para reutilização.

Copyright é portanto, uma ideia não muito exaltada em VJing, pois o seu papel é a de misturar imagens, além disso as comunidades divulgam e partilham, e as imagens adquiridas, são em género, modificadas e alteradas, arquitectando-se diferenças perante a original. Contudo, em paralelo, as leis de copyright tendem a ser mais restritas, o que faz com que este tipo de arte apropriada se torne mais difícil e ilegal. Certo é, que nesta sociedade de informação estigmatizada pelas extensões tecnológicas, a internet por exemplo, tornou-se o lugar mais vasto e desorganizado de informação, sendo que, plataformas como e.g. o youtube, proliferam a possibilidade de aquisição de vídeos, complicando ainda mais a possibilidade de controlar este tipo de recombinações. Em regra, este vínculo

legal é controverso, contudo estamos na era das reproduções onde podemos Img.18 Creative Commons icones

[1] Critical Art Ensemble (US)

fundado em 1987, é um colectivo de 5 artistas galardoados, dedicados à exploração das intersecções entre arte, tecnologia, politicas radicais e teoria crítica. Trabalham com computer graphics, Web design, vídeo, fotografia, text art, book art e performance.

encontrar “variações ao infinito” como Umberto Eco refere. Este é o reflexo do homem digital que desenvolveu coisas demasiado amplas para poder controlar. O colectivo Critical Art Ensemble[1] acredita que "pode verificar-se que hoje plagiar é aceitável, e até mesmo inevitável, no contexto da existência pós-moderna, com a sua estrutura tecnológica". Eles sublinham, "um dos principais objectivos do plágio é restaurar o fluxo instável e dinâmica dos sentidos, tirando fragmentos da cultura e recombinando-os." (Ensemble 2001, cit. por Tordino, Daniela op. cit., 2007). Nos nossos dias, é fácil aceder a ferramentas de vídeo e adquirir imagens, mas a verdade é que, nesta controvérsia dos direitos de reprodução, experimentações com imagens, quer sejam próprias ou adquiridas, é com o que os VJs geralmente se ocupam. Existem alguns VJs que apenas misturam fragmentos de materiais existentes, mas estes seleccionam e combinam imagens de forma a criarem uma nova e apelativa coerência. Mas no fim, critérios de qualidade para os VJs estão acoplados na arte de criarem imagens próprias, originais e em misturá-las. Somente copiar imagens de diferentes fontes não costuma ser satisfatório para a comunidade VJing. VJs que criam o seu próprio material são assim, geralmente considerados. Mas certo é, que o importante em VJing é poder oferecer à audiência uma experiência de algo novo, apelativo e satisfatório.