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Encerramos enfim o campo com muita música, alegria, samba e convicção de que apesar dos pesares, dos impro- visos, da falta de estrutura, do microfone atrapalhando, das ausências, a apresentação e nosso trabalho durante o semestre foi incrível é muito significante para todos que fizeram parte. A pergunta final instigada pela professora, sobre o que é preciso para situações e momentos como esse acontecerem, acredito que é preciso apenas de pes- soas com ideias, vontades, motivações e principalmente sonhos, independente do local, dos empecilhos que possam aparecer. (Narrativa da aluna)

Já passamos por diferentes momentos deste processo de criação/formação/interventivo, um trabalho vivo que já produziu pesquisas, artigos, interlocuções, apresen- tações e que não cessam de nos interpelar: um trabalho vivo e desafiador.

 Consideramos vivo, porque apesar de nos balizarmos por guias precisas, norteadores ético-políticos de nossas ações, não temos controle das situações, pois o trabalho se efetua no encontro com as pessoas, seus mundos e ambientes e vamos a todo o momento lidar e aprender com as situações na medida em que acontecem. Além

disso, somos parte de algo muito maior: sistemas plane- tários, interesses, vetores de poderes, os mundos.

No entanto, o escritor uruguaio Eduardo Galeano (2019), em um texto que se tornou famoso há uns anos atrás, afirma não haver nada mais importante que o direito de sonhar. Segundo ele, somente fixando os olhos mais para lá da infâmia podemos adivinhar um outro mundo possível.

Estas experiências artísticas buscam ativar assim a nossa sensibilidade para a produção do comum, para a invenção concreta de outras realidades, outros modos de estar na vida, como acontecem nos encontros às quartas- -feiras, mas não somente para as mulheres, mas para to- dos ali presentes. Trata-se de dar lugar a uma comunida- de expressiva que busca forjar brechas para a arte, para a formação, para as práticas de saúde, mas sobretudo, para as vidas de todos os envolvidos (Lima, 2017).

No plano das sensibilidades, esta experiência se con- figura como um problema do comum e como um desafio político que se coloca de modo privilegiado para a arte e para a clínica, mas não só, afinal é bastante crítico o estado daqueles que se tornaram indiferentes à desapro- priação de sua potência coletiva, considerando natural que ela possa ser expropriada e explorada por outros (Teixeira, 2015). Para o autor as microproduções cotidia- nas do comum que estão disseminadas pela paisagem metropolitana, (ao nosso ver, é isto que buscamos com

4 Segundo Teixeira (2015): “para Hardt e Negri (2009), essas experiências de trabalho e luta política nos conduzem a um «conceito político de amor», reconhecido na produção do comum e na produção da vida social”.

o Delicadas) testemunham uma possível resistência ou emergência de uma sensibilidade ao comum, tornando- -nos sensíveis e perceptíveis ao poder constituinte desse comum, considerada por alguns autores como “autênticas expressões políticas do amor”4.

Isso também nos leva à problematização do que Jacques Rancière (2005) chamou de partilha do sensível: partilha que se encontra no cerne das relações entre estética e política, que estabelece para cada um o fato de ser ou não visível num espaço comum, ser ou não dotado de uma palavra.

Se hoje as torções e tensões nessa partilha deslocam os lugares do artista, da arte e do público, fazendo com que suas fronteiras borrem-se e multipliquem-se, isso convocamos a um exercício de tecer conexões que possam reativar a potência da arte de engendrar outras sensibi- lidades, outras formas de vida e de associação, outros mundos possíveis” (Lima, 2017, p. 83)

Neste sentido, estar a espreita destes jogos, produzir outras experiências lúdicas, inventivas, alegres no sen- tido posto por Espinosa é a nossa contribuição através deste trabalho, que reafirma a potência das práticas artísticas e corporais como produção de si e de mundos, onde cada um tem um lugar a ser reconhecido critica- mente, mas também sonhado e inventado.

AGRADECIMENTOS

A todas as mulheres, alunos e alunas que participam desta experiência, à Universidade Federal de São Paulo e parti- cularmente ao Eixo Trabalho em Saúde, que nos permite ensinar e aprender no espaço acadêmico, ao Instituto Arte

no Dique que acolhe os nossos encontros, aos bolsistas do Projeto de Extensão Delicadas Coreografias, à aluna Mayara Cristine Ribeiro pelo apoio permanente e ao fotógrafo Alex Reipert e à fotógrafa Nice Gonçalvez pelos registros.

REFERÊNCIAS

Espinosa, B. (1983). Ética (3. ed). São Paulo: Abril Cultural. Guzzo, M.S.L., Liberman, F., Gonçalvez, N., Tonon, L.M., Maximino, V.S. & Federici. (2018). Parangolés: inspi- ração para dançar no território. Interface (Botucatu), 22 (67), 1287- 1298. Disponível em: http://dx.doi. org/10.1590/1807-57622017.0987

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Liberman, F. & Maximino, V.S. (2016). Acessibilidade e experiência estética: um trabalho com mulheres em situação de vulnerabilidade. Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 24 (1), 139-146. Disponível em: http://dx.doi.org/10.4322/0104- 4931.ctoRE0671

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Galeano, E. (2019), Portal Raízes, Recuperado de: https:// www.portalraizes.com/eduardo-galeano-delirio-mundo- -possivel/ e O direito de sonhar, Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=jU0jgVTFdhg

BIOGRAFIAS

SHORT BIOS

Flavia Liberman. Professora Associada na Universidade Federal de São Paulo.

Marina Guzzo. Professora adjunta na Universidade

Federal de São Paulo.

Conrado Augusto Gandara Federici. Professor adjunto na Universidade Federal de São Paulo.

Flavia Liberman. Associate Professor at the Federal University of São Paulo

Marina Guzzo. Adjunct Professor at the Federal University

of São Paulo.

Conrado Augusto Gandara Federici. Adjunct Professor at the Federal University of São Paulo.

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