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DIMENSÕES ÉTICAS, ESTÉTICAS E POLÍTICAS DA EXPERIÊNCIA

Pensar nessa experiência é pensar no compartilhar. É um caminho cantado e tocado. Tocando instrumentos e pessoas. É perceber que no caminho que se faz, é nele que se constrói. É encontrar, a cada momento, uma mão entrelaçada a sua. É ouvir histórias. Por vezes duras. Por vez leve como uma receita de bolo. É o estar junto. É o sentir junto. É o rir junto. É o se mexer e assim perceber a força que uma remexida tem. (Narrativa de aluna).

O trabalho que realizamos tem como característica e condição o que denominamos entreprofissional (Henz, Garcia, Costa & Maximino, 2013), pois é coordenado por docentes e estudantes de diferentes cursos da área da saúde, na busca daquilo que é comum à todas as formações agregando para isto, justamente, a diferença que pode produzir maior enriquecimento, aprendizado e “emergência do novo” nas ações de cuidado que balizam a nossa prática profissional.

No acompanhamento e construção deste grupo de mulheres são experimentadas proposições ligadas às práticas corporais, dança, música, artes plásticas, jogos, massagem, enfim dinâmicas e dispositivos variados e variáveis de acordo com o contexto, agenciamentos, disponibilidades, desejos, ideias que vão emergindo ao longo dos processos de cuidado ativados na produção de um comum no estar/fazer e criar juntos provocados pela experiência artística.

Resumidamente podemos dizer que estas ações

comportam assim diferentes dimensões:

• Dimensão artística/estética (que diz respeito ao traba- lho artístico e sensível com todos os participantes); • Dimensão formativa (que envolve situações de trocas, en-

sino e a vivência de metodologias pedagógicas criativas); • Dimensão de pesquisa (que envolve diferentes pesqui- sas que emergem destas experiências com enfoque nas articulações entre temas relacionados ao corpo, às artes e à saúde ;

• Dimensão interventiva, de cuidado em Saúde (com- preendendo a saúde como potência de vida e não re- missão de sintomas e/ou cura de determinada doença); • Dimensão política (que envolve pensar e agir na

articulação entre micro e macropolítica como dimen- sões indissociáveis, pois o tecido social é composto e construído por relações e a construção dos corpos, ou melhor, os seus modos de funcionamento são efeitos de vários fatores: da cultura; da genética com seus aspectos ligados à hereditariedade; da vida do sujeito e dos acontecimentos vividos; dos tipos de vínculos estabelecidos ao longo de uma existência e da subjeti- vidade que acompanha, molda e orienta certos modos de funcionamento dos corpos e da vida em deter- minado tempo/espaço, entre tantos outros aspectos (Liberman, 2010, p. 450). Vivemos e construímos redes, uma ecologia relacional2 (Favre, apud Liberman, 2010)

que comporta aspectos éticos, políticos, econômicos, experienciais, objetivos e subjetivos da experiência.

Figura 2. Ensaios. (Foto: Nice Gonçalvez).

3 O projeto Teatro de Identidades é um projeto teatral de investigação ação com e para seniores, que nasceu em 2012, fruto de um protocolo entre a Escola Superior

Este grupo já realizou outros projetos: Projeto Parangolés, inspirado nas Obras de Hélio Oiticica (Guzzo

et al., 2018); O Projeto Casas, que acontece simultanea-

mente a outras ações, pois realizado na casa das mu- lheres onde, por exemplo, os alunos e alunas oferecem música, poesia, lanches, palavras, presentes, entre outros e tantas outras propostas envolvendo as diferentes lin- guagens artísticas na produção de afetos, encontros que dão ensejo a processos de subjetivação que modificam os modos de ser, fazer, sentir de todos os participantes sejam eles alunos, alunas docentes ou as mulheres.

Além disto, interferimos no equipamento onde acon- tece este projeto, pois buscamos, a todo o momento, ampliar o acesso a esta população (de mulheres, com diferentes desafios de ordem física, psíquica, econômica e social) a este serviço, compreendendo que o acesso à

experiência estética é direito de todxs e não apenas as

camadas mais privilegiadas da sociedade (Liberman & Maximino, 2016). Trata-se de promover experiências com pessoas comuns e que muitas vezes se encontram na invisibilidade, desqualificadas e pouco reconhecidas em seu saber e potência.

Podemos ressaltar a criação de um ambiente con- fiável e de cultivo da intimidade como força motriz para produzir Bons encontros ou Alegria (Espinosa, 1983) como norteadores éticos da experiência tanto na dimensão for- mativa, no acompanhamento dos alunos e alunas, quanto na convivência estabelecida entre todos os participantes envolvidos nos processos de cuidado, criação e produção

do comum.

Ao realizarmos estes projetos com as mulheres desta região com inúmeras vulnerabilidades, desfavorecidas como tantas outras, pelas políticas públicas, mas também pelos nossos olhares e corpos, estamos diante do que alguns autores chamam de expropriação do comum, que desarticula o mundo e destrói o espaço público, aquele

em que podemos nos encontrar e existir em nossas diferenças, cada um diante dos outros (Lima, 2017). Para a autora, a expropriação do comum, ao destruir o mundo e enfraquecer a experiência pública e política, torna obso- letos muitos dos seres humanos. Há hoje uma quantida- de enorme de corpos e de existências que não são neces- sárias para fazer girar a grande máquina capitalista. Para Teixeira (2015), o que é mais alarmante em meio às ondas privatistas dos tempos neoliberais é justamente banali- zação e a naturalização dos processos de desapropriação dos recursos necessariamente comuns apontando que os cercamentos daquilo que é comum é mais complexo que uma privatização. Implica em desempoderamento, desapropriação e privação de direitos.

Nesta experiência, coordenada há algum tempo por docentes da Terapia Ocupacional e da Educação Física e que têm em comum ações de ensino, pesquisa e extensão nas temáticas que articulam corpo, arte, saúde, coleti- vos, performance em espaços públicos, entre outras, o

Delicadas acontece às quartas-feiras no Instituto Arte no

Dique, com o objetivo claro de resistir a tais processos, sempre partindo dos desejos do grupo, de seus sonhos, na produção do comum.

Os encontros assim, acontecem no Instituto, mas também na praia, em algum parque, numa biblioteca, na casa de alguma das mulheres. Podemos dizer que estes dispositivos regados pelos afetos e desejos são flexíveis e porosos, modificados pela entrada e eventual saída de alguma participante e da troca de grupo de alunos e alunas realizada a cada semestre, promovendo a cada etapa uma experiência singular construída a partir dos desejos que permanecem e na invenção de novos sonhos para aquele coletivo.

Desde 2018 e influenciada por um projeto português de teatro a domicílio com o tema dos Sonhos3, decidimos

de mulheres no Brasil com o objetivo de “dar um con- torno” a toda aquela experiência que vínhamos fazendo. Este tema tem oferecido inúmeras possibilidades de

de Teatro e Cinema (ESTC) e a Câmara Municipal da Amadora (Divisão de Intervenção Social). Tem como objetivo levar a experiência teatral a Instituições de Apoio aos seniores e promover a inclusão social e a participação ativa dos cidadãos através desta expressão artística. Em 2015, a partir de um desafio lançado ao artista-peda- gogo António Vicente, aquando de uma reunião multidisciplinar, foi decidido dar início às primeiras sessões de teatro ao domicílio. No momento atual, o projeto está presente em 5 Instituições com resposta social Centro de dia/Centro de convívio e 5 domicílios. A equipa de artistas é constituída por alunos e ex alunos do Mestrado em Teatro e Comunidade, da ESTC e coordenada pela professora Rita Wengorovius.

Vicente, António. Quando o teatro vai à casa: uma experiência com seniores, comunicação apresentada no 1.º Fórum de Saúde Mental, promovido pela Câmara Municipal de Lisboa, nos dias 26 e 27 de setembro de 2018.

aprofundamento e experiências para o “estar e criar juntos” e tem produzido momentos de questionamento, exercício do pensamento, aprendizados, poesia e criação.

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