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III – ESTAÇÕES DE UM PERCURSO NO INTERIOR DO CIAJG Ao chegar ao museu, o visitante deparava-se com uma

grande bacia de barro colocada no exterior, onde uma pequena fogueira ardia. No espaço do hall, onde o públi- co aguardava, alguns intérpretes convidavam subtilmente elementos do público para como eles partilharem um percurso até à fogueira. Durante esse trajeto liam-se pe- quenas frases escritas num pedaço de papel que depois se lançava ao fogo.

Sem pré-aviso, surgia, no varandim do piso supe- rior, uma quantidade de gente que observava o público que, no piso inferior, aguardava. As vocalidades que começavam, de cima, a ser produzidas pelos intérpretes davam o mote para uma atmosfera de surpresa e escuta

que estaria presente ao longo de todo o espetáculo. Colocando-se em evidência o rosto humano, para ser observado e contemplado, estabelecia-se um jogo, entre público e intérpretes, de ver e dar-se a ver, de olhar e ser olhado – dimensões que, de uma ou outra forma, se inscrevem no universo da máscara.

A espectadora M sintetiza a sua experiência:

Quando aquele grupo todo surge no início e ficam ali a olhar para nós foi, para mim, um momento com uma intensidade dramática muito impactante. (espectadora M, entrevista, 28/10/2018)

Convida-se, depois, o público a subir. Nesse patamar, o público mistura-se com os intérpretes e são guiados até uma porta de acesso às salas do museu que, ao abrir-se, lhes desvenda um mundo de obras de arte. As salas encontram-se quase totalmente no escuro, mas, com as lanternas que alguns intérpretes usam, as peças são como que ‘acordadas’. A luz alterna entre o indicar do caminho e o desvendar dos objetos que ali se expõem; pequenas frases que evocam, de forma direta ou meta- fórica, o universo da máscara são sussurradas ao longo

do percurso – a atmosfera prepara a chegada à sala onde estão expostas as máscaras africanas.

Ao entrar na Sala das Máscaras, as lanternas são oferecidas a alguns elementos do público, e são eles que escolhem que ações querem salientar: ora os intérpretes, ora as máscaras, ora os membros do público! Os Nicolinos executam gestos vigorosos e exuberantes, maiorita- riamente em uníssono, com sons impactantes, fortes e estridentes, havendo ainda lugar a pequenas ‘afrontas’ físicas, tanto às máscaras como ao público.

Figura 3. Diálogo entre Máscaras. (Foto: Bruno Barreto).

H retrata o que sentiu:

Eu já tinha estado naquela sala várias vezes, conheço aquelas máscaras, mas neste espetáculo elas ficaram, para mim, muito diferentes. Encaro-as agora de uma for- ma bem mais direta. Por detrás de cada uma daquelas máscaras estávamos nós próprios. (espectadora H, en- trevista, 29/10/2018)

A fuga de rompante dos Nicolinos daquele sala ar- rasta o público para voltar ao espaço anterior mas onde é agora convidado a entrar num corredor criado por um grupo de performers: de cada lado, uma fila, onde uns e outros ficavam frente a frente, e, no meio, um espaço

livre onde o público passava. Durante esta passagem, o público tomava parte de uma ‘cerimónia’. A coreografia termina com os performers a realizarem um pequeno traço de tinta na face. Uma das espectadoras revela a sua reação:

No momento em que realizam aquele ritual de erguer a taça e fazem algumas ações cerimoniais e onde pintam a cara com um traço, fui transportada para um outro espaço porque estava a ver o que os atores faziam mas ao mesmo tempo olhava para tudo o que estava à volta, os objetos expostos, e mesmo as palavras e os textos que estavam escritos na parede. (espectadora S, entrevista, 28/10/2018)

Figura 4. Movimentos repetitivos em espiral. (Foto: Bruno Barreto).

Quando se chega de novo ao varandim, a situação inverte-se: é agora o público que, na mesma posição em que os intérpretes se encontravam no início, observa, no andar de baixo, uma movimentação repetitiva e em círcu- lo, que todos os intérpretes estão, em diferentes órbitas, e progressivamente, a realizar. Depois de uma pausa onde todos observam, de baixo para cima, o público, uma explosão sonora e de ação é o sinal que dá continuidade ao trajeto.

Eis a perspetiva de dois dos espectadores entrevistados:

Quando somos nós, de lá de cima, a olharmos para baixo, temos uma outra perspetiva, completamente diferente do que tinha acontecido no início; temos a possibilidade de perspetivar como vocês tinham olhado para nós. Vimos as vossas ‘máscaras’, tal como vocês estavam a ver as nossas caras lá em cima. Nestes dois momentos havia um encontro de cara a cara, de olhar a olhar, de troca e partilha. (espectadora M, entrevista, 28/10/2018)

Naquele momento onde existiam aquelas rodas cá em baixo e em que o grupo fazia e nós nos encontrávamos a ver de cima essas ações, pensei: a força que as pessoas podem ter quando se encontram todas juntas, mesmo só a fazer uns círculos, coisas simples, umas para um lado

e outras para outro… Eu acho que essa foi a parte mais vibrante. Conseguimo-nos colocar na posição do outro! (espectador C, entrevista, 28/10/2018)

Segue-se mais um momento de transição, onde todos descem um lance de escadas. Um dos grupos de intér- pretes que ladeia as escadas pelos dois lados explora variadíssimas possibilidades de ‘deformar’ a cara. Uma das intérpretes observa:

Quando faço as caretas, faço viver na estrutura do meu corpo aquelas máscaras que estão na sala de cima. Se fosse a fazer isto sozinha, de certeza que não tinha co- ragem para fazê-lo, mas, como estamos em grupo, tudo é diferente. Sentimo-nos acompanhados, desinibimo-nos. Liberta fazer isto em conjunto! (intérprete H, entrevista, 29/10/2018)

O público é, então, acolhido, no nível – 1, no andar abaixo, por uma outra ação performativa, plena de movi- mentos repetitivos, sons e canções; é o rufar dos tam- bores que chama para a observação de uma luta entre

Nicolinos, que, ao dispersarem, interpelam o público a

descer para, finalmente, entrar na Sala Preta, onde uma grande parte dos intérpretes, alinhados, dizem uma pa- lavra aos elementos do público antes de colocarem a sua máscara. É deste modo que o espetáculo termina.

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