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CARTOGRAPHIES OF BRAZILIAN PERFORMING ARTS

VICENTE CARLOS PEREIRA JÚNIOR

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

ABSTRACT

O Serviço Social do Comércio (Sesc) está presente em todo o território brasileiro e realiza há 22 anos, o projeto Palco Giratório e, há 12 anos, o projeto Amazônia das Artes, com circulação de diferentes expressões artísticas por Estados das regiões norte, nordeste e centro-oeste. Ao longo desse período, centenas de coletivos de teatro, dança e circo encontraram oportunidade de expandir o alcance de sua ação cultural, apresentando seu trabalho, ministrando capacitações e vivendo intercâmbios para além do eixo hegemônico do mercado cultural brasileiro, instalado entre as capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. Essas ações vêm contribuindo simultaneamente para a formação de novos

públicos para as artes cênicas em capitais e interiores, para o surgimento de novos artistas e coletivos e estimulando processos artísticos experimentais em territórios que registram ausência de aportes privados ou governamentais para o setor cultural. São projetos realizados anualmente e construídos a partir da atuação de redes de curadores residentes em todos os Estados brasileiros. O presente artigo pretende apresentar alguns aspectos dessas ações, destacando trabalhos artísticos desenvolvidos em regiões economicamente periféricas, entendendo que a visibili- dade sobre os mesmos implica reconfigurar o panorama hegemônico da produção artística brasileira.

The Social Service of Commerce (Sesc) is present in all Brazilian territory and promotes for 22 years the project Palco Giratório which fulfills tours of performing arts by all States of the country and for 12 years the project Amazônia das Artes with exchanges among artists from different expressions and audiences living in the States of the north, northeast and cen- tral-western regions in the country. Throughout this period, hundreds of theatre, dance and circus collectives have found opportunities to expand the reach of their cultural action, presenting their work, providing training and living ex- changes beyond the hegemonic axis of the Brazilian cultural market, established between the cities of São Paulo and Rio

de Janeiro. Those actions have contributed simultaneously to the growth of new audiences for the performing arts in large cities and countryside towns, for the emergence of new artists and collectives and stimulated experimental artistic processes in territories that register the absence of private or govern- mental sponsorships. Those projects are carried out annually and built by networks of curators who live in all Brazilian States. This article intends to present some aspects of those actions, highlighting artistic works developed in economically peripheral regions, understanding that their visibility implies reconfiguring the hegemonic panorama of Brazilian artistic production.

PALAVRAS-CHAVE

KEYWORDS

Sesc Amazônia das Artes; Palco Giratório; Teatro Brasileiro. Sesc Amazônia das Artes; Palco Giratório; Brazilian Theatre. O Serviço Social do Comércio (Sesc) é uma empresa pri- vada mantida por contribuições compulsórias de empre- sários do comércio de bens, serviços e de turismo. Criado

pelo Decreto de Lei 9.853 de 13 de setembro de 1946, o Sesc tem por missão promover ações socioeducativas que contribuam para o bem-estar social e a qualidade de vida

dos trabalhadores daqueles setores da economia, de seus familiares e da comunidade, para uma sociedade justa e democrática. Presente em todo território brasileiro, por meio de uma estrutura federativa que conta com adminis- trações autônomas em todos os estados do país, possui um departamento nacional, localizado na cidade do Rio de Janeiro, ao qual cabe a função normativa e o desenvol- vimento de políticas para suas cinco áreas de atuação, a saber: assistência social, cultura, educação, saúde e lazer.1

No presente, as ações em arte e cultura desenvolvidas pelo Sesc contam com considerável reconhecimento pú- blico, a ponto de matéria do jornal El País ter identificado o diretor do seu departamento regional em São Paulo, Danilo Santos de Mirando, como um “outro” Ministro da Cultura (Moraes, 2015). Embora surpreenda a importância de seus investimentos no setor cultural, em contraste com a precariedade e a instabilidade das políticas públi- cas, é notável certa confusão feita pela reportagem com relação ao escopo da gestão de um ministro de Estado.

Como veremos adiante, quando se fala em mercado cultural, em historiografias das artes e em acesso a bens artísticos e culturais, comumente se tomam as realida- des de São Paulo e do Rio de Janeiro pelas realidades do restante do país. Portanto, apesar de inadequada, a metáfora utilizada pela jornalista não engana a reali- dade da distribuição dos orçamentos e segue coerente com o discurso hegemônico. O exemplo da Lei Federal de Incentivo à Cultura (antiga Lei Rouanet) ilustra bem essa desproporção já que, conforme apuração recente, 68% do total de recursos investidos destina-se a projetos realiza- dos naquelas duas cidades (Carrança, 2018).

Interferir nessa desigualdade de acesso às obras e aos meios de sua produção, ampliar a compreensão de cidadania cultural para abarcar indivíduos e comunida- des situados fora desse pequeno e poderoso eixo são alguns dos principais objetivos de projetos realizados pelo Sesc desde o início da década de 1980. A realização de projetos de âmbito nacional vem demandando refinar metodologias que viabilizem a circulação de bens cultu- rais pelo vasto território brasileiro, bem como buscar for- mas de garantir comunicação horizontalizada e eficiente entre equipes, criadores e comunidades, tendo em vista a grande diversidade de sotaques, as especificidades locais e as desigualdades regionais.

No ano de 1998, respaldado por esse histórico de atuação e tendo uma importante referência no projeto de itinerância teatral chamado Mambembão, realizado pelo governo federal entre os anos 1978 e 1980, surge o projeto Palco Giratório. Circuito nacional de turnês de coletivos cênicos realizado anualmente desde então, esse projeto se beneficia da extensa rede de unidades do Sesc pelo país e alcança, além das capitais de todos os estados, também as pequenas cidades, “descentralizando a arte e estabelecen- do outras redes de circulação e intercâmbio”2.

Não são poucos os desafios geográficos e sócio-po- líticos de se promover circuitos artísticos pela extensão

1 (http://www.sesc.com.br/portal/sesc/o_sesc/, recuperado em 26 de novembro, 2019).

2 (http://www.sesc.com.br/portal/site/PalcoGiratorio/2018/opalcogiratorio/O+Projeto/, resgatado em 17 de dezembro, 2019).

continental do Brasil, abarcando culturas diversificadas e desigualdades estruturais. Acrescente-se a isso o fato de que o Sesc não é constituído por uma estrutura unificada e homogênea, mas dividido em departamentos regidos por presidências e conselhos deliberativos locais, o que demanda um trabalho de articulação fundamental em tor- no da pactuação dos requisitos mínimos para a realização da ação. Da alta gestão ao âmbito técnico, a aliança que possibilitou o estabelecimento do Palco Giratório se refle- te num processo de construção compartilhada que reúne uma rede de curadores e programadores em artes cênicas constituída por representantes de todos os estados. São profissionais que dialogam localmente com artistas e produtores, conhecendo o que se produz em teatro, dança, circo, performance e as condições em que se dá essa produção. Mapear obras e criadores, identificar espaços de fruição e de formação, mediar a atuação desses agentes e os públicos das unidades operacionais do Sesc – são ações que retroalimentam a rede mais ampla de fazedores e que possibilitam pensar uma política para as artes cê- nicas no país. Essa malha interestadual de colaboradores é chamada Rede Sesc de Intercâmbio e Difusão das Artes Cênicas. É importante ressaltar que processo semelhante tem sido construído nas áreas de artes visuais, literatura, audiovisual e música (Pimentel, 2018, pp. 90-107).

Uma das ideias que se desprende da prática continuada do Palco Giratório é a de que as artes cênicas, mais do que um campo laboral ou epistemológico específico, con- figuram um patrimônio comum capaz de informar sobre a identidade brasileira ou, pelo menos, sobre o processo de construção dessa identidade. É o que se nota nas im- pressões de um espectador do Projeto Mambembão, rea- lizado pelo Serviço Nacional de Teatro (SNT) e Fundação Nacional de Artes (Funarte), entre os anos 1970 e 1980. Ao ter acesso, na cidade do Rio de Janeiro, à produção teatral vinda de outras regiões do país, ele se percebe enquanto membro de uma comunidade mais ampla:

(...) o Mambembão trazia para o público carioca, pela primeira vez, a sensação de que fazíamos parte de uma cultura fascinante e variada (...) a dramaturgia e a es- pontaneidade dos artistas cênicos das regiões norte, nordeste, centro-oeste e sul nos religavam a uma noção de brasilidade viva (Cruz, 2009, p. 34). (Cruz, 2009, p. 34)

O relato, proveniente de um dos profissionais que trabalharia na implementação do Palco Giratório, revela a relação entre o projeto, desde o seu início, e o desejo de conhecer a realidade nacional por intermédio das artes cênicas. Até o presente, a importância atribuída a representantes de todas as regiões no panorama final das obras, denota a intenção de vislumbrar uma ideia de Brasil no conjunto de tais trabalhos.

Enquanto o Mambembão proporcionava apresenta- ções de grupos artísticos de todo o país para plateias do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, o Palco Giratório

diversifica essa relação ao promover atividades em centenas de cidades. Se a mudança de rota histórica promovida por aquele projeto contribuía para complexi- ficar e também reafirmar um sentido latente de brasi- lidade, ao reunir certa diversidade da produção cênica brasileira; é possível dizer que, com o Palco Giratório, esse caminho se torna mais rizomático já que, além de ampliar o reconhecimento de criadores, ele também identifica novos receptores, apostando em novas cone- xões por meio da arte.

Desse modo, outra ideia posta em prática pela Rede Sesc de Intercâmbio e Difusão das Artes Cênicas é a da importância de, a despeito das desigualdades entre as regiões do país, facultar acesso gratuito ou a baixo custo a produtos artísticos experimentais e comprometidos com visões críticas da realidade, dos processos sociais. Quando falamos em artes cênicas no âmbito de ações como a do Palco Giratório, estamos nos referindo, portanto, a um patrimônio comum, resultado dos modos de fazer e de se comunicar postos em prática por grupos que se reconhe- cem em determinados sítios e que falam a partir deles, mas que também percorrem fluxos de informação e de migração, se deslocando e se abrindo à diferença. As artes cênicas refletem, nesse sentido, esse ente proteiforme a que denominamos a sociedade brasileira, isso que reco- nhecemos à medida que descobrimos desconhecer.

Jacques Rancière (2005) compreende que a definição daquilo que é comum a uma sociedade implica na divi- são entre quem pode se ocupar desse comum “em função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa ativi- dade se exerce” (Rancière, 2005, p. 16). A distribuição desigual do acesso ao patrimônio artístico brasileiro implica numa determinada partilha do sensível e é sobre essa partilha que interfere a estratégia de ação do Palco Giratório. Se há um consenso de que a Região Sudeste do Brasil concentra a maior quantidade de grupos cênicos e um mercado cultural melhor estabelecido, o Palco Giratório tem fomentado o interesse por tradições cultu- rais e por trabalhos artísticos experimentais sediados em outros centros urbanos, nas periferias e nos interiores.

Mais do que simplesmente a procedência geográfica, é importante mencionar a presença de trabalhos nas últimas edições do projeto que, por sua natureza, proble- matizam tendências dominantes em circuitos legitima- dos das artes cênicas. Refiro-me especialmente à Turma

do Biribinha, trupe familiar de circo-teatro do interior

do Estado de Alagoas liderada pelo Palhaço Biribinha, ele mesmo nascido em uma trupe circense e com uma trajetória de mais de 60 anos. Artistas como esses, a fim de difundir suas obras, mantêm uma tradição de itine- rância de espetáculos que tem raízes imemoriais. Nesses percursos de comercialização da atividade circense e em toda a decadência que está implicada neles, derivada das novas geografias urbanas e da gentrificação, esses artistas relacionam-se com públicos muito diferentes da- quele público mais intelectualizado que costuma acessar teatros e centros culturais.

3 ( http://www.sesc.com.br/portal/site/publicosdecultura/inicio/, recuperado em 17 dezembro, 2019)

Não por acaso a apresentação de alguns dos dramas circenses que o Palhaço Biribinha aprendeu com o pai causou estranhamento em muitos espectadores do Palco Giratório, em 2018. Muitos desses últimos, notadamente mulheres e, dentre elas, muitas artistas circenses, expres- saram sua admiração pela trajetória e pela resistência da trupe, mas não redimiram seus trabalhos da crítica de gênero, manifestando repúdio a elementos sexistas pre- sentes nos dramas circenses apresentados, apontando a necessidade de rever esse material histórico a partir da crítica do machismo e do patriarcado.

Processo difícil e arriscado, ele não é menos neces- sário já que redistribui o uso de espaços privilegiados de visibilidade e de debate que o Palco Giratório costu- ma ocupar como teatros, centros culturais, ambientes universitários. A seleção de trabalhos como o da Turma do Biribinha presta reconhecimento aos proletários das artes cênicas, contribuindo para que os mesmos possam ser vistos e debatidos como produções artísticas contem- porâneas que são. Assumir a relevância desses trabalhos é por consequência ampliar o escopo daquilo que se têm como os públicos das artes cênicas no país. É “sair da bo- lha”, como se diz, e pensar nas diferenças que constituem a sociedade brasileira.

Os resultados da pesquisa Públicos de Cultura realiza- da pelo Sesc, em parceria com a Fundação Perseu Abramo no ano de 20133, mostraram como a participação em

atividades culturais legitimadas é uma realidade distante da maioria da população brasileira. Entrevistando indivíduos residentes em áreas urbanas de todo Brasil, a pesquisa constatou que apenas 7% participam de ati- vidades culturais em seus horários livres e que somente 8% manisfestaram desejo de realizar tais atividades caso dispusessem de tempo, dinheiro e autonomia. Na contra- mão desses números, um total de 33% dos entrevistados afirmou seu interesse por apresentações de circo, dentre as artes espetaculares.

A curadoria coletiva do Palco Giratório, composta por representantes do Sesc de todos os estados, tem se permitido, em alguns momentos, tornar mais heterogê- neas as programações de artes cênicas, ampliando as chances de diversificar ainda mais suas audiências. Foi desse modo que a presença do espetáculo Eles não usam

tênis Naique, da Cia. Marginal, do Complexo de Favelas da

Maré, no Rio de Janeiro, provocou reações de surpresa e de empatia também em 2018, fortalecendo a visibilidade sobre a ainda tímida presença do público favelado nos espaços oficiais de cultura.

Feito importante de muitas edições do projeto, sendo ainda um motivo de constante inquietação, é a inclusão de artistas da região amazônica nos circuitos. Não seria exagero dizer que uns dos maiores méritos do projeto é possibilitar a circulação e o reconhecimento dos artistas amazônicos, praticamente ausentes das agendas cultu- rais em artes cênicas pelo país.

Em suas memórias do teatro no Estado do Pará, Dênis Bezerra (2013) afirma ser essa atividade praticada na

região amazônica desde a colonização, sem, no entanto, constar nas páginas de críticos e historiógrafos do teatro brasileiro como Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi. Ele entende, desse modo, que a preocupação em delinear e defender uma ideia de teatro brasileiro tem se dado a partir da “unificação do sentimento” de determinados grupos (notadamente residentes em São Paulo e Rio de Janeiro) com relação ao país, o que abrange “a valoração, mesmo de forma idealizada, em alguns casos, da cor local” (Bezerra, 2013, pp. 34-35), mas que implica no completo desconhecimento e, consequentemente, na exclusão das realizações de agentes situados em regiões periféricas.

Em um momento político e ambiental em que a Amazônia é uma das principais preocupações do mundo, o que poderia justificar essa lacuna? Como as artes cênicas podem refletir um sentido de brasilidade se não dialogam com os modos de criar e difundir dos artistas amazônicos? A resposta mais comum se dá no sentido do isolamento geográfico e do subdesenvolvimento econômico da região. Fala-se com frequência de “custo amazônico”, conceito que compreende múltiplos fatores de desigualdade, envolvendo questões qualitativas que conferem à Amazônia o status de grande periferia brasi- leira (Castro & Castro, 2015).

O “custo amazônico” reivindica uma espécie de re- paração histórica e ampara-se no conceito de Amazônia Legal, que, instituído em 1953, assenta-se na necessidade de melhor planejar o desenvolvimento econômico de seus nove Estados – Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, que abrigam a floresta amazônica brasileira (Souza, 2008). A mais recente incorporação dos debates acerca do “custo amazônico” pelas políticas culturais representa a per- cepção de que a produção artística dos seus Estados tem potencial de impulsionar a transformação e o desenvolvi- mento da região. Essa ideia, bastante próxima ao pensa- mento e à atuação do Sesc relacionados à importância da cultura para a promoção do bem estar das populações, embasa o Sesc Amazônia das Artes.

Surgido em 2007, o Sesc Amazônia das Artes é realizado pelos departamentos regionais do Sesc situados nos nove estados da Amazônia Legal e também no Piauí, em função da proximidade social e geográfica. O projeto também se orienta pela lógica de itinerância artística, mas, nesse caso, concentra-se na criação de pontes entre artistas e públicos residentes na região amazônica. Como no Palco Giratório, o mapeamento e a indicação de propostas cabe às equipes do Sesc atuantes nos estados participantes, sendo a deliberação final realizada em uma plenária curatorial abrangente. As obras de teatro, dança, circo, performance, música, artes visuais, literatura e audiovisual se apresentam em mostras regionais, realiza- das em períodos de dez a quinze dias, em cidades como Rio Branco, Macapá, Manaus, São Luís, Cuiabá, Belém, Teresina, Ji-Paraná, Boa Vista e Palmas.

Promove-se assim uma reversão da lógica de levar arte produzida na Região Sudeste para públicos da Amazônia e tem sido, do ponto de vista da dinâmica de muitos desses artistas, uma oportunidade de desafiar estereótipos e reificações a respeito de suas identidades, dando a ver processos investigativos radicais em arte.

Para restringirmo-nos ao campo das artes cênicas, podemos citar trabalhos como a intervenção urbana “Não Cabe Mais, Gente!”, do in-Próprio Coletivo, protagonizado por mulheres artistas como Daniela Leite e Karina Figueiredo, da cidade de Cuiabá (MT). A obra consiste no cumprimento de um programa de ações no interior de duas faixas largas de plástico filme transparente justapostas. Em sua circulação pelo Sesc Amazônia das Artes, em 2017, um conjunto de até dez artistas foi convidado a performar a obra em cada cidade, buscando reelaborar a flexibilidade do espaço e dos seus próprios corpos. Instalada em locais públicos com grande aglomeração de pessoas como rodo- viárias, praças, pontos de ônibus, essa obra de arte rela- cional possibilitava associações imediatas à escandalosa e precária situação dos passageiros de transporte público, mas, no inusitado da sua aparição, permitia, aos passantes, configurar novas e insuspeitas dramaturgias.

Como não pensar também em dois trabalhos impac- tantes que percorreram a 12ª edição do Projeto, em 2018, e que pudemos experimentar junto aos públicos da cidade de Rio Branco, durante a mostra regional no Estado do Acre? Trata-se dos espetáculos teatrais Atenas: Mutucas,

Boi e Body, da Cia. Santa Ignorância, da cidade de São Luís

(MA), e “Alice”, do Grupo de Teatro Faces Jovens, da cidade de Primavera do Leste, interior do Estado do Mato Grosso.

A primeira obra era reveladora de um processo denso e longevo de pesquisa do ator, encenador e dramaturgo Lauande Aires sobre a pré-expressividade dos brincantes de Bumba-Meu-Boi, um folguedo tradicional do Estado do Maranhão. Dando a ver um trabalho de atuação inten- so e diferenciado, uma composição de personagens com base nos múltiplos ritmos e personagens do Bumba- Meu-Boi, a encenação conduzia o público através de uma instalação composta a partir de rica multiplicidade

de materiais de trabalho de diversos ofícios da popu- lação pobre, tais como caixotes de feira, tubulações de geladeiras, máquinas de costura, balanças. Surpreendia a maleabilidade com que esses elementos eram desviados de seu contexto utilitário e conformados aos objetivos da encenação, sem que essa, no entanto, apagasse em defi- nitivo a referência ao seu caráter instrumental, servindo

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