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CAPÍTULO 3 – CUIDADOS DE ENFERMAGEM: A BASE SÓLIDA PARA AS

3.2 CONTRIBUIÇÕES DE TEÓRICAS DO CUIDADO PARA A ENFERMAGEM

Florence Nightingale (1820-1910) foi um marco para a Enfermagem na metade do século XIX. Florence não abordou claramente os aspectos que compõem a conceituação de cuidado, mas desenvolveu reflexões acerca do meio ambiente, meio ambiente saudável, visando à saúde e o bem-estar do ser humano, ou seja, determinando ações de cuidado para a vida. Relatou crenças sobre o cuidado humano que permanece atual nas discussões teóricas consideradas modernas ou pós-modernas. Como conceitos principais: homem, Enfermagem,

saúde e doença, ambiente e sociedade. Está embasada na filosofia de Hipócrates e Bacon. (LEOPARDI, 2006).

Porém, Madeleine Leininger (1985), traz em sua teoria do cuidado transcultural, o fundamento de um pensar-fazer Enfermagem, a partir do modelo transcultural do sol nascente, a qual engloba a idéia do cuidar/cuidado humano em sua diversidade nas diversas culturas do mundo. É conhecida como a teoria do cuidado transcultural da Enfermagem. A autora contribuiu muito com a definição de construtos de cuidado, apontando a escuta, o amor, a solidariedade, o estar junto entre outros, como elementos necessários para cuidar. (LEOPARDI, 2006).

Jean Watson (2002), também contribui com resgates sobre o cuidado. Destaca a ciência e filosofia do cuidado fundamentado em valores humanos. Referencia que o cuidado é visualizado como um ideal moral, ético, humano e envolvente. O cuidado é a bússola moral da consciência, guia do trabalho e razão de ser. A harmonia entre o corpo, a mente e o espírito, determinando os padrões de saúde dos seres humanos. Polemiza, ao discutir o conceito de alma, resgatando a dimensão espiritual da humanidade e evidenciando que as emoções de uma pessoa são as janelas para a alma.

Anne Boykin & Savina Schoffer (1993), está na relação das teorias da Enfermagem que tem o cuidado como premissa bàsica: um modelo transformador da prática. As teorias partem do pressuposto de que todos humanos têm características e se expressam através de sua condição de cuidar e serem cuidados. O cuidado é um processo, vivido momento a momento, e se revela e se desenvolve continuamente, ou seja, um infinito vir a ser que engloba compromisso com o outro. O foco desta teoria de Enfermagem é o cuidado, a saúde e o bem-estar.

Como teoria conhecida da comunidade acadêmica da UFSC, Alcione Silva (1997) lança a teoria do cuidado transdimensional. Como foco, relativiza o cuidado transdimensional de expressão paradigmática emergente, em uma cosmologia coerente de possibilidades e realidades relacionadas ao cuidado. A autora discursa sobre amor, viver, morrer e renascer. É uma teoria recente, que se encaixa, aproximando-se dos escritos de Boff (1999) nas suas diversas obras e ultrapassa o fazer enquanto modelo pré-determinado e enrijecido.

No Brasil, alguns enfermeiros se ocupam dos estudos sobre o cuidado, vale ressaltar que a maioria dos estudiosos compartilha a idéia de que é preciso atitude, amor, compaixão, seriedade, ciência entre outras condições para que o cuidado se desenvolva na relação entre os seres humanos, coisa, idéias, enfim, ao que nos propomos cuidar. Dentre eles, os estudiosos

que mais se destacam : Waldow (1998 – 2006), Radünz (1999 – 2001), Erdmann (1998 – 2005), Silva (1997), Maia (1991 – 1998), Zagonel (1997 – 1999) entre outros falam em essência do cuidado puro. As demais contribuições sobre o cuidado vêm acompanhadas de áreas específicas como a saúde da família, doença crônica, saúde da criança, enfim, o cuidado nas dimensões do viver. Assim, destaco Souza (1999 – 2005), Nitschke (1999), Elsen (1994), Schmitz (2005), Boehs (2002), Silva (1999 – 2002), Tholl (2002).

Para reforçar a importância das dimensões do cuidado no fazer-pensar da Enfermagem junto das famílias no ambiente Hospitalar, discorro um pouco mais sobre o que Boff (1999), Waldow (2001) e Leininger (1991) e outros, descrevem sobre as noções de cuidado.

Boff (1999), aponta que cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, uma atitude que vai além de um momento de atenção, de zelo, mas sim a representação de uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. Desenvolvemos tais atitudes junto às pessoas que amamos ou que nos solicitam afetividade. Assim, cuidar das pessoas que fazem parte do nosso quotidiano de trabalho é essencialmente importante para que haja harmonia e sentimento de pertença. Quantas vezes ouvimos questões que suscitam a reflexão sobre o que é ser humano? Boff (1999, p. 34), considera que:

[...] sem o cuidado, ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde o sentido e morre. Se, ao largo da vida não fizer um cuidado com tudo o que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo e destruir o que estiver à sua volta. Por isso, o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana.

Considerando as palavras sensíveis deste autor, compartilho de sua concepção, pois creio que cuidar representa a doação do ser humano para aquilo que melhor ele pode dar de si. Seja no cuidado a seres humanos, animais, ou objetos, enfim, para aqueles com os quais nos comprometemos a cuidar. A doação, não na perspectiva religiosa, representa atualmente uma forma de agir de poucas pessoas, pois raras fazem algo além do seu horário de trabalho, ou do limite que impôs a si mesmo, desta forma, esquecendo-se da magia que significa o ato de cuidar por prazer, por amor, com a razão e com ocoração.

Waldow (2001), ao resgatar o cuidado na história do homem na Terra e sua evolução, faz o contraponto, afirmando que o homem evoluiu em suas necessidades, as quais, em conseqüência, foram-lhe exigidas capacidades e habilidades além do físico. Houve a necessidade de adaptação do ser humano ao meio ambiente, às questões mentais, emocionais

e sociais. Os recursos e os comportamentos de cuidado à sobrevivência assumiram dimensões estéticas, uma vez que imprimimos no dia-a-dia a história, a cultura, a arte, as imagens, as formas e rituais de cuidado.

Sendo assim, o cuidado nada mais é do que a expressão de nossos atos no quotidiano, as ações que desenvolvemos em direção a alguém e estas se expressam de acordo com a sensibilidade, formação, identidade e conhecimento de cada pessoa, interator, cuidador. A expressão do cuidado nas ações quotidianas possui a influência direta da cultura dos povos. Muitos são os rituais de cuidado peculiares de cada população e isto se configura na principal preocupação acerca do cuidado às famílias. Como trabalharmos estas diversidades no quotidiano da Enfermagem Hospitalar? Quais os métodos que utilizamos para abordá-las? Será que há reflexões no quotidiano sobre tal questão?

Leininger (1991), ao estudar algumas culturas com pessoas residentes na América do Norte, selecionou três para comparar com a cultura predominante no Brasil. Na cultura Américo - japonesa, os significados de cuidar se mostraram através do: respeito pela família, preocupação e necessidade de proteção e cuidado com os amigos, controle das emoções, resistência à dor e ao estresse, tranqüilidade e passividade, cuidados com outros para obter afetividade. Podemos compreender que, apesar das diferenças culturais, a preocupação de cuidar esteve representada pela busca da afetividade.

Já, na América - germânica, preponderou a obediência, as regras, as normas. Na cultura italiana, o bem-estar da família, a integridade familiar, o carinho através do toque, o compartilhamento de refeições, são outras expressões de cuidado. A autora relata que não pôde, comprovadamente, definir as ações de cuidado das culturas, pois necessitaria de acompanhamento mais apurado e transcrições dos mais antigos, porém ficou evidente que o cuidado está presente nas pequenas coisas do quotidiano, ou seja, a expressão do cuidado está relacionada diretamente à cultura das pessoas.

Quanto à natureza do cuidado, Boff (1999, p. 89), faz uma analogia fenomenológica que conceitua como sendo a maneira pela qual qualquer realidade, no caso, o cuidado, torna- se um fenômeno para a nossa consciência, se mostra em nossa experiência e molda nossa prática. Assim, não se trata de pensar e falar sobre o cuidado, mas de pensar e falar a partir do cuidado como é vivido e se estrutura em nós mesmos. O autor afirma que:

[...] não temos cuidado, somos cuidado. Isto significa que o cuidado possui uma dimensão ontológica que entra na constituição do ser humano. É um modo-de-ser-singular do homem e da mulher. Sem cuidado, deixamos de ser humanos.

Heidegger mostra em seu livro Ser e Tempo (1999) que realidades tão fundamentais como o querer e o desejar se encontram enraizadas no cuidado essencial. Tudo o que o ser humano empreende, projeta e faz, deixará frutos de seu envolvimento Ou seja, o cuidado está presente em todos os nossos atos, é o fundamento para a interpretação do humano. Desta forma, estamos diante de uma atitude fundamental, de um modo de ser mediante o qual a pessoa sai de si e centra-se no outro com desvelo e solicitude. Acrescento que, para cuidar do outro, é preciso cuidar de si também e em várias dimensões do cuidar, dentre estas as das Instituições de saúde. Nesta, há uma carga emocional excessiva que nos exige o cuidado consigo mesmo, além de buscar estar consoante com as necessidades de cuidar das pessoas que ficam junto de nós quotidiamente.

A atitude de cuidado pode provocar outros sentimentos como nos aponta Boff (1999), a inquietação, a preocupação e a responsabilidade se tornam presentes e isso configura o real sentido da existência do cuidado. Quando não há preocupação, ou responsabilidade do ato de cuidar, corre-se o risco de conviver com a indiferença e esta é a sentença de morte do amor e do cuidado. Esta inquietude é que precisa estar viva na Enfermagem a fim de nos mover para buscar o cuidado com o foco nas famílias, e não deixar logo vir à indiferença e assim o anonimato de quem e como cuidamos.

Em síntese, o cuidado foi visto na história como feminino, e isso provocou empecilhos na objetividade das ações humanas. Tudo que estava envolvido com a sensibilidade ou lembrava o feminino, não era condição para o trabalho. Uma vez que as relações de trabalho “precisam” ser objetivas e diretas. Mas, Boff (1999) provoca uma reflexão sobre o modo-de-ser-cuidado em trabalho, e analisa a eficácia das máquinas, como o computador, sendo que a relação é entre razão-trabalho.

Porém, há algo encontrado nos seres humanos que não se encontra nas máquinas, ou seja, o sentimento, a capacidade de envolver-se, emocionar-se, de afetar e sentir-se afetado. Um computador não tem coração, alma, emoção. “... só nós, os humanos, podemos nos sentar à mesa com um amigo frustrado, colocar-lhe a mão no ombro, tomar com ele um copo de cerveja e trazer-lhe consolação e esperança”. (BOFF, 1999, p. 99). Para tanto, surge à necessidade de ampliarmos este conhecimento no âmbito da Enfermagem e propor reflexões sobre o quotidiano de cuidado que temos na prática. Compreendendo e conhecendo a realidade de cuidado da equipe de Enfermagem e alinhavando possíveis caminhos para cuidar de famílias na integralidade do seu viver, assim estaremos alçando vôos e dando voz para que as famílias nos conduzam pelas estradas do cuidado.