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CAPÍTULO 2 O BREVE ENCONTRO COM A LITERATURA

2.1 HISTÓRIA DA FAMÍLIA: SUA ORIGEM NO MUNDO

Friedrich Engels editou seu primeiro livro sobre a origem da família em 1884, reeditou em 1891 e agora, traduzido no Brasil, em 2006, por Ruth M. Klaus, é uma contribuição para podermos reconhecer alguns aspectos da origem da família enquanto conceito, estrutura, dinâmica, produção do trabalho social e, portanto, da economia, enfim, como surgiu na literatura à temática “Família”.

Segundo Engels (2006), até a década de sessenta, não poderíamos pensar uma história sobre Família, com direito a datas, acontecimentos, enfim, descrições, pois as ciências históricas se encontravam sob influência dos chamados cinco livros de Moisés. Tais livros apresentavam a família patriarcal como a mais antiga, porém de modo como senão houvesse evolução alguma até os tempos atuais.

O estudo da família, de fato, iniciou em 1861 com o Direito Materno de Bachofen, Engels (2006, p.14) refere que este autor formulou as seguintes hipóteses:

Primeiro, os seres humanos viveram em promiscuidade sexual; segundo, estas relações excluíam as condições de garantir a paternidade, sendo o gênero feminino responsável pela linha materna e isso se deu em todos os povos antigos. Terceiro, o autor elege que as mulheres possuíam o apreço e respeito, tendo as mesmas, nesta época, o poder absoluto por dar continuidade À população. Por último, ele identifica a passagem para a monogamia, ou seja, a mulher só poderia “pertencer” a um homem. Esta passagem já vem com as influências religiosas. Em Londres, Mac Lennan (1870) foi considerado o fundador da história da Família, ele também descreveu suas hipóteses acerca das relações entre homens e mulheres.

Já, em 1871, Morgan segundo Engels (2006), surgiu com inovações sobre o grau de parentesco entre as tribos, os povos que suscitaram documentos decisivos. Ele se convencera que a forma de parentesco próprio dos iroqueses em vigor, estava difundida em todo um continente. Na verdade, Morgan marcou a história por levantar necessidades de reconhecer a origem das famílias. Nesta época, a família ganha várias nomenclaturas como: tribos, comunidade familiar, família individual monogâmica, família consangüínea, entre outras na Idade Média. Em verdade, não se têm registros reais, descritivos e definidores da origem do termo família, mas é interessante perceber o tempo que nos separa dos anos 1800, e ainda estamos preocupados em estudar cientificamente a família, uma vez que é fonte de preocupação nas dimensões sociopolítica e econômica dos sistemas governamentais, além da saúde.

Casey (1992) sociólogo e historiador da família, diz que é difícil se ter em uma só obra, um compêndio, que fale exatamente a origem da família na história humana, mas é consenso que se conhece as formas das relações das comunidades, ou tribos desde a pré- história. A história da origem da família segue lado a lado com a história do processo de trabalho no mundo, e, na verdade, as noções sobre família determinam e são determinadas pelo enlace destes dois elementos constituintes da sociedade, além de estarem relacionados às práticas sexuais dos povos que dariam a continuidade das espécies.

Casey (1992, p. 15) faz uma citação interessante:

Pode ser que a família tenha sido vista como uma Instituição com fronteiras visíveis, diferentemente do direito e da religião, o que tornaria sua existência problemática. Se não se trata de uma Instituição (por exemplo, a família nuclear), os contornos podem ser tão exasperadamente vagos que passam a desafiar qualquer exame.

vertentes, ou maneiras de compreendê-la. O que ainda mantemos como preocupação de nossas pesquisas na contemporaneidade, é o desejo de conhecer o significado da família, os dramas que estão em sua volta, como cuidar deste sistema de forma a não alterá-lo sem o seu envolvimento, enfim, como afirma Casey (1992, p. 17):

Parece razoável aplicar a mesma dinâmica revolucionária à compreensão das estruturas familiares: a família era um sistema de conflitos, contradições internas e adaptações, e não uma crisálida, abandonando gradualmente um casulo de conexões de parentesco, para revelar seu núcleo verdadeiro.

Para Casey (1992) dentro da perspectiva sociológica e histórica, a família a partir da combinação conjugal, do lar, é a contrapartida necessária para as transformações mais amplas e direcionadas à democracia. Para ele, a educação, a criança, bem como, a solidariedade social desenvolvida pela família conjugal produz a ruptura das estruturas antigas a respeito da família.

Apesar dos conflitos que permeiam esta Instituição social, cada família é “única” em seu papel de sociabilidade, afetividade e promoção do bem-estar dos indivíduos que a compõe, principalmente durante a infância e adolescência, momento em que são repassados valores, conceitos, exemplos de dignidade, hombridade entre outros.

Para Wong (1999, p.56):

A função da família refere-se a um dever ou desempenho especiais necessários no curso do trabalho ou atividade, ela também pode referir-se as interações dos membros da família. Elas desempenham função vital na economia porque produzem e consomem bens e serviços’’. Talvez esta seja a explicação para a família ser um agente importante para a sociedade capitalista de consumo, porém agente desassistido de saúde. As famílias também constituem a unidade bàsica para repor os membros da sociedade que morre. Além disso, para manter sua continuidade, a sociedade deve transmitir seu conhecimento, costumes, valores e crenças para os mais jovens. Embora os objetivos para a socialização e prática de criação infantil exibam distinções de cultura, na maioria das sociedades, o objetivo principal em relação às crianças é o mesmo: cuidar, nutrir e treinar.

Para Ariès (1981), a família tinha a função de assegurar a transmissão da vida, dos bens e dos nomes. Quanto à criança, esta tinha uma passagem muito breve e insignificante pela família e pela sociedade, na qual se deixava de lado a sensibilidade de seus membros para com esta. Contudo, um sentimento superficial pela criança - a “paparicação” era reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ainda era engraçadinha.

Porém, se ela morresse não se fazia muito caso, pois logo outra a substituiria, mantendo-lhe em uma espécie de anonimato.

Na Idade Média, e por muito tempo ainda nas classes populares, as crianças misturavam-se aos adultos assim que eram capazes de viver sem a solicitude constante da mãe ou de sua ama, isto é, aproximadamente aos sete anos de idade, então era misturada aos adultos e não se distinguia mais destes, participando com seus amigos jovens ou velhos, dos trabalhos e dos jogos de todos os dias. De criancinha pequena, ela se transformava imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da Juventude. Portanto, a socialização da criança não era assegurada nem controlada pela família, e sim, pela convivência da criança ou do jovem com os adultos, aprendendo as coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-las. (ARIÈS, 1981).

Quando a criança conseguia sobreviver ao tempo da “paparicação” era comum que passasse a viver em outra casa que não à de sua família. Essa modalidade, na família antiga, tinha a função de assegurar a conservação dos bens, dos nomes e a prática comum de um ofício, porém, sem função afetiva, não significando que o amor estivesse sempre ausente. O sentimento entre os membros da família não era necessário à existência nem ao equilíbrio da mesma, mas se existisse, melhor. (ARIÈS, 1981).

A partir do século XV, começou pouco a pouco se instalar uma preocupação com a Educação, passou-se a admitir que a criança não estivesse suficientemente madura para a vida, e que era preciso submetê-la a um regime especial antes de deixá-la unir-se aos adultos. A partir do século XVII, a Escola substituiu a aprendizagem como meio de educação, e a criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do contato com eles. A família assume então além da função de transmissão do nome e dos bens, também uma função moral e espiritual. O cuidado dispensado às crianças passou a inspirar sentimentos novos, uma afetividade nova, expressada pela iconografia do século XVII. Os pais não se contentavam mais em colocar os filhos no mundo e não estabelecê-los, proporcionando a todos os filhos a Educação. (ARIÈS, 1981).

No fim do século XVII, até mesmo as meninas preparavam-se para a vida, e esta preparação tradicional foi substituída pela Escola. A Família e a Escola retiraram as crianças da sociedade dos adultos, confinando-as em um regime disciplinar rigoroso, que mais tarde, entre os séculos XVIII e XIX resultou no Internato, privando a criança da liberdade que gozava entre os adultos. Mas esse rigor, segundo Ariès (1981), traduzia um sentimento muito diferente da antiga indiferença: um amor obsessivo que dominou a sociedade a partir do

século XVIII e que ainda vemos resquícios na sociedade moderna.

A família então começou a organizar-se em torno da criança e a dar tanta importância à mesma, que saiu do anonimato, tornando impossível perdê-la ou substituí-la sem uma enorme dor, e se fez necessário limitar seu número para melhor cuidar dela. A família moderna retirou da vida comum não apenas as crianças, mas uma grande parte do tempo e da preocupação dos adultos. Ela correspondeu a uma necessidade de intimidade, e também de identidade: os membros passaram a se unir pelo sentimento, o costume e o gênero de vida. (ARIÈS, 1981).

Petrini (2005), fala que as famílias têm seu próprio dinamismo, seu sistema de relações sociais e sofre influências do meio que convivem, economicamente, culturalmente, enfim, de sua rede de apoio. As famílias também estão em processo constante de transformações, as mudanças atingem simultaneamente a realidade familiar e sua identidade. Logo, os aspectos objetivos das famílias cedem, ao passo que os subjetivos, surgem. O autor corrobora com a idéia de que as famílias estão perdendo, de certo modo, o seu conceito social de um grupo que gera afeto, prioriza os vínculos, e com a transformação social, o individualismo. As famílias estão sendo afetadas e precisam ser resgatadas.

As famílias foram, ao longo da história, o modelo de uma sociedade fechada e que escondia as suas diversidades e dificuldades relacionais, contendo regras para a sua estrutura, os modelos patriarcais, as pessoas chaves, as funções designadas, o trabalho era formal e de exclusividade do homem, à mulher pertencia o cuidado dos filhos. Souza e Ramires (2006), referem que as famílias no campo dos estudos sociais viveram e continuam a viver etapas distintas e sobrepostas: as famílias tradicionais, as modernas e as pós-modernas. Assim, é imprescindível destacar que a estrutura familiar é a responsável pelo movimento familiar na sociedade e na história, e esta estrutura é que precisa ser foco de atenção para a Enfermagem, por traduzir a sua singularidade de ser família no mundo.

Para Wong (1999, p. 56) estrutura familiar é:

A maneira de organização ou a disposição de diversas partes que estão inter- relacionadas de modo específico e recorrente. A estrutura de uma família pode variar de acordo com a composição de suas partes componentes e de acordo com seu ciclo de vida. A estrutura consiste em indivíduos cada qual com status e posição socialmente reconhecidos, que interagem entre si em uma base regular e reincidente nos meios socialmente sancionados.

a configuração conhecida e mantida ainda em todo o mundo, ou seja, a concepção de família quando há marido, mulher, casamento sacramentado judicial e religiosamente, filhos. Todos sob o mesmo teto e com laços de consangüinidade.

As famílias modernas são aquelas que, apesar de trazer as características da burguesia industrial, passam a ser núcleo de afeto, proteção, relativos a novos modelos de casamentos movidos pela escolha livre, pela opção ao amor. Apesar de já haver mudanças, a hierarquia persiste, sendo o homem, ainda, o provedor financeiro e, a mulher, a função de cuidadora e responsável pelo lar. Nesta época, as autoras relembram que esta característica sustentou o desenvolvimento infantil saudável. Este modelo permaneceu ativo até meados dos anos 60, a partir desta década, as famílias passam a ser descritas como pós-modernas. (SOUZA e RAMIRES, 2006).

As famílias pós-modernas se expressam através da divisão do trabalho, da busca pela igualdade entre homem e mulher, das responsabilidades compartilhadas em relação aos filhos e dos questionamentos sobre as identidades e domínios familiares. Atualmente, as famílias têm se mostrado ainda mais diversificadas em suas propostas e identidade, bem como na busca da aceitação social de seu momento. Segundo Souza e Ramires (2006), um complexo conjunto de famílias está saindo da clandestinidade imposta socialmente, ou seja, os novos arranjos familiares, as compostas por homossexuais, produções independentes, pais solteiros, mães de aluguel e outras, estão surgindo no cenário da vida quotidiana. (SOUZA e RAMIRES, 2006).

Partindo da colocação das autoras, talvez este seja um dos principais entraves na abordagem às famílias no cenário da saúde. Torna-se necessário reconhecer que os profissionais da Enfermagem não possuem clareza da história do surgimento das famílias, e é preciso estabelecer relações com outras áreas do saber como a Antropologia, a História, a Sociologia para compreender melhor este mundo familiar em que fazemos parte enquanto cuidadores. Pois, ao cuidar de famílias, muitas situações nos parecem inusitadas, porém, é preciso relembrar que os resquícios da história delinearam suas culturas, concepções familiares e seus próprios modelos de família. A Enfermagem, ao conviver com estas mudanças que a pós-modernidade os expõe, sente-se frente a um desafio complexo.

Diante do exposto sobre as transformações familiares, fica mais fácil a compreensão deste choque que ocorre entre a forma de cuidar da Enfermagem e as famílias no processo de Hospitalização. As fragilidades familiares estão afloradas e a Enfermagem alicerçada em seu saber técnico-científico e imbuída de valores pessoais, fica, por vezes, sem saber qual

caminho trilhar no cuidado às famílias.

Casey (1992), finaliza sua análise sobre as origens da família no mundo, ao dizer que:

Para os estudantes de família, o problema consiste em lembrar que está lidando com um conceito, uma criação da mente humana, da cultura, não um objeto material. A família pode ser tão útil quanto problemática, como meio para entender a estrutura social.

O autor sinaliza para que não nos esqueçamos que comparar épocas diferentes da vivência das famílias, bem como, categorizá-las para compreender o processo do meio social pode descaracterizar o tempo atual de ser família. Casey (1992), ainda ressalta que, em publicações recentes, têm visto certo desconforto quanto aos contornos familiares voltados para a relação conjugal, e a tendência está em ultrapassar esta barreira e focar os laços familiares.

Ele faz uma análise preliminar enfatizando que:

A verdade é que a família, em qualquer das suas formas, é apenas um conceito heurístico que nos ajuda a explicar a estrutura econômica e política de uma sociedade em particular. Não constitui uma entidade perfeitamente configurada, que pudesse ser estudada por si mesma. Não se pode construir uma casa colocando um tijolo em cima do outro. Da mesma forma, não se pode compreender uma economia ou um sistema político, multiplicando estudos sobre a organização familiar naquela sociedade.

Analisando este pensamento de Casey (1992), é possível se fazer uma conexão com o estudo que desenvolvo, pois não há mais contornos familiares, eles, em si, é que se determinam enquanto família, e, por isso, a maneira como desejam ser cuidados na Hospitalização pela Enfermagem será fiel e trará confiabilidade às famílias, desde que estas participem das decisões profissionais sobre a saúde delas.