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CAPÍTULO 7 O QUOTIDIANO DA HOSPITALIZAÇÃO MATERNO-INFANTIL:

7.1.6 O quotidiano de cuidado da Enfermagem mostrando a criança como foco

Uma imagem comum às unidades pesquisadas é a de que a criança é o ator principal deste quotidiano, pois, na Pediatria, estas internam por alguma doença; no Alojamento Conjunto, elas chegam para o nascimento e conhecimento do mundo, e na Neonatologia, internam para a recuperação de alguma condição atípica ao nascer. Foi notório que em todas as Unidades as crianças aparecem como foco de cuidado da Enfermagem. A atenção é sempre voltada para a criança, na seqüência de prioridades, aos acompanhantes, quando estes precisam de algum cuidado, ou para informá-los de como proceder para os cuidados da criança em seu domicílio. Nas falas, na observação de suas ações no dia-a-dia, os

profissionais mencionam que cuidam, às vezes, da família, mas revelam que cuidam da criança, olhando a família como sua continuidade.

Elsen (1994, p.62) relata que:

Considerar o indivíduo, a família e a comunidade como clientes da Enfermagem parece consensual entre a maioria dos Enfermeiros. Este fato é confirmado em livros-textos, em currículos de ensino da graduação e em relatos de Congressos Nacionais e Internacionais. A prática de cuidar de famílias, no entanto, continua permeada de incertezas. Várias são as indagações que surgem quanto à especificidade da família como cliente. Há dúvidas se o cuidar da família é o mesmo que cuidar de um grupo e se, ao atender aos diferentes membros que compõe a família, se está atendendo à unidade familiar.

Nesta ótica, creio que estas nuanças trazidas por Elsen (1994), refletem o grande questionamento que me fiz durante todo o processo de pesquisa e discussão dos dados. Parece-me que os profissionais ainda não estão maduros o suficiente, para compreender as famílias como Unidades de cuidado e que necessitam de cuidado. Cuidar do indivíduo certamente refletirá na dinâmica familiar, podendo ser um reflexo positivo ou negativo. Assim, nasce a questão do cuidado às famílias como foco de atenção da Enfermagem. A fala a seguir, traz uma realidade difícil de compreensão para aqueles que acreditam na relevância e na necessidade de efetivamente haver um cuidado às famílias, mas que mostra uma realidade que precisa ser transfigurada, ou seja, ter sua imagem revisitada:

A criança realmente é o foco e você acaba fazendo o cuidado ao acompanhante para facilitar a tua vida. Então se o acompanhante está com algum problema ou alguma doença você dá o cuidado mais para ele continuar ao lado da criança muitas vezes do que realmente ser um planejamento de cuidado abrangendo esta família. (Shimú).

A área materno-infantil é um laboratório imenso que possibilita revelar os reflexos do cuidado de Enfermagem, a partir da forma que este ocorre. Os profissionais de todas as áreas sabem que cuidar de crianças requer ligação com a mãe, buscar o olhar da mãe, pois esta tem a percepção mais amiúde de seus filhos e pode auxiliar no cuidado destas crianças. Para os profissionais está claro que a família é o alicerce da criança, e reconhecem que as sutilezas, as quais somente as mães são capazes de perceber em seus filhos, contribuem para o cuidado de Enfermagem que exercem. Embora conscientes de que a criança é o foco de sua atenção, sabem que as famílias tem suas próprias necessidades , enquanto rede de interações,

para além destas crianças, exclusivamente, que precisam de atenção.

Na expressão abaixo, pode-se identificar como os profissionais partem da criança para realizar o cuidado de Enfermagem:

E cuidar da criança, fazer os cuidados de administrar medicação, sempre com carinho, com cuidado, olhando para aquela criança, a Enfermagem é cuidado. Sempre buscando se apresentar... eu já me apresentava antes, agora na faculdade, mas agora é bem mais. É importante eles saberem que tem alguém ali responsável pela criança, se for trocar a fralda me deixa ver como está o bumbum, o cocozinho... Eu até brinco que a gente é o único profissional que acha o cocô bonito, então a gente procura olhar a criança no todo, não é porque está com problema respiratório que vou olhar só o problema respiratório. (Jade).

Na fala acima, está claro que a criança é o foco de atenção para o cuidado de Enfermagem. Os profissionais até se referem aos acompanhantes, quando dizem que é importante se apresentar para “eles”, saberem que há alguém responsável pela criança no setor, para mostrarem alterações nas crianças, mas não nos que estão com elas.

Os profissionais reconhecem que estamos diante de um mundo cheio de mudanças que ocorrem todos os dias. Vivemos com grandes diferenças em um mesmo ambiente, o que nos remete as características típicas da pós-modernidade. Para que possamos acompanhar estas nuanças próprias do quotidiano são necessárias preparação, disponibilidade e atitude.

Mudar esta imagem de família como contexto de cuidado para entendê-la como foco de cuidado da Enfermagem é uma transição paradigmática difícil, pois demanda recursos presentes em cada profissional, em sua individualidade, mas, também em sua coletividade. Ou seja, é necessária uma mudança que inicie na formação destes profissionais, onde a vivência compartilhada com as famílias precisa ser evidenciada e explorada, a fim de que as imagens possam se mostrar e delinear os benefícios de uma família cuidada como foco de atenção da Enfermagem, mesmo que quem esteja Hospitalizada seja a criança.

O cuidado que se mostra nas imagens trazidas pelos profissionais, reforça que a criança que requer atenção por ser recém-nascido é o foco de atenção destes, também, na Neonatologia. Através do cuidado à criança, é que vem a orientação aos pais na execução dos cuidados com seus bebês como um preparo para seu quotidiano no domicílio. Este fazer “educativo”, que estes sinalizam como orientações aos pais, parecem conferir um sentimento de responsabilidade aos Técnicos e Auxiliares de Enfermagem para com os bebês, pois estes ficam sob sua atenção, com cuidados integrais, e tal Unidade é considerada uma Unidade de

cuidados intensivos.

Wright e Leahey (2002, p.16-17), ressaltam que:

Para as Enfermeiras é importante identificar algumas diretrizes para determinar quais as famílias a serem avaliadas. Não é ainda uma prática comum em nossa sociedade fazer com que as famílias se apresentem para a assistência como uma unidade familiar, com problemas de saúde, a doença é, com mais freqüência, apresentada como algo isolado de um determinado membro da família.

As autoras corroboram que a individualização de um membro estaria comprometendo a avaliação da família. A família não é um substituto para a avaliação individual, mas não pode ser deixada de lado, pois sérios riscos podem estar comprometendo a saúde desta família em outros contextos, como: riscos para suicídio, homicídio, doenças graves em outros membros, que podem se manifestar como resposta, por exemplo, a Hospitalização de uma criança por queimadura acidental.

Ao se olhar a família nesta perspectiva e, considerando-a como um sistema, uma Unidade de cuidado, é inevitável que a mudança de atitude na abordagem do cuidado se modifique. Há momentos, segundo Wright e Leahey (2002), em que a família precisa ser o foco de cuidado da Enfermagem, por vezes o indivíduo, e, em outros momentos, ela precisa ser vista como contexto. Mas a família nunca pode deixar de ser vista com atenção pela Enfermagem. Sendo a família um sistema, cada situação vivida será refletida nos demais, o que exige da Enfermagem, habilidade e capacidade de avaliar qual o momento que a família vive, bem como, onde e quando o sistema está mais vulnerável. Enfim, interagir com a família enquanto foco do cuidado é uma questão de atitude, de postura, como já defendeu Nitschke, no início da década passada. (1991).

Percebe-se que há um compartilhamento entre os profissionais destas Unidades relacionados ao cuidado da criança como foco, mas com a permanente preocupação de que a família é a base cuidadora, é a estrutura da sociedade que precisa ser resgatada, valorizada em sua essência, e estimulada a retomar seu papel na sociedade. A família precisa ser escutada, ter seus espaços garantidos no planejamento das ações de cuidado aos seus membros, afinal, a conjunção familiar pode ser considerada uma célula geradora do amanhã, e, portanto, precisa ser bem cuidada hoje, no quotidiano do aqui e agora. Trago uma fala ilustrativa:

O foco nesses anos que trabalho aqui é junto à mãe e criança. E durante toda a minha formação eu sempre quis trabalhar em saúde pública e nunca consegui trabalhar em saúde pública, desde que me formei. Mas cheguei à

conclusão que dentro do Hospital também se faz saúde pública, se trabalha com prevenção e é uma maravilha. (Lápis Lazúli).

É possível vislumbrar que há um entrelaçamento das imagens que os profissionais têm das famílias, apesar de não explicitarem claramente quem é a família para eles, ao serem questionados sobre como é o quotidiano da Hospitalização materno-infantil, nos momentos entre o dito e o não dito, segundo Ghiorzi (2004), deixam nas entrelinhas a junção do que é família para eles, a sua família, e se reportam para as famílias que compartilham de seu quotidiano. É uma questão de identificação.

A idéia principal é que o cuidado de Enfermagem na Hospitalização emerge da criança como o ponto de partida, entretanto, os profissionais não deixam de considerar importante a presença da família. Os profissionais possuem consciência de que poderiam fazer mais pelas famílias, porém, só alcançam o acompanhante ou como eles mesmos disseram “quem está com a criança”, vendo-os sob o olhar de contexto da vida das crianças. Mas é uma porta de entrada para a transformação desta realidade vista neste estudo, que buscou defender a tese de que as famílias não estavam sendo cuidadas como foco de cuidado da Enfermagem. As imagens que os profissionais possuem de seu quotidiano revelou a confirmação da hipótese inicial, sendo desafiador, agora, encontrar possibilidades de cuidado para as famílias no quotidiano da Hospitalização materno-infantil.

O foco maior é o paciente e ao redor dele é preciso formar uma rede de apoio que na verdade entra acompanhante e todas as pessoas envolvidas na melhora do quadro dele. Só que o nosso foco é o paciente só que irradia para todos. (Cristal Azul).

7.1.7 O quotidiano se mostra entre potencialidades e limitações para o processo de