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CAPÍTULO 7 O QUOTIDIANO DA HOSPITALIZAÇÃO MATERNO-INFANTIL:

7.1.5 O quotidiano se mostra na ausência ou resistência aos registros do cuidado de

No quotidiano da Hospitalização materno-infantil, surgiu algo que necessita de reflexões importantes, neste momento pontual da construção da tese, como momento acadêmico, e a posteriori institucionalmente envolvendo o processo de formação da equipe de Enfermagem. Os registros do cuidado de Enfermagem foram apresentados pela maioria dos profissionais como algo negativo, que dificulta o contato com as pessoas que cuidam, uma vez que gastam tempo na realização desta atividade.

A Instituição na qual estão localizadas as três áreas pesquisadas possui, como seu principal diferencial, na área da Enfermagem, a chamada Metodologia da Assistência de Enfermagem (MAE) denominada desta forma no HU. Seguindo a Resolução do Código da Lei do Exercício Profissional da Enfermagem, esta atividade privativa do Enfermeiro, é uma sistematização, organização e planejamento do cuidado de Enfermagem, e segue o conhecido Processo de Enfermagem alicerçado a um referencial teórico que norteie os princípios deste

processo como um todo.

O processo de Enfermagem, segundo as teóricas da Enfermagem, como Horta (1979), Leininger (1991), Orem (1949), Paterson &Zderad (1988) entre outras, é imprescindível para a assistência da pessoa Hospitalizada, pois facilita a implementação das ações de cuidado. Para Leopardi (2006, p. 14), “o saber da Enfermagem tem sido analisado em bases pragmáticas e empíricas, para avaliar sua possibilidade tecnológica para a realização de ações, cujos resultados sejam previsíveis e avaliáveis”. Dentro desta lógica, a Enfermagem enquanto profissão jovem, que constrói seu corpo de conhecimentos a passos largos, precisa ter em seus profissionais, o conhecimento de que a ciência não é um mito. Certamente que na Enfermagem já não cabe somente o conhecimento cartesiano. Esta área da saúde evoluiu muito na compreensão de que uma proposta de atuação com bases na razão sensível é a natureza do processo de cuidar que a Enfermagem se propõe.

Porém, os estudantes, os enfermeiros, os técnicos e auxiliares de Enfermagem precisam avançar no conhecimento sobre o que fazem e como fazem. Para isto, segundo cita Leopardi (2006, p. 43):

Uma das maneiras de efetivar esse propósito é o de estudar teorias específicas da Enfermagem, aplicar outras teorias de outras áreas, ou ainda produzir novas teorias, para uma prática mais eficiente e resolutiva. Isto significa estabelecer e discutir posturas filosóficas e conceituais, não como mera indicação de um modelo, mas para uma práxis transformadora.

A preocupação de tornar o fazer da Enfermagem visível, sempre foi uma preocupação minha, uma vez que, ao realizar a avaliação de 30 prontuários das três Unidades da área materno-infantil, verifiquei que os Enfermeiros, que são os responsáveis por realizar a metodologia da assistência na Instituição, pouco registram o que fazem. Quanto ao foco deste estudo, o qual se deu na busca de referencias ao cuidado de Enfermagem às famílias, conforme descrito no capítulo de metodologia, nada foi mencionado sobre ações de cuidado às famílias, e poucas foram às inferências do cuidado que realizam ao indivíduo. Um exemplo de prescrição para a criança Hospitalizada é do tipo: “observar evolução de sintomas respiratórios”, “verificar temperatura axilar”, “promover ambientação ao setor”. São prescrições rotuladas, feitas de modo similar para todas as crianças que chegam com problemas respiratórios, enfim, não há uma prática de “olhar” para as necessidades de cada criança, conseqüentemente, menos ainda para às das famílias. Infelizmente, nos registros de Enfermagem nada aparece que possa mostrar ações em função da família, e quanto ao cuidado

do indivíduo, também possui incipiências que precisam de reflexão de toda a tribo de Enfermagem do HU. Um resgate da história do nascimento da metodologia de assistência, talvez seja o ponto de partida para esta reflexão.

O histórico de Enfermagem, as prescrições e as evoluções, onde se faz a avaliação e análise diária da situação de saúde-doença dos indivíduos, mostraram-se como pequenos resumos de sinais clínicos da patologia da criança, da puérpera, do recém-nascido. As prescrições parecem modelos prontos e estruturados para todos, não possibilitando a visão da individualidade, da identidade, das necessidades de cada indivíduo, nem de suas famílias. Para a maioria dos profissionais, a MAE é algo chato, cansativo, que consome muito tempo. Não conseguem ampliar sua imagem de um conhecimento mais próximo de quem cuida e a capacidade de gerar ações de cuidado, junto ao indivíduo e sua família (na ótica do contexto, como abordam as famílias), enfim, a metodologia se torna um desprazer no quotidiano de alguns destes profissionais.

Surgiu muito forte, nas falas dos mesmos, que o cuidado acaba não sendo registrado, tornando invisível o que fazem no dia-a-dia. Alguns Enfermeiros ganharam consciência disso quando foram questionados sobre o seu quotidiano, trazendo relatos como:

na hora nem vejo tantas coisas que eu faço, a gente vai sendo engolida pelo tempo, pressa e quando vê deixa de escrever tudo aquilo que a gente fez (registros). (Lápis Lazúli).

A metodologia da assistência é considerada importante por alguns destes profissionais; primeiro, pelo fato de ser um guia que conduz a realização de cuidados de Enfermagem, conforme as necessidades da criança, e também por ser um diferencial da Instituição que trabalham. É um marco que traz orgulho para quem é da Enfermagem deste Hospital e conhece a história do nascimento da metodologia de assistência.

O momento considerado mais importante para isto é o momento do Histórico de Enfermagem, uma das etapas da metodologia de assistência, na qual, os Enfermeiros, mais precisam conversar, comunicando-se e fazendo o acolhimento das famílias. Quando não conseguem fazer um bom histórico e está tudo tumultuado na Unidade, trazem a imagem de que parece que não conseguem que seu serviço seja adequado, bem fluido, ficam coisas para tràs, e as interações vão se desencadeando para o lado ruim. A fala da Enfermeira abaixo mostra esta noção de poucos:

Enfermagem que é o momento em que conversamos e fazemos o acolhimento com essa família. Hoje, por exemplo, teve uma única internação. Então o que eu fiz? Conversei uma porção com uma mãe que chegou, uma menina de 17 anos, uma menina que está vindo pela primeira vez para Florianópolis internada, de Bom Retiro. Então a gente conversa uma porção, e é nesse momento que a gente faz um contrato, mesmo que de uma forma informal. É onde a gente faz um vínculo, essa “amarração”. E, às vezes, eu percebo que quando não fui eu que fiz o histórico, eu sinto necessidade de me aproximar, pois me sinto meio distante dessa família. (Lápis Lazúli).

Há profissionais que consideram “ruim” escrever, como retrata a fala seguinte:

Odeio escrever. (Shimú)

Para muitos profissionai,s o fato de parar e registrar o que fizeram, possui a imagem de “tempo perdido”, e se pessoalmente o profissional já não tem o hábito da escrita, ou do manuseio do computador, torna-se um empecilho que estes usam para justificar a ausência de registros de Enfermagem nos prontuários.

Os Técnicos e Auxiliares de Enfermagem registram o que fazem na folha de observação complementar. Este documento é utilizado para se ter um panorama da situação de saúde-doença do paciente nas últimas 24 horas.

As Prescrições de Enfermagem é que norteiam estes registros. Então, parece haver uma cascata de desencontros. O Enfermeiro não gosta de realizar a MAE, os Técnicos não valorizam as prescrições de Enfermagem, até porque, há muitas intervenções que não são mais necessárias, e assim fica no âmbito do invisível, todo trabalho exercido pela equipe de Enfermagem.

Esta invisibilidade é um fator que precisa ser discutido desde a formação acadêmica. Acredita-se que se o graduando for sensibilizado para tal, conhecendo as etapas da metodologia e seu real significado para o cuidado que realizará, poderá ser um multiplicador desta prática no quotidiano da Hospitalização, bem como, em outros espaços também, visto que no âmbito da atenção bàsica, também há carência de registros de Enfermagem.

Na fala do profissional a seguir, observa-se que estes criam várias justificativas para não realizar o registro de Enfermagem. Ele se remete aos registros que precisa fazer nesta rede de atividades, considerada por ele, como complexa, como uma obrigação, e expressa

uma resistência ao instituído, considerando-os um trabalho a mais para o Enfermeiro:

digamos assim. Por que isso? Porque a gente está no meio de um todo, a Enfermagem está no meio. (Ágata Amarela).

Além da justificativa, de que registrar o que se faz é um gasto de papel desnecessário, ao mesmo tempo, ele se percebe como o elo entre os demais profissionais, o que poderia ser entendido como uma necessidade ainda maior deste registro. O volume de atividades que o enfermeiro desempenha, devido a esta característica de mediador, inerente à profissão, para ele, é um excesso; há tanto o que fazer e se questiona sobre qual o motivo de ter que escrever tudo o que é feito por ele.

Nas imagens deste profissional, devido à característica da Instituição Hospitalar EM que atua, o Enfermeiro monopolizou a responsabilidade de tudo para si; tudo é para o enfermeiro resolver, e este é quem vai gerenciando, desenvolvendo ações que não são suas. No caso da ausência do Serviço Social, o Enfermeiro é o Serviço Social, se não tem Psicólogo, ele é Psicólogo. O Enfermeiro encaminha, gerencia essas atividades de maneira geral. Tudo isso está relacionado ao movimento da Unidade: se o dia que está calmo, consegue sentar para tomar café e faz as coisas que faltam com calma; diferente dos dias que estão agitados, onde tudo precisa ser feito, correndo.

Em um estudo realizado pelo Departamento de Enfermagem do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, sobre os significados do processo de implementação do diagnóstico de Enfermagem, Lima e Kurcgant (2006), relatam imagens semelhantes de resistência dos profissionais para a implementação deste processo. A população de Enfermeiros que participou do estudo ficou dividida entre a empolgação e o interesse de inovar sua abordagem de cuidado, e os demais que se mostraram resistentes às mudanças em função da sobrecarga de trabalho. Segundo os autores, estas resistências estão vinculadas ao imaginário do futuro, às percepções individuais, experiências passadas e ao ônus comum a qualquer mudança.

Como resultados de análise, Lima e Kurcgant (2006), abstraíram que os Enfermeiros, apesar de trazerem sentimentos de medo, insegurança, ainda lhes faltam preparo, dificuldade de aceitar o novo, desconforto e a imagem de imposição das chefias. Perceberam também a necessidade de avançar no processo de cuidar com qualidade, e também na produção de conhecimento para nossa área. Quando ocorreram os encontros, os participantes tornaram-se solidários ao processo e se conscientizaram da importância de compartilhar em conjunto as

dificuldades, e também de buscar soluções para um cuidado de qualidade, em grupo.

Deste modo, volto a evidenciar que, embora os registros de Enfermagem não tenham sido o objeto principal deste estudo, mas uma de suas vertentes, eles mostram uma concretude do que ocorre no quotidiano dos profissionais de Enfermagem e nas suas relações com os que cuidam. Creio que, a partir do conhecimento e reconhecimento do que o registro desta metodologia influencia no processo de cuidar e as potências que traz para a Enfermagem enquanto profissão, os profissionais passarão a olhar para este aspecto de seu quotidiano da Hospitalização como uma possibilidade de cuidar, pautada na cientificidade e na sensibilidade junto às crianças, mães, acompanhantes, enfim, às famílias, que poderão também se sentir mais valorizadas no seu cuidado.

Sendo assim, entende-se que é preciso transfigurar a imagem atual sobre os registros! Após esta transformação que precisa ser interior, para depois se tornar visível no quotidiano, acredito que os profissionais Enfermeiros poderão, inclusive, ampliar o respeito de seus pares expresso também na utilização de seus registros. Dentro deste pensamento, podemos resgatar Nitschke (2005):

Registrar nossas atividades é uma atitude de respeito: com aqueles que cuidamos; junto aqueles que pesquisamos; com nossos colegas de trabalho, construindo uma equipe multiprofissional que busca realizar um trabalho interdisciplinar; enfim, conosco. Os registros permitem-nos dar continuidade ao cuidado e à ciência, compartilhando e socializando, além do respaldo legal que também podem proporcionar.