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CAPÍTULO 7 O QUOTIDIANO DA HOSPITALIZAÇÃO MATERNO-INFANTIL:

7.1.4 O quotidiano se mostrando através da comunicação

A comunicação através da conversa é uma das maneiras de o Enfermeiro promover o encontro para conhecer as mães. Para estes, quando uma mãe chega e quando eles “conversam uma porção” é nesse momento que estes profissionais fazem “um contrato”, mesmo que de uma forma informal. É onde realiza o vínculo, a “amarração. Sentem necessidade de aproximação. É um dos elementos que surge como inerente ao quotidiano de cuidado da Enfermagem, uma das dimensões que faz parte do cuidado que aproxima, acolhe, permite integrações entre os profissionais e as famílias.

Mas a conversa pode dificultar as relações, quando estabelecida de forma inadequada, com conotação de autoritarismo ou desrespeito. A ausência da conversa pode ser também é um fator relevante do quotidiano, visto que, a maioria dos profissionais, considera-a importante no processo de cuidado, e as famílias relatam que quando a equipe não conversa, sentem-se sozinhos e desvalorizados enquanto seres humanos. Como na fala de Topázio, a conversa significa também reconhecer o sentimento do outro:

Converso, vejo como o paciente está se sentindo em relação à internação, as vezes tem uns que estão um pouco angustiados, converso um pouco.

(Topázio).

Maffesoli (2005a, p. 81), ao falar sobre a comunicação, contribui para a reflexão sobre a conversa e o diálogo como meio de aproximação e do encontro da equipe de Enfermagem no quotidiano da Hospitalização materno-infantil com as famílias, ou com os pacientes e seus acompanhantes, como uma situação indispensável:

A comunicação, assim como a imagem e o estilo, são simplesmente os elementos mais marcantes de uma cultura nascente, cultura essa que nada mais tem a ver com aquela que prevaleceu durante a modernidade, e que, sem muito barulho, mas não sem efeitos, está revolucionando todo o estar- junto pós-moderno.

Costa (2004, p. 112) diz que:

A comunicação pode ser entendida como um processo de troca de compreensão de mensagens enviadas e recebidas. É por meio dessa interação que as pessoas se percebem, e partilham o significado de idéias, pensamentos e propósitos. Entretanto, a comunicação sofre influências diversas, como o ambiente, fatores emocionais das pessoas que compartilham a mensagem.

A comunicação entre os profissionais e, especialmente, entre estes e as famílias é a grande possibilidade de se fazer a leitura de muitas falas não ditas. Em momentos difíceis como a morte, a comunicação pode ser o silêncio, a escuta. É importante ressaltar que os profissionais nem sempre conseguem estabelecer estas outras formas de comunicação, e esquecem-se de “olhar e ver” o que a expressão facial, a posição corporal está “falando incessantemente”.

A comunicação relaciona-se à imagem de Educação que surgiu várias vezes nos relatos destes profissionais, vinculando-se às conversas caracterizadas como orientação que fazem para as famílias, e entre si, de como realizar o cuidado à criança na Unidade, e após sua alta. Esta imagem que os profissionais trazem sobre Educação como expressão de suas conversas relativas às orientações, reforça que as famílias são vistas pelos profissionais como os instrumentos para o cuidado da criança; assim, a comunicação caracterizada como um orientar e educar as famílias, poderia ser um cuidado direcionado a elas, se partisse das necessidades expressas por elas mesmas, mas ficou evidente que tais ações ocorrem a partir da criança, ilustrando, novamente, a imagem do cuidado de Enfermagem às famílias, na perspectiva do contexto.

Vale ressaltar que a família possui o seu tempo para estabelecer a comunicação com a equipe de Enfermagem, o que, na maioria das vezes, não é respeitado pelos profissionais. Existe uma urgência nesta interação pela comunicação. O profissional atropela o tempo da família que, em muitas situações, é coadjuvante nesta comunicação, que na verdade é um monólogo. Nas observações de campo, por diversas vezes, testemunhei, nas Unidades

pesquisadas, em documentos e nas entrevistas, que a conversa envolvendo orientação como imagem da Educação, que os profissionais entendem como um diferencial em seu quotidiano de cuidado, só é possível desde que as pessoas, as famílias, não questionem.

Aceitar as orientações dos profissionais leva-os à imagem de que as crianças, as puérperas, as mães, estão sendo atendidas, “bem esclarecidas”, mas neste anonimato, nesta “aparente” aceitação pode se mostrar uma resistência silenciosa, ou seja, elas manifestam a aparência de que estão entendendo e aceitando as orientações, mas, em seu ambiente de autonomia, “fazem a sua maneira”, seguem seu próprio conhecimento sobre o viver.

A comunicação precisa ser compreendida pelos profissionais como um processo, que inicia com os primeiros contatos, estreitando laços de confiança, com o passar do tempo, alicerçados nas imagens que as famílias têm sobre os profissionais. Se não houver confiança, a comunicação volta a ser um monólogo travestido de diálogo. Podendo nos remeter á teatralidade, onde cada um desempenha um papel, construído socialmente, sem esquecermos sempre atendendo a uma lógica, que, neste caso, parece ser a lógica da dominação, do profissional sobre aquele que por ele é cuidado. Para as famílias, a conversa também é a base para as interações entre elas e os profissionais:

Como eu te falei, a base é a conversa. Chegando e conversando, um bom dia pelo menos. (Sodalita).

Ao se referir à teatralidade, Maffesoli (2005b, p. 310-311), fala sobre as màscaras da identidade:

A bipolaridade indivíduo (fechado) – pessoa (aberta) deve, é claro, ser compreendida como uma tendência geral, como algo que vai ser a causa e o efeito de um “espírito do tempo” específico. O predomínio da pessoa (persona) é correlativo a uma realidade relacional, a um primado da comunicação. [...] nesse jogo de cena, o eu dobra-se e desdobra-se ao infinito, mostrando bem que a superfície da comunicação é uma reversibilidade constante entre os pólos que são ora objetos, ora sujeitos, numa sucessão de seqüências que constitui o que se chama “eu”.

Deste modo, refletindo sobre o que Maffesoli nos traz e transpondo para o quotidiano da Hospitalização materno-infantil, compartilhada entre famílias e profissionais, podemos dizer que este “eu”, do ser humano comunicacional, requer atenção do profissional. Aspectos importantes de sua vivência escapam de sua observação, por estar voltado apenas ao cumprimento de suas atribuições, esquecendo que, para haver comunicação, precisa de

integração, onde ambos, profissional e família, precisam destacar as prioridades de cuidado, através da comunicação, para que saiam satisfeitos desta experiência.

Para ilustrar a importância da escuta e da troca que a comunicação pode gerar nas interações, trago um poema de Rubem Alves:

Escutatória

(Rubem Alves) Sempre vejo anunciados cursos de oratória.

Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar,

ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória,

mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.

Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma".

Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.

Parafraseio o Alberto Caeiro:

"Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma".

Daí a dificuldade:

a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e

precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade:

no fundo, somos os mais bonitos...

Estados Unidos estimulado pela Revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios:

reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano,

ficam assentados em silêncio, [...].

Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas..

Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.

Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos. Pensamentos que ele julgava essenciais.

São-me estranhos.

É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.

Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou.

Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala.

Falo como se você não tivesse falado". Segunda: "Ouvi o que você falou.

Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".

Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

O longo silêncio quer dizer:

"Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião.

Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

Fernando Pessoa conhecia a experiência,

e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.

No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.

Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.

Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros:

a beleza mora lá também.

Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam em um contraponto.

7.1.5 O quotidiano se mostra na ausência ou resistência aos registros do cuidado de