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CAPÍTULO 7 O QUOTIDIANO DA HOSPITALIZAÇÃO MATERNO-INFANTIL:

7.1.3 O quotidiano se mostrando nas imagens de famílias que os profissionais

Os profissionais da Enfermagem, ao refletirem como é o quotidiano da Hospitalização, trazem imagens sobre as famílias que surgem a partir de suas vivências, postura, educação, formação, e interações que estabelecem com as mesmas. O entendimento do que é ser família em suas relações dentro e fora do ambiente Hospitalar faz com que identifiquem as famílias, considerando-as como: as pessoas que chegam ao Hospital com seus filhos para a Hospitalização que vieram das ruas, cheias de problema; e não sendo só a criança, pois esta criança pertence a uma família, que tem necessidades, fome, enfim, são famílias da contemporaneidade. Tudo isso envolve a criança que está ali. Destacam que se a mãe dessa criança está reclamando, muitas vezes, ela está reclamando da vida dela, das coisas dela. Neste momento, podemos nos remeter À reflexão de que as famílias são identificadas neste quotidiano como contexto, uma vez que, nas próprias falas, os profissionais dizem que não é só a criança: esta pertence a uma família.

As mudanças no ritmo da vida social estão atingindo a essência das pessoas que se expõe aos riscos da violência totalitária de uma sociedade desigual, e estas famílias chegam ao Hospital com estas distorções sociais, e as mazelas humanas que acabam aparecendo em forma de reclamações. Estas ocorrem expressando esta desigualdade, o mecanicismo social da falta de identidade. As famílias estão vivendo uma sociedade de consumismo, onde o ter é mais importante que o ser, e estas definições que a sociedade impõe, levam-nas à perspectiva de desconfiança de tudo e de todos. Por vezes, as famílias ficam no silêncio dos anônimos para evitar que seja discriminado no ambiente Hospitalar, e mantêm este silêncio pela chamada ditadura da cultura de que o profissional da saúde, e o pessoal do Hospital irão cuidá-los e curá-los e, por isto, não podem desrespeitar suas ordens. Isto nos remete à Baudrillard quando nos provoca e escreve o seu “à sombra das maiorias silenciosas (1993)”. Mas isto também não seria uma resistência silenciosa que Maffesoli nos sinaliza?

Acredito que este silêncio, seja sim, uma forma de as famílias expressarem suas revoltas, suas angústias, seus desafetos. Uma resistência silenciosa sobre o caos do trágico que se encontra o processo de cuidar, na Saúde, de modo geral.

Neste aspecto, inerente também ao quotidiano, a revolta é comportamento dos profissionais, haja vista, que estes não compreendem tal postura, inclusive por se identificarem com estas famílias, e ao mesmo tempo, temê-las, pelas situações de barbárie em

que vivem e que mostram no quotidiano da Hospitalização.

Porém, estas famílias chegam sedentas de humanidade, de calor fraterno, de acolhimento, de respeito e de dignidade, enfim, de uma ética da estética e do emocional, à busca de equilíbrio deste social. Neste ambiente, mostra que nas delimitações das paredes dos Hospitais, as regras, os limites, o poder que sempre pareceu nos proteger, hoje requer releitura, sendo que as nuanças da pós-modernidade nos subsidiam para uma compreensão que podem sinalizar um caminho, inclusive para que os profissionais possam buscar capacidades, potências, maneiras para o cuidado das famílias que se mostram na contemporaneidade.

Por vezes, a equipe está em um momento de vida em que não se consegue entender tais diversidades e se questiona. As famílias chamam a atenção da Enfermagem, querem ser vistas e consideradas como seres de cuidado e que cuidam. Para os profissionais, as famílias se mostram emocionadas com a diferença do mundo no qual vieram. No Hospital, em um contra-ponto, estão sendo acolhidas, chamadas pelo nome, têm lugar aquecido, têm respeito, dignidade e, por isso, nem desejam sair deste espaço, exceto quando há situações mal resolvidas fora dali, como filhos que ficaram sozinhos, companheiros que podem expor as demais crianças aos riscos de violência sexual, falta de alimentos, responsabilidades com a Escola, enfim, atribuições comuns à mulher e mãe, presentes nas dinâmicas familiares.

Maffesoli (2001), fala sobre esta noção de busca pela atenção, pela emoção, pelo afeto, que na modernidade foram amplamente destituidos do ser humano. O indivíduo deveria ser único, seus contratos sociais, sua vida, suas ações o levavam à lógica da identidade única, aquela que limita a uma única imagem. Para o autor:

A metáfora do nomadismo pode nos incitar a uma visão mais realista das coisas: pensá-las em sua ambivalência estrutural. Assim, para a pessoa, o fato de que ela não se resume a uma simples identidade, mas que desempenha papéis diversos através de identificações múltiplas. Da mesma forma, no que concerne à vida social, o vaivém constante que existe entre os mecanismos de atração e de repulsa.

Durante a realização de procedimentos como a medicação, os profissionais observam as famílias; são nestes instantes que observam o que foi dito acima, ou seja, as diferenças dos tipos de doença, os papéis sociais das famílias, percebem que, nem sempre, a doença que trouxe a criança e sua mãe ao Hospital é física, por vezes, é a doença de carinho. Compreendem que as famílias também precisam de apoio, principalmente, na parte afetiva.

Na concepção destes profissionais, as famílias não sabem o que é isso, não aprenderam, portanto, falta carinho para todos.

O pai não sabe, a mãe não sabe, a criança não recebe carinho. (Pérola

Negra).

Este ritual, que, a priori, parece apenas mais uma rotina de fazer medicação, é o momento de encontro de alguns profissionais que “olham” para as famílias, as crianças e revelam estas imagens, da doença de carinho. É a ética da estética se mostrando mais uma vez! Para Maffesoli (2007 b, p.17):

É preciso saber catalisar o que é vivenciado justamente porque é vivenciado. A crítica não basta, em certos momentos, ela priva de ar o espírito, contra a rotina universitária, contra a azáfama de sua tagarelice, é preciso saber elaborar um pensamento radical diretamente voltado para a existência.

Algo pertinente a este quotidiano, mas que também se mostrou nas demais Unidades, é a opinião pessoal dos profissionais, e estes passam suas idéias para as famílias, de acordo com suas crenças. A fala seguinte mostra exatamente como esta nuança é típica das interações que ocorrem no quotidiano:

Eu acho que a era das avós já passou faz tempo, eu sempre procuro passar para elas que não tem essa de você ter um bebê e achar que a sua mãe tem que cuidar do seu bebezinho, ela não estará 24 horas por dia para te socorrer, então tu tem que sair daqui segura para saber o que fazer com o seu bebê em casa. (Turquesa).

Revendo a fala acima, é possível identificar que as culturas, as imagens, podem interferir nas ações de cuidado dos profissionais, uma vez que, são as famílias, quem precisam definir o grau de importância de seus membros para compartilhar suas vivências. Não faz parte do papel profissional, pré-julgar quem deve ser o responsável direto por algum cuidado. A dinâmica familiar é esquecida, os arranjos familiares negligenciados, enfim, a família na sua singularidade, e unicidade não é considerada neste processo de cuidar. Tais posturas profissionais não significam que seja o objetivo do profissional fragmentar a família, de estabelecer as regras com igual consciência, mas de repetir suas experiências pessoais para as pessoas que cuidam.

A saúde da família, embora diferente da saúde de seus membros, está, no entanto, interligada à mesma. Desta forma, uma família funciona como um sistema fechado em termos de comunicação, não trocando energias com outros subsistemas, pode influenciar negativamente a saúde de seus membros, que terão problemas para iniciar relações com outras pessoas não pertencentes ao círculo familiar. Igualmente as famílias nas quais a agressividade é a forma comum de relacionamento podem afetar a integridade física ou emocional de seus membros. Por outro lado, famílias saudáveis que dão apoio aos seus membros, que são flexíveis a mudanças em seu funcionamento para atender a suas necessidades, têm permitido ao indivíduo doente manter aderência ao tratamento, possibilitando sua reabilitação e ou recuperação da saúde.

Neste caso, o quotidiano além de se mostrar na imagem que os profissionais têm das famílias, vale destacar que entrelaçam, nesta noção, o que suas famílias representam para si. É significativa a junção que estes profissionais fazem entre as famílias que surgem no Hospital e o que conhecem de família em sua particularidade familiar. Elsen (1994, p.62), já falava desta dificuldade que os profissionais da saúde possuem ao compreender a noção de família.

Segundo a autora, “na vida diária, quando falamos de família, não nos parece necessário defini-la. Partimos do pressuposto que todos têm em mente um significado idêntico, uma vez que a maioria de nós faz parte de uma unidade familiar”. Talvez esta dimensão do entrelaçamento do pessoal com a profissional seja um fator motivador para que os profissionais definam ações de cuidado para a família ter com seus bebês, quando determinam que o tempo das avós já acabou, sem refletir que as dinâmicas,os tipos de relações familiares se diferem cada dia mais e, portanto, conferindo a complexidade de ser família, bem como, de cuidar da saúde da família como foco, ao invés de avaliá-la como contexto do indivíduo.

Maffesoli (2007 b, p.111-3), destaca que:

Romper o preconceito individualista que marcou a cultura ocidental não é fácil. A opinião comum transformada em opinião especializada, secreta, decreta que o individualismo é onipresente. Ninguém o prova, trata-se de um postulado. [...] a consciência de si, pivô das filosofias ocidentais, conduz este sujeito senhor de si, e protagonista essencial de um contrato social racional e voluntarista. Ao passo que a consciência em seu sentido moral, vincula-se essencialmente ao outro. Tudo isto também é constitutivo de uma realidade plural, que não se resume ao que pode ser quantificável, mas que se abre para o imaterial da relação.

focados na doença, na cura, na estabilidade de realizar técnicas, ainda que, sensivelmente, é esperançoso vislumbrar nas falas destes profissionais que há um sentimento de importância das famílias, de reconhecimento que estas estão dentro do quotidiano da Hospitalização, e por isso, desejam ser cuidadas como um sistema e não como fragmentos. E é nestas falas, mantidas em sua fidedignidade, que emergiu a noção que estes possuem de “família”.

A “noção de família” se mostra a partir das imagens de quotidiano que os profissionais da área materno-infantil trouxeram, sendo para eles a família:

A família é um bem precioso de Deus. Um presente de Deus, instituído por ele mesmo, que é a base da sociedade; sem a família não é possível estruturar uma sociedade, todos querem fazer tantas coisas, mas há a necessidade de estruturação familiar. Família é a base, é o chão, é poder voltar para casa, ter com quem chorar e lamentar. Para que um organismo funcione é necessário que cada célula funcione, depois os órgãos e depois o organismo como um todo. Família é tudo. Sem família a gente não tem por que viver.

A família é a base de tudo, é o princípio, tem um papel muito importante na vida, é a base familiar que dá o referencial, e se houver um elo familiar de educação, amor, diálogo, união, as crianças se tornam adultos bem formados e quando formam suas famílias, levam este exemplo de base, junto. É um núcleo de convivências, unidos por laços afetivos e que compartilha o mesmo ambiente.

É a base de tudo, é o pai, a mãe, os irmãos, os tios e avós, mas independente de ter laços consangüíneos, são pessoas que estão juntas por afinidade, por afeto, que se ajudam, é um refúgio, um ambiente onde existe um apoio, onde existe união e respeito. É quem acredita no que faço, família é a nossa raiz, nosso alicerce, o começo, a base de tudo.

A família não é somente a relação entre você e esposo, filhos, pai e mãe, muitas vezes, é no seu lugar de trabalho, mais que com a própria família, pois você cria um vinculo grande. Família é a do trabalho, a de parentesco, todas precisam de atenção, pois são envolvidas por emoções e sentimentos. Família são pessoas que vivem juntas, nem sempre com o mesmo laço sangüíneo.

No primeiro momento, a família possui a imagem de pai, mãe, avós... os que vivem numa casa só, mas depois se estende a todos os outros parentes e, também a família que a gente pode chamar de trabalho, ou de grupos de amigos, considerados como se fossem da família, é uma afinidade que existe entre as pessoas.

Há vários tipos de família, principalmente com essa mudança social, as pessoas têm outras visões, família é superimportante, é o que dá força, o que alimenta para viver. A família é a que dá o suporte, que faz a diferença quando se precisa de cuidado. Família é o elo mais importante que existe. Na família, as pessoas precisam umas das outras, que elas trazem algumas coisas de um passado, de vidas anteriores, que possui essa ligação por bem ou por mal.

É na família que aprendemos a conviver pelo prazer da convivência. É a relação familiar, é a paz dentro de casa, é ter muito diálogo com todos, para se manter esse elo sempre acima de tudo. É a força do amor que precisamos para seguir em frente. As famílias, independente de como estão formadas, por mais que se briguem, que se desentendam, estão unidas. A família é a tua

matriz, se você não estiver bem com a sua família, você não estará bem em lugar nenhum. Não é porque é família que tudo vai ser perfeito. Na família é possível brigar, desentender-se, somos seres humanos, mas aquele amor de família está presente dentro de nós. Mesmo quando não se está bem um com outro, é preciso aquele tempo de passar os medos, as raivas e as angústias e depois se possa voltar para conversar novamente e tentar resgatar sempre esse elo.

Família é poder se reunir nos finais de semana, sentar à mesma mesa. (Noção de Família dos profissionais de Enfermagem da área materno- infantil-HU, dezembro de 2008).