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Controvérsia sobre obrigações Erga Omnes decorrentes da liberdade de

13 Interesse político-jurídico dos Estados da comunidade internacional de obrigar um

13.3 Controvérsia sobre obrigações Erga Omnes decorrentes da liberdade de

obrigações Erga Omnes: alguns defendem que todas as normas internacionais em defesa dos direitos humanos constituem tais valores e/ou princípios, ao passo que outros defendem o contrário, alegando que somente certas normas internacionais devem ser consideradas como tal. Esta última tese foi a posição da CIJ; essa Corte chegou a esse entendimento, justamente, no caso Barcelona Traction37, quando defendeu que as obrigações Erga Omnes tiveram a sua origem no Direito Internacional Contemporâneo, que se baseia, na maioria das vezes, no respeito incessante aos direitos e liberdades do indivíduo humano.

As normas que zelam pelo respeito a esses incessantes direitos e liberdades do indivíduo humano fazem parte do sistema internacional de defesa e promoção dos direitos humanos, vistos como universais. Nesse caso de Barcelona Traction, a CIJ introduziu uma diferença no instituto dos direitos humanos, alegando que existem as diferenças entre direitos humanos fundamentais e direitos humanos em geral, ou seja, existem direitos humanos fundamentais e direitos humanos não fundamentais, de modo que somente os fundamentais têm a força vinculante de obrigações Erga Omnes.

Para a CIJ, as obrigações Erga Omnes costumeiras seriam as provenientes das normas e princípios concernentes aos direitos mais básicos da pessoa humana. Ora, essa diferença dos direitos humanos fundamentais para com os direitos humanos não fundamentais, alegada pela Corte, vinha ganhando muita força no cenário da comunidade internacional, mas deixou de ser útil nessa comunidade a partir de 1993, com a realização da II Conferência Mundial dos Direitos Humanos em junho daquele ano em Viena, quando foram perfilhados a Declaração e o Programa de Ação de Viena.

Na verdade, a DUDH e a I Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em Teerã em 1968, concluíram a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos, mas essa tese era vista mais no contexto dos direitos Civis e Sociais, não muito no contexto da divisão entre os direitos humanos fundamentais e os direitos humanos em geral, como muitos pensam.

37 Este é um caso julgado em 1964 pela CIJ, em que o governo da Bélgica pediu a reparação de danos sofridos

Foi na II Conferência Mundial dos Direitos Humanos que essa interpretação veio a ser alargada também no sentido da não validação da interpretação dada pela CIJ, no que concerne à divisão dos direitos humanos em direitos humanos fundamentais e direitos humanos em geral. A partir dessa Conferência foi, claramente, definido que a matéria dos direitos humanos deve juridicamente ser defendida e promovida de uma forma igualitária, indivisível, devendo-se considerá-los, ao mesmo tempo, interdependentes. Neste sentido, não existem os direitos humanos fundamentais e não fundamentais, somente existem os direitos humanos, os quais, imperativamente, devem ser protegidos e promovidos por todos e para todos, em prol de um mundo cada vez mais justo e pacífico, onde todos os seres humanos tenham direito a uma vida digna, livre, igual e solidária.

É praticamente consensual que, em tudo que se relaciona com questões de defesa e promoção dos direitos humanos, seria contraditório fazer uma divisão dentro do seu conteúdo, uma vez que são direitos indivisíveis e indispensáveis na sua totalidade para uma vida digna de todos os indivíduos humanos, sendo impossível defender mais determinados conteúdos dos direitos humanos e menos os outros. A Declaração e o Programa de Ação produzidos nessa II Conferência fizeram questão de esclarecer explicitamente que:

Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, inter-dependentes e inter-relacionados. 38A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase [...] A Conferência Mundial sobre direitos humanos reafirma

a importância de se garantir universalidade, objetividade e não-seletividade

na consideração de questões relativas aos direitos humanos. (ALVES, 2007,

p. 153, 162).

O Con.DH, ao lembrar que a liberdade de expressão é um importante indicador para a proteção de outros direitos humanos, também teve o mesmo posicionamento em relação à universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos. Essa posição foi reconfirmada na sua resolução aprovada no 12º período de sessão; nesse sentido veja-se:

Considerando también que el ejercicio efectivo del derecho a la libertad de

opinión y de expresión es un importante indicador del grado de protección de otros derechos humanos y libertades, teniendo presente que todos los derechos humanos son universales, indivisibles e interdependientes y están relacionados entre si. (CONSEJO DE DERECHOS HUMANOS, 2009, p. 1).

Trazendo essas justificativas, torna-se inquestionável a tese que garante a não validade da divisão dos direitos humanos em direitos humanos fundamentais e direitos

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humanos comuns. Uma vez que a própria comunidade internacional já proferiu entendimento, na citada Declaração e Programa de Ação, de que os direitos humanos devem ser tratados em todo o globo de uma forma equitativa, ou seja, imparcial, na base da igualdade, com o mesmo destaque e que, ao levá-los em consideração, não será permitida a diferenciação e muito menos um critério de escolha entre tais direitos.

Quando se fala da indivisibilidade, de interdependência e da igualdade dos direitos humanos, seria bom não interpretá-los somente na vertente horizontal, ou seja, da indivisibilidade, interdependência e igualdade entre os direitos civis e políticos com os direitos econômicos, sociais e culturais, mas também deveria interpretá-los na vertente vertical, segundo a qual todos os direitos humanos se encontram no mesmo patamar, na mesma categoria e nível, não havendo hierarquia entre tais direitos, não existindo privilégios entre os direitos humanos. A teoria que alegou a divisão entre tais direitos não tem consistência, uma vez que todos os direitos humanos são fundamentais à dignidade da pessoa humana.

Apesar de todas essas controvérsias existentes, não há discussão quanto à interpretação da liberdade de expressão como uma norma integrante dos princípios essenciais que constituem obrigações Erga Omnes, inclusive essa tese é confirmada por Tans:

[...] among the candidates most likely to have acquired erga omnes status. By way of example, suffice to mention other human rights, such as the right to life, fair trial guarantees, freedom of expression, or the freedom from arbitrary detention. (TAMS, 2005, p. 233).

Segundo este autor, outros direitos humanos, tais como o direito à vida, garantias de um julgamento justo, liberdade de expressão, entre outros, encontram-se entre os prováveis candidatos a adquirir o estatuto de obrigações Erga Omnes. Então, mesmo se tivesse prevalecido até hoje a tese da CIJ sobre obrigações Erga Omnes, a liberdade de expressão estaria entre tais direitos humanos fundamentais defendidos por essa Corte.

Entende-se que: qualquer que seja o instituto de direitos humanos – inclusive o de liberdade de expressão e de mídia –, está em uma situação de igualdade com os demais e, portanto, devem ser objetos de obrigações Erga Omnes, sem nenhum tipo de restrição. Nessa ordem, sendo a Guiné-Bissau um Estado integrante da comunidade internacional, em casos de ataques sobre os direitos humanos – inclusive das liberdades em estudo –, pode infalivelmente ser objeto de uma petição inicial de um Estado-terceiro perante a comunidade internacional, com fins de obrigar esta a determinar à Guiné cessar e corrigir as violações praticadas, da mesma forma que a Guiné poderia tomar essa iniciativa em relação a outros Estados.

CAPÍTULO V

NECESSIDADE DA INCLUSÃO DOS CRIMES SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO NOS CRIMES SOB A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL

INTERNACIONAL

14 Primeiras linhas

Somente a título ilustrativo, para ver o quanto a questão alusiva à liberdade de expressão – em especial a de comunicação social – é muito preocupante e merece uma atenção redobrada por parte das instituições internacionais dos direitos humanos, a ONU escolheu o dia 2 de novembro como data internacional comemorativa pelo fim da impunidade dos crimes praticados contra os profissionais de comunicação social; a ideia seria de intensificar ainda mais o combate contra os crimes praticados contra jornalistas em todo o mundo, pelo fato de estes constituírem um setor da sociedade indispensável à democracia, à informação da sociedade e à construção da paz no mundo. No seu discurso comemorativo alusivo a esta data, em 2014, o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, proferiu a seguinte mensagem:

Durante la última década, más de 700 periodistas han sido asesinados por cumplir con su tarea de informar al público. Es preocupante que tan sólo el 10 por ciento de estos crímenes haya concluido con una condena. La impunidad envalentona a los criminales y al mismo tiempo tiene un efecto aterrador sobre toda la sociedad, en particular, sobre los propios periodistas. La impunidad conduce a más violencia, y se establece así un círculo vicioso (ONU. Día Internacional para poner fin a la impunidad de los crímenes contra periodistas, 2 de noviembre).

O atual responsável máximo da ONU, nessa sua comunicação oral, informou que, nestes últimos 10 anos, mais de 700 profissionais de comunicação social foram mortos no exercício das suas funções em todo o mundo, e o pior ainda é que somente 10% desses casos tiveram um processo concluído com uma condenação, ou seja, em outras palavras, praticamente, de cada 10 atos de violência ocorridos no mundo contra os jornalistas, 9 deles não foram punidos. Para Ban Ki-moon, essas estatísticas sobre a impunidade acabam dando ainda mais um incentivo aos criminosos nos seus ataques aos jornalistas e, além disso, acabam tendo um resultado negativo perante a sociedade.

O Homem dos direitos humanos é uma pessoa. “Todo o homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei”, proclama a Declaração Universal de 1948 (art. 6) (SUPIOT, 2007, p. 236). Isso é o que dá todo o fundamento à nossa

defesa da inclusão das violações a certas liberdades públicas nos crimes sob a competência do TPI. No próximo item, apresentar-se-á uma abordagem sucinta sobre a Corte Africana dos Direitos Humanos. Em termos lógicos, o Estado é uma instituição do direito que deveria proteger os direitos fundamentais dos indivíduos humanos, mas acontece o contrário: na maior parte do mundo, o próprio Estado foi considerado como a instituição que mais viola os direitos fundamentais dos seus cidadãos, e é por razões como essa que se deu origem aos tribunais regionais e internacional, com o intuito de procurar ao máximo possível o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, como sendo um valor jurídico acima de todos os valores.

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