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Operacionalidade da Assembleia Nacional Popular guineense como um órgão

7 Amparo da liberdade de expressão e de comunicação social no campo do direito

8.1 No contexto do poder executivo

8.1.1 Ataques aos profissionais de comunicação social

8.1.2.1 Operacionalidade da Assembleia Nacional Popular guineense como um órgão

Outra instituição que também deveria ter um papel fundamental na democracia guineense é a ANP, mas, de fato, dados demonstram que esta entidade da soberania nacional tem tido pouca produtividade ao longo desses anos da democracia. Veja-se o que a Liga dos Direitos Humanos diz sobre a Assembleia Nacional da Guiné-Bissau:

O estrangulamento a nível da organização e do funcionamento das instituições públicas também se deve à inoperância da Assembleia Nacional Popular que, enquanto órgão de soberania, não tem sido capaz de exercer o devido controlo político ao governo. As suas comissões especializadas são ineficientes e sem programas e planos estratégicos para monitorizar e controlar a implementação do programa do governo por ela aprovada. Numa perspectiva dos direitos humanos, o Parlamento é o principal fiscalizador da legalidade e instituição da promoção e proteção dos direitos humanos, através das leis, definições dos programas de governação, controlo das dotações orçamentais e serem destinados à erradicação da pobreza, exclusão e injustiça social (LIGA GUINEENSE DOS DIREITOS HUMANOS. RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA GUINÉ-BISSAU 2010/2012. IMPRESSÃO: GUIDE ARTES GRÁFICAS. EDIÇÃO LGDH. p. 108).

Responsabiliza a ANP pelas falhas cometidas nas administrações de outras entidades públicas guineenses, uma vez que a própria ANP é o órgão principal da soberania nacional,

com poderes constitucionais para realizar um controle e fiscalizar quase todas as ações do poder executivo, como também das execuções de políticas públicas deste, principalmente relacionadas aos direitos básicos dos cidadãos. Acusa as comissões parlamentares de inoperância, uma vez que nem sempre delineiam um esboço de projetos eficazes com o intuito de fiscalizar se os planos aprovados pela própria Assembleia Nacional estão sendo executados na prática pelo poder executivo.

Aliás, falando das principais tarefas da ANP, sabe-se que uma delas seria a produção das leis. Lembrando bem que as obrigações dessa instituição não se limitam exclusivamente à fiscalização das atividades constitucionais e legais do poder executivo, mas também incluem a criação das próprias leis, entre outras atribuições. Sobre o assunto, transcrevo as palavras do Conselheiro Jurídico do Presidente da ANP:

[Ao ser perguntado se a Assembleia Nacional Popular está produzindo as leis, levando em consideração as necessidades da sociedade guineense, Respondeu o seguinte:] Olha, começo a dizer que está e de outro lado não está. Quando digo que está, é que Assembleia efetivamente, do ponto de vista da produção legislativa, tem efetivamente quase viabilizado todas as leis que estão aqui em termos de proposta de lei que vem do Governo, assim também como os tratados que são assinados pela Guiné-Bissau e alguns acordos internacionais normalmente são viabilizados em quantidade que chegaram, não porque não fazer o debate e análise detalhada dos textos, mas também há quase um consenso de viabilização da legislação quando ela entra e particularmente quando ela colhe consenso, porque que eu digo que eles fazem isso com uma certa vontade, normalmente as leis na Guiné acabam por ser feitas em estrita colaboração entre os deputados e próprio proponente da lei, estou aqui a referir ao Governo. Assim sendo, acaba por ser fácil o debate, desde que não tragam muitas questões políticas, questões de opções políticas, quando se trata de questões técnicas, a viabilização acaba por passar rápido. Por outro lado digo não, por quê? Porque nós sabemos que Assembleia é aquele órgão de que permissão de produzir as leis, não em nível de receber propostas, mas sim de ter iniciativa própria de leis, e aqui por acaso é muito escasso leis de iniciativa da Casa, é muito raro (ANSUMANE SANHÁ, MAGISTRADO JUDICIAL DE PROFISSÃO, CONSELHEIRO JURÍDICO DO PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL POPULAR EM COMISSÃO DE SERVIÇO; ENTREVISTA CONCEDIDA EM JANEIRO DE 2014).

Para o Conselheiro Jurídico do Presidente de ANP, este órgão, em termos de legislar, produz, uma vez que é muito eficaz em termos de debates, votações e aprovações das leis encaminhadas pelo poder executivo à Casa Legislativa; na realidade, quase todas as leis recebidas são votadas e aprovadas em um ritmo acelerado, o mesmo acontece com os instrumentos internacionais que o Estado da Guiné assina lá fora, nesse ponto, sempre há uma relação amistosa entre estes dois poderes da soberania. Mas, em outra vertente, este órgão não produz, pelo fato de quase nenhuma lei surgir da exclusiva iniciativa dos próprios

parlamentares, nesse contexto estes são completamente em inércia, esperam somente atuar quando houver uma lei já pronta em cima das suas mesas para somente debater, votar e aprovar. Ao ser perguntado qual seria a razão desse comportamento dos Deputados da Nação, o doutor Ansumane Sanhá deu as seguintes respostas:

Confesso que isso tem vários elementos que jogam nesse sentido. Desde logo, sem grandes constrangimentos, há uma falta gritante, de fato, de pessoas que compreendam bem, a nível do deputado, qual é a missão do deputado nessa matéria de feitura da lei, porque o que se passa aqui, de uma maneira geral, é que a lei deve ser reparada e trazida para eles aprovarem por simplesmente, é isso o entendimento. Falo isso, porque temos dado vários seminários aos deputados, insistimos sempre nesse assunto de eles propriamente terem iniciativas de leis particularmente, porque é um órgão por excelência dono da lei. O Governo, como nós calculamos, é que precisa da lei para poder viabilizar uma outra política que quer implementar, portanto vai trazendo na medida do possível, sendo essa prática e hábito que acabou por ganhar aqui, acho acabou por levar uma outra razão também, acabou por levar os nossos deputados a sentar numa letargia, aguardar que lhes tragam alguma lei e vão aprovando. Muita das vezes também há um outro entendimento de que a lei é muito associada a quem é licenciado em direito. Bom, vocês são os juristas tragam-nos a lei e nós tratamos disso, ok? Nós até podemos fazer parte das comissões, os juristas podem até fazer parte das comissões que preparam a lei, mas a iniciativa, o impulso e o trabalho disso tem que ser exatamente de quem é representante do povo e sabe, mais ou menos, quais são as necessidades e as dificuldades que a população tem. Bom, mas isso é a realidade que temos (ANSUMANE SANHÁ, MAGISTRADO JUDICIAL DE PROFISSÃO, CONSELHEIRO JURÍDICO DO PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL POPULAR EM COMISSÃO DE SERVIÇO; ENTREVISTA CONCEDIDA EM JANEIRO DE 2014).

Este magistrado esclarece que isso tem a ver com a ausência de conhecimento por parte dos próprios deputados de que uma das principais funções do Deputado da Nação é ter a iniciativa das leis; a maioria deles entende que as leis devem ser encaminhadas de outras instituições para a ANP, e os membros desta legislatura somente faz aprová-las. Indo mais longe ainda, doutor Ansumane Sanhá alega que foram proferidos vários seminários com o intuito de informar e incentivar os parlamentares a terem conhecimento sobre essas suas nobres tarefas.

Informou que o Governo é o órgão que mais apresenta as propostas de leis, por ser a instituição executora, o que acaba sendo uma tradição naquele país, e os membros de poder legislativo se deixam cair nesse hábito não comum nas outras grandes democracias. Apresentou outra causa que também pode ser o motivo desse hábito dos parlamentares guineenses, seria a de que as leis sempre são agregadas às pessoas formadas em Direito, de que estas são os que devem levar as leis aos parlamentares, mas isso não é atribuição de quem

é graduado em Direito, estes podem simplesmente assessorar nas atividades produtivas das leis, mas nunca teriam a capacidade de criar as leis, uma vez que não têm competência constitucional para tal. No que concerne à votação e aprovação dos pactos e tratados internacionais, na entrevista que tivemos com o Diretor Geral de Assuntos Jurídicos e Tratados do Ministério de Negócios Estrangeiros, ao ser questionado sobre o tempo mínimo de tramitação de um tratado internacional dos direitos humanos na Assembleia Nacional, afirmou que:

Às vezes depende de agenda, mas geralmente não demora assim que chegar um tratado na Assembleia, mesmo que tivessem uma agenda carregada, basta uma pressão ou um pedido do Ministro de Negócios Estrangeiros, ou um qualquer ministro interessado em um texto ou convenção internacional, este pode abordar o Presidente de Assembleia, eles acabam aprovando. Antigamente que existia muita relutância, o próprio Parlamento dava pouca importância aos textos internacionais, mas nesses últimos tempos os parlamentares estão muitos sensibilizados, eles mesmos pedem para ser levados os instrumentos e acabam aprovando. Veja só esses instrumentos que estou lhe mostrando, são todos aprovados. Só dos Negócios Estrangeiros, saiu aqui das nossas mãos, em um só dia são aprovados 17 textos, porque tem aqui textos de CDEAO, de União Africana dois textos, de Nações Unidas, aqui tem também uns dois acordos bilaterais, entre outros (ALFREDO CRISTOVÃO GOMES LOPES, DIRETOR GERAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS E TRATADOS DO MINISTÉRIO DE NEGÓCIOS ESTRANGEIROS; ENTREVISTA CONCEDIDA EM JANEIRO DE 2014).

Pelo visto, não há muita burocracia em termos de aprovação dos instrumentos jurídicos internacionais por parte da ANP. No diálogo que proferimos com o doutor Alfredo Cristovão, este nos assegurou que a Assembleia Nacional tem cumprido o seu papel nesse quesito; habitualmente, nestes últimos anos, quase todos os tratados e convenções encaminhados ao poder legislativo foram aprovados em tempos recordes e sem muita complicação, e até às vezes são mesmo priorizados a pedido do poder executivo. Alegou ainda que havia uma época em que o próprio parlamento não valorizava muito a importância dos instrumentos jurídicos internacionais, mas essa ideia já foi abolida há um tempo, atualmente os próprios deputados que pedem ao Executivo que encaminhem tais tratados internacionais, a fim de serem debatidos, votados e aprovados, caso for necessário.

Por incrível que pareça, o próprio Diretor de Assuntos Jurídicos e Tratados fez questão de nos mostrar um arquivo de tratados internacionais, onde, de uma vez só, foram aprovados 17 tratados internacionais, regionais e bilaterais; isso demonstra que, pelo menos em uma vertente, já houve um progresso considerável em questões dos direitos humanos e liberdades públicas nesse país, o problema central diz respeito ao cumprimento desses

tratados internacionais, pelo visto nem vinte por cento dos seus conteúdos são efetivamente cumpridos20.

Essa inércia quanto à atividade de iniciativa das leis por parte do poder legislativo talvez possa ter uma outra explicação, que foi explicitada por um Oficial das Forças Armadas, ao falar sobre o Parlamento guineense em um documentário manual, produzido pela Liga dos Direitos Humanos, intitulado 40 anos de impunidade. Diz o Oficial:

No Parlamento temos ainda deputados [que estão lá] desde 1973. Vendo as suas produções, se pudéssemos fazer uma avaliação em termos de anos de serviço, não ultrapassaria quatro anos. E o Parlamento continua o único órgão de Estado onde um analfabeto é admitido, apesar de isso não ser aceite na administração pública (LIGA GUINEENSE DOS DIREITOS HUMANOS. GUINÉ-BISSAU: 40 ANOS DE IMPUNIDADE. IMPRESSÃO: GUIDE ARTES GRÁFICAS. EDIÇÃO LGDH/2013. p. 41). Para o entrevistado, uma das dificuldades sérias enfrentadas pela Câmara dos Deputados é que muitos deles não sabem ler e escrever, o que acaba tendo efeitos colaterais no nível das suas atividades produtivas, entre os quais a da própria produção das leis complementares. O Estado objeto deste estudo teve a sua independência logo nos primeiros anos da década de setenta e, para este Oficial, há deputados que se encontram na Casa Legislativa desde a independência daquele país até os momentos atuais, mas amplamente improdutivos, ao contar todos esses quarenta anos da sua permanência naquela Casa.

Este Oficial se mostrou insatisfeito com a aceitação de Deputados desse tipo naquela instituição da soberania nacional, ao alegar que esta é a única a ter pessoas que não sabem ler e escrever dentro da sua estrutura. A nosso ver, entende-se que uma das saídas plausíveis para essas dificuldades é de que a própria Casa Legislativa deveria criar um eixo para que cada Deputado da Nação tivesse uma assessoria jurídica não somente para auxiliá-lo e incentivá-lo nas atividades de iniciativa das leis, mas também em outras questões de natureza jurídica, por exemplo, nas questões de votações e aprovações de propostas de leis provenientes de outras entidades constitucionalmente legitimadas, como também dos tratados internacionais e dos próprios aspectos legais das relações entre cada Deputado com outras instituições do aparelho estatal, por exemplo, o MP, a Polícia Judiciária, as Forças Armadas, a Magistratura Judicial, Ordem dos Advogados, além do próprio poder executivo.

20

Lembrando que, no capítulo reservado às questões dos instrumentos internacionais dos direitos humanos e os mecanismos necessários às suas efetivas aplicabilidades, falaremos muito sobre os Tratados Internacionais dos Direitos Humanos, as suas ratificações por parte da Guiné-Bissau, como também das possibilidades de suas efetivas concretizações.

8.1.3 Hostilidades e constrangimentos aos defensores dos direitos humanos no

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