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Corte Internacional de Justiça e as suas competências formais e materiais

A CIJ, na realidade, por não ser um tribunal de direitos humanos, não deveria decidir questões ligadas a tais direitos; esta Corte de justiça tem competência somente para julgar e decidir casos que envolvem litígios entre Estados, apesar de às vezes ser acionada também para interpretar as convenções internacionais dos direitos humanos, mas isso acontece com menos frequência. Com a sua sede em Haia, Holanda, foi instalada em 1946, sendo contemporânea da extinta Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), onde o grande jurista brasileiro Rui Barbosa fazia parte dos pares que compõem esta Corte. Suprimida a CPJI pelas potências vencedoras da II Grande Guerra Mundial, todas as suas competências foram similarmente atribuídas à nova Corte surgida na época – a CIJ –, movida por um novo Estatuto, conhecido como Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que, no seu artigo 3642

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Artigo 36 - A competência da Corte abrange todas as questões que as partes lhe submetam, bem como todos os assuntos especialmente previstos na Carta das Nações Unidas ou em tratados e convenções em vigor. Os Estados, partes do presente Estatuto, poderão, em qualquer momento, declarar que reconhecem como

determina que aquela instituição da ONU tem competência para decidir todos os conflitos que os Estados-partes a encaminhem e competência também sobre todas as questões conhecidas na Carta da ONU e nos tratados e convenções internacionais. O artigo citado, ao falar ainda sobre as competências dessa Corte, determina que ela tem o poder de decidir questões tais como a interpretação dos tratados; de emitir parecer interpretativo sobre qualquer assunto de direito internacional; sobre atos que constituem violação de compromissos internacionais e sobre as formas como reparar as rupturas de um compromisso internacional por parte de um Estado-parte.

A CIJ é a instituição judicial da ONU em nível internacional com competência para decidir todas as contendas encaminhadas para ser julgadas, e tais decisões devem ser a priori de acordo com a Carta das Nações Unidas, como também das outras convenções e tratados internacionais. Este órgão de justiça internacional, devido às suas limitações legais, é muito tênue quanto à responsabilização dos Estados-partes relativa à violação dos direitos humanos. Essas limitações legais se resumem na sua atuação, segundo a qual, nas suas decisões contenciosas, somente os Estados podem fazer parte do processo, ou seja, os indivíduos humanos não têm esse status, o que acaba comprovando a sua vulnerabilidade quando o assunto é a concretização da justiça dos direitos humanos. Sobre o assunto, André Ramos faz uma ressalva em que lembra que: A reforma do artigo 34.1 possibilitaria que os particulares pudessem apresentar petições contra Estados por violações de direitos humanos. Ou mesmo que organismos internacionais pertencentes à ONU, tal qual o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos passam apresentar petições contra Estados violadores de direitos humanos (RAMOS, 2012. p. 91). Essa citação do professor André Ramos já vinha sendo defendida por muitos internacionalistas há décadas, mas somos da opinião de que poderia trazer grandes obstáculos à concretização dos propósitos dos direitos humanos, uma obrigatória, ipso facto e sem acordos especiais, em relação a qualquer outro Estado que aceite a mesma obrigação, a jurisdição da Corte em todas as controvérsias de ordem jurídica que tenham por objeto: a) a interpretação de um tratado; b) qualquer ponto de direito internacional; c) a existência de qualquer fato que, se verificado, constituiria violação de um compromisso internacional; d) a natureza ou extensão da reparação devida pela ruptura de um compromisso internacional. As declarações acima mencionadas poderão ser feitas pura e simplesmente ou sob condição de reciprocidade da parte de vários ou de certos Estados, ou por prazo determinado. Tais declarações serão depositadas junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas que as transmitirá, por cópia, às partes contratantes do presente Estatuto e ao Escrivão da Corte. Nas relações entre as partes contratantes do presente Estatuto, as declarações feitas de acordo com o Artigo 36 do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional e que ainda estejam em vigor serão consideradas como importando na aceitação da jurisdição obrigatória da Corte Internacional de Justiça, pelo período em que ainda devem vigorar e de conformidade com os seus termos. Qualquer controvérsia sobre a jurisdição da Corte será resolvida por decisão da própria Corte.

vez que poderia sobrecarregar aquela instituição de justiça nas suas tarefas, e isso consequentemente traria problemas de morosidade nas resoluções de casos, o que poderia afogar ainda mais a materialização dos direitos humanos.

Já houve casos em que essa Corte determinou sentenças em questões de violações dos direitos humanos, e emitiu decisões invocando as Convenções e Tratados internacionais. A história da CIJ, em termos fáticos, nos demonstrou que há uma série de casos sobre ataques aos direitos humanos deliberados por essa Corte Internacional, citar-se-ão alguns deles:

A Corte Internacional de Justiça apreciou, em sede consultiva, a obrigação da África do Sul de respeitar os direitos humanos estabelecidos pela Carta da ONU. Com efeito, no Parecer Consultivo de 21 de junho 1971 relativo às consequências jurídicas para os Estados da contínua presença da África do Sul na Namíbia - Sudeste Africano, a Corte Internacional de Justiça estabeleceu que a África do Sul, como antiga mandatária, havia se comprometido a observar e respeitar, em um território com estatuto internacional, os direitos humanos sem distinção de raça. O estabelecimento de apartheid por aquele país constituiu uma violação de direitos humanos protegidos pelos princípios da Carta da ONU (RAMOS, 2012. p. 96).

Em 1996, a Corte defendeu que a proteção conferida pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos não cessa durante o tempo de guerra. Porém, as violações à vida e à integridade física durante um conflito armado devem ser apreciadas pelo Direito Humanitário, por ser o direito dos conflitos armados uma lex specialis às normas gerais dos direitos humanos (RAMOS, 2012. p. 97).

Em 2004, houve intensa discussão sobre os direitos humanos do povo palestino nos territórios ocupados por Israel, nos quais foi construída parte substancial de muro como se fosse território israelense. A Corte decidiu que houve violação da liberdade de circulação, do direito ao trabalho, saúde, educação e de um padrão adequado de vida, proclamados nos dois Pactos Internacionais de direitos humanos da ONU e na Convenção sobre os Direitos das Crianças. A Corte ainda fez referência ao Direito Humanitário e lembrou que as Convenções de Genebra devem ser cumpridas por Israel (RAMOS, 2012. p. 97-98).

Tais citações demonstram, de forma progressiva, que cada vez mais essa Corte vem ampliando a sua competência jurisdicional e espalhando-a aos direitos humanos, emitindo assim pareceres e exigindo dos Estados que respeitem os direitos humanos, mas é preciso lembrar que essa competência foi deslocada para essa Corte porque não havia alternativas judicialmente internacionais ao assunto, pois, via de regra, esta Corte não tem competência expressa para decidir casos extremamente ligados ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. Apesar da existência de casos sobre os direitos humanos onde a CIJ já tomou as suas decisões, nós entendemos que sempre há muito que se desejar dessa Corte sobre os assuntos referentes aos direitos humanos, pelo simples fato de a própria vítima não poder ser

parte ativa perante juízo, para assim descrever presencialmente os momentos difíceis de angústia vividos na altura da violação dos seus direitos fundamentais, o que possibilitaria à Corte sentir de perto o quanto é amargo ver uma pessoa vítima descrevendo as histórias de violências sofridas.

Vê-se muita incerteza da CIJ para a resolução de casos envolvendo direitos humanos; por um lado, se em termos lógicos e concretos ter-se-ão os Estados como sendo um dos principais e potenciais violadores dos direitos humanos e estes podem ser sujeitos à jurisdição da Corte somente se for um Estado-parte, por outro lado, se somente tais Estados podem ser titulares de ações perante aquela Corte, onde os indivíduos humanos vitimados serão vistos apenas como um mero objeto da ação litigiosa, sem nenhuma ambiguidade, há evidências claras de que haverá muitos obstáculos à realização da justiça nessa ação litigiosa.

Chega-se à conclusão de que, qualquer que seja a ação envolvendo violação dos direitos humanos em que a vítima, ou seu representante legal ou familiar, ou organizações internacionais e nacionais e/ou sociedade civil não podem ingressar com ação perante um tribunal para pedir a justiça, obviamente há uma grande margem de possíveis indícios de a própria Corte falhar na concretização da justiça naquele caso concreto. Fabián Salvioli, ao ser citado por André Ramos, defende que: A legitimação ativa do indivíduo perante as jurisdições internacionais, em particular perante os tribunais dos direitos humanos, é um passo necessário para garantir a eficácia de qualquer sistema de proteção (RAMOS, 2012, p. 93).

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