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Hostilidades e constrangimentos aos defensores dos direitos humanos no

7 Amparo da liberdade de expressão e de comunicação social no campo do direito

8.1 No contexto do poder executivo

8.1.3 Hostilidades e constrangimentos aos defensores dos direitos humanos no

A LGDH, maior entidade civil na defesa dos direitos humanos na Guiné-Bissau, é uma organização de promoção e de defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana, criada em Bissau, em 12 de agosto de 1991. Foi fundada por um jurista guineense, doutor Fernando Gomes, o qual dirigiu a organização até 1998. A Liga é uma das instituições guineenses que mais sofreram violações por causa das suas manifestações claramente expressas contra as constantes violações dos direitos fundamentais e a má administração de Guiné-Bissau.

A maioria dos altos membros dessa entidade civil guineense já sofreu ameaças, torturas e prisões, inclusive o seu próprio fundador, que foi torturado gravemente até ao ponto de ser transferido para tratamento médico no exterior. Alguns até já confirmaram que, de outro modo, ele não resistiria aos graves ferimentos sofridos. Toda essa violência foi gerada pela simples denúncia de arbitrariedades praticadas por militares e membros dos governos.

No seio das reiteradas turbulências, política, social e econômica, que a sociedade vinha atravessando ao longo da sua história democrática, os representantes da sociedade civil e os defensores dos direitos humanos não estão de braços cruzados, continuam labutando pela proteção e promoção dos direitos fundamentais e pela democracia, como requisitos indispensáveis ao processo de estabilização da sociedade.

Essas instituições acima citadas desempenham, de uma forma incondicional, as suas funções e, mais notável ainda, de forma voluntária, sempre levando em consideração que a defesa do respeito à dignidade humana está acima de qualquer valor monetário. Nessas batalhas voluntárias pela defesa da dignidade humana, e sem proteção por parte do Estado, os defensores dos direitos humanos enfrentam sérios riscos, de acordo com os casos relatados por fontes sérias:

No primeiro mês de 2003, a Anistia Internacional (AI) relatou que as Forças Armadas haviam detido sem provas, João Vaz Mane, vice-presidente da LGDH. Este foi mantido preso e sem comunicação, pois havia criticado o antigo presidente Koumba Yala através de um órgão midiática, acusando este de ter financiado peregrinações dos cidadãos muçulmanos à Cidade- santa (Meca), na Arábia Saudita. (PORTUGAL. ANISTIA INTERNACIONAL, 2007).

Verdade é que o Estado, na época, estava vivendo seus piores momentos financeiros: os salários não eram pagos havia meses, a economia estava em um estado alarmante e de emergência. Com certeza o momento não era tão plausível para aquele comportamento, mas

ele usa tal estratégia a fim de ganhar popularidade dentro da comunidade islâmica neste Estado. Em relação a esse financiamento, Mane, com toda propriedade, afirmava que era ilegal para um Estado laico e seria melhor que o governo pagasse os salários atrasados da administração pública.

Nos últimos tempos, o caso mais assombroso naquele Estado foi a questão de envolvimento das autoridades civis e militares no tráfico internacional de drogas ilícitas. O assunto gerou polêmica na mídia, ocasionando posteriores perseguições e torturas de diversas pessoas, inclusive dos ativistas dos direitos humanos. Com isso, o Estado foi alvo de enormes críticas internacionais, a fim de causar uma mudança de atitude em relação às drogas.

Levando-se em consideração o relatório da Anistia Internacional de julho de 2007, Mário Sá Gomes, um ativista dos direitos humanos da Guiné-Bissau, ao dar uma entrevista à Rádio Nacional, opinou que a maneira mais efetiva de combater o tráfico de drogas no Estado seria dispensar imediatamente todos os membros das Forças Armadas envolvidos nessa atividade ilícita. Segundo o relatório, o chefe do Exército exigiu um pedido de desculpas público por parte de Mário Sá Gomes, que se recusou a fazê-lo. Como resultado, foi emitido um mandato de captura contra ele.

Na época, o presidente da LGDH era Luís Vaz Martins, o qual, referindo-se ao episódio de Mário Sá Gomes – que, por medo de torturas, se encontrava alojado nas instalações das Nações Unidas em Bissau –, exortou a comunidade internacional a retirar Mário Sá Gomes do país, caso contrário a sua vida correria sérios riscos.

Os envolvimentos dos civis e altas chefias das Forças Armadas no narcotráfico acabam criando uma disputa e desobediências internas dentro da própria estrutura política e militar guineense, nos termos em que Teixeira esclarece em um dos seus artigos:

A luta pelo controle da máquina política (Estado) e divergência de interesses entre civis e militares no país tornou-se intenso com consequências profundas para a consolidação da democracia e melhoria das condições de vida dos sujeitos sociais coletivos. Pode-se considerar, sem receios, que os militares estão no centro das decisões de caráter político e jurídico, econômico e social das instituições da República, apesar das disputas internas, do tráfico de droga e promoções arbitrarias dentro das Forças Armadas guineenses (Exército, Marinha e Força Aérea). (TEXEIRA, 2008). No período de sua história em que o tráfico de drogas era incontrolado, não somente pela sua vulnerabilidade em relação à segurança, mas sim pelo envolvimento de altos dirigentes políticos e das Forças Armadas nesse ato, a Guiné-Bissau, junto com um Estado vizinho – Guiné-Conacry –, de acordo com a Organização Internacional para o Controle de

Estupefacientes da ONU, foram nações vistas como um dos pontilhões cardeais de transbordo de drogas latino-americanas com destino à Europa. Por causa disso, esses Estados vieram a ser batizados pelos nomes de Narco-Estados.

O ponto mais contundente do tráfico ilícito de drogas na Guiné foi em 2008, quando, no mês de junho, uma aeronave de pequeno porte, vinda da Venezuela, pousou no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, com uma suposta quantidade de drogas. Logo no mês seguinte foi aberto inquérito para apurar o motivo e o que se encontrava na referida aeronave.

Com o auxílio da Guarda Nacional Republicana de Portugal, a Polícia Judiciária Guineense abriu uma investigação séria, mas tais investigações frustraram-se logo nos momentos iniciais, porque alguns oficiais das Forças Armadas restringiram o acesso dos investigadores ao local onde se encontrava a aeronave, e não deixaram que estes tivessem o acesso à caixa-preta da aeronave. Esse ato comprovou, mais uma vez, o quanto alguns membros das Forças Armadas se constituem em obstáculo sério ao processo de consolidação democrática nesse Estado.

A não ser pelas ameaças de morte endereçadas aos altos membros da LGDH, em especial ao seu presidente, em primeiro de abril de 2009, no período de 2009 até 2010 foram registradas poucas violações sobre os defensores dos direitos humanos, o que representa um progresso que parece milagroso na história política e democrática guineense.

Segundo os dados analisados ao longo desta pesquisa, de fato, somente em março de 2009 um indivíduo não identificado compareceu às instalações da Liga Guineense perguntando aos funcionários se o Presidente da Liga se encontrava e onde residia; informado da ausência do presidente nas instalações da Liga, exibiu um revólver e começou a ameaçar, proferindo palavras de baixo calão, e acusando a citada instituição de ser o pivô de todas as instabilidades que afetam o Estado. Essa ameaça aconteceu logo depois que essa instituição reagiu contra a detenção e tortura, pelos militares, de várias personalidades políticas. Assim, pelo visto, a Liga não expressou revolta pela detenção em si, mas sim pela forma de detenção, que só deveria ser feita em conformidade com os mandamentos constitucionais e segundo o princípio de não tortura, desde o momento em que esta não é mais permissível em nenhum Estado Democrático.

Como havia afirmado acima, esta instituição dos direitos humanos é vista naquele país como sendo uma das mais confiáveis em termos de proteção e defesa dos direitos e liberdades públicas. Veja-se o que um jornalista diz sobre o assunto:

Para ser realista, a Liga Guineense dos Direitos Humanos tem funcionado nesses últimos tempos como sendo “salvador da pátria”, como a única entidade que tem estado a defender o povo, tem estado a defender população. A Liga, assim que acontece um ato, é a primeira que sai no público para condenar, estou a falar, em 2013, praticamente tanto para os políticos, jornalistas, próprios membros da sociedade civil, a Liga é a primeira a contrariar quando algo de errado acontece, nós temos um país que viveu 2012 e 2013 sem oposição, mas onde as pessoas continuam sendo espancadas, assassinadas em suas casas, ninguém tinha coragem de falar, há notícias que mesmo a imprensa tem dificuldades para emitir, por causa de medo, mas a Liga sai ao público produzindo um comunicado ou dando uma conferência de imprensa repudiando tal ato, condena, manifesta a sua vontade de que a justiça deve ser feita mais rápido possível, para poder ser apurados os responsáveis para o referido ato, mas acontece que o próprio presidente da Liga já recebeu muitas ameaças e tanto como outros defensores de direitos humanos, mas sim aqui na Guiné a Liga tem estado a jogar com o seu papel (BRAIMA DARAME, DIRETOR DA RÁDIO JOVEM; ENTREVISTA CONCEDIDA EM BISSAU, JANEIRO DE 2014). Para este jornalista, a LGDH foi uma das principais referências de toda a sociedade na proteção dos direitos básicos dos cidadãos; quando algo de agressão, tortura e morte acontece, é a primeira instituição com ousadia de apresentar e falar em repúdio ao ato. Reconhece que os anos de 2012 e 2013 foram abomináveis aos direitos humanos, em todos os sentidos, onde não havia coragem para fazer oposição ao regime, por causa de muitos espancamentos e assassinatos aos opositores. A mídia temia transmitir certas notícias devido às represálias, mas, mesmo com toda essa insegurança, a LGDH sempre esteve firme no seu papel, denunciando, por intermédio de comunicados ou de conferências de imprensa, os atos de agressões, torturas e assassinatos feitos contra a sociedade.

Esses atos nobres e corajosos deste órgão, no dizer do próprio jornalista, acabam gerando muitas crises entre a própria Liga e a entidade violadora, ocasionando assim ameaças aos integrantes da Liga, inclusive ao seu Presidente, que já recebeu inúmeras ameaças. Sobre tais ataques aos membros da LGDH, na conversa que tivemos com o seu Presidente, fizemos questão de perguntar-lhe sobre as violações proferidas aos membros daquela instituição, e se tais violações nunca os deixam intimidados até ao ponto de pensarem em diminuir os seus trabalhos na luta pelos direitos humanos. O presidente deu-nos as seguintes respostas:

O que nos motiva é a convicção, é a esperança de ver uma Guiné-Bissau melhor, o trabalho que nós fazemos, o fazemos praticamente a título voluntário, ou seja, ninguém recebe um honorário para o fazer. Portanto, nós temos uma convicção e esta convicção que faz com que dificilmente nos removem das nossas posições de reivindicar os direitos ao povo da Guiné- Bissau, apesar de o ambiente é muito difícil, de perseguição, às vezes muitos de nós, em momentos críticos, são obrigados a buscar refúgios fora dos respectivos lares para evitar que determinadas pessoas que não compreendem a nossa luta nos ataquem e ponham em causa a nossa própria

integridade física. Muitos dos nossos dirigentes e ativistas são alvos de ameaças, de espancamentos brutais, de detenções ilegais, mas nós vamos continuar porque sabemos que estamos no caminho certo, e este é o melhor caminho para o povo da Guiné-Bissau (LUIS VAZ MARTINS, PRESIDENTE DA LIGA GUINEENSE DOS DIREITOS HUMANOS; ENTREVISTA CONCEDIDA EM BISSAU, JANEIRO DE 2014).

No dizer do doutor Luiz Vaz Martins, a esperança de uma Guiné melhor é o que os alimentam nessa luta incessante pelo respeito aos direitos humanos. Todo o trabalho realizado por esta instituição é de natureza voluntária, isso os leva a entender que não há ação humana atentatória contra as liberdades dos membros dessa instituição que possam levá-los a diminuir a intensidade dos seus trabalhos, mesmo que já tenha havido atentados que levaram alguns dos seus membros a procurarem esconderijos, para evitar as agressões e mortes. Terminou afirmando que muitos ativistas dos direitos humanos na Guine já sofreram ameaças, torturas desumanas e detenções arbitrárias, mas isso nunca fará com que esta instituição deixe de atuar nos assuntos a respeito dos direitos humanos, uma vez que isso é considerado como sendo uma das vias mais certas à Guiné-Bissau.

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