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2.3 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA PESQUISA

2.3.4 Correntes construtivista e sociointeracionista

Ao contemplarmos um caminho educacional a ser seguido na Abordagem Musical CLATEC, infelizmente não encontramos nenhum educador que trabalhasse na linha da educação musical especial e/ou inclusão. Assim seno, optamos construir o nosso caminho

com base nas correntes: Construtivista, representada pelo suíço Jean William Fritz Piaget com89 sua teoria Psicogenética; e Sociointeracionista, representada pelo judeu russo Lev Semenovich Vigotski 90, com sua teoria sócio-histórica. Estas correntes fazem parte das nossas reflexões e orientações pessoais, e também das concepções educacionais da contemporaneidade.

Iniciamos com Piaget, uma das suas grandes contribuições na área da psicologia e da educação e sua teoria psicogenética, baseada em dois conceitos da aprendizagem: Adaptação e Organização. A Adaptação apresenta-se com duas formas básicas: assimilação e acomodação. Na assimilação uma pessoa usa as estruturas psíquicas que carrega consigo e, caso não seja suficiente, adquire novas estruturas, denominada Acomodação. Ele afirmava que na Assimilação e na Acomodação se reconhece a correspondência prática daquilo que serão mais tarde a dedução e a experiência: a atividade da mente e a pressão da realidade. Quanto à Organização, articula os processos com as estruturas existentes e reorganiza todo o conjunto. É neste sentido que as pessoas constroem sempre as suas estruturas, tornando-se cada vez mais aptas para o equilíbrio. Mas, todo este procedimento obedece a um padrão, mais ou menos determinado pela faixa etária, nomimados de períodos, que se apresenta com formas específicas e particulares de inteligência.

Piaget definiu quatro períodos do desenvolvimento cognitivo do ser humano, desde seu nascimento até a sua fase adulta:

1. Período Sensório-Motor, corresponde aos dois primeiros anos de vida; 2. Período Pré-Operacional, corresponde de 2 aos 7 anos de idade;

3. Período de Operações Concretas, corresponde dos 7 aos 12 anos de idade; e 4. Período das Operações Formais, correspondente dos 12 até a idade adulta.

(apud PULASKI, 1986, 212-215).

Quanto às contribuições de Piaget, que muito fortaleceu a Escola Nova, ajudam a prever e estruturar melhor as atividades musicais a serem trabalhadas, independentemente de métodos ou de abordagens. Como exemplo significativo de sua contribuição, em especial na

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Jean Piaget nasceu em 9. 08.1896 em Neuchatel (Suíça) e faleceu em 16.11.1980. Curiosidades: em 1921, Piaget foi convidado pelo grande educador Edouard Claparéde (um dos principais nomes da Escola Nova) para trabalhar no Instituto Jean Jaques Rousseau em Genebra. Em 1946, ele participou da elaboração da Constituição da Unesco, tornando-se membro do conselho executivo e, por várias vezes, exerceu o cargo de subdiretor geral do Departamento de Educação da referida Organização.

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Lev Semenovich Vigotski, nasceu em 17.11.1896, em Orsha (Rússia) e faleceu em Moscou em 11 de junho de 1934. O nome Vigotski é encontrado, na bibliografia existente, grafado de várias formas, por conta da tradução do judaica e russa para outras línguas: Vigotski, Vygotsky, Vigotskii, Vigotskji, Vygotski, Vigotsky. Optamos por empregar a grafia Vigotski, tradução para o português, para preservamos, nas indicações bibliográficas, a grafia adotada em cada uma delas.

área de música, há Keith Swanwick e Judy Tillman, que, em 1986, apresentaram a Teoria Espiral do Desenvolvimento Musical, baseadas na teoria de desenvolvimento de Piaget (SWANWICK, 1990). Esta Teoria Espiral norteia o comportamento musical de uma pessoa desde o nascimento até a sua fase adulta.

Quanto a Vigotski, ressaltamos sua concepção avançada sobre o papel da aprendizagem no desenvolvimento, cuja reflexão amplia os pressupostos existentes sobre inteligência infantil. No tempo de Vigotski, era amplamente aceito que o desenvolvimento determinava de maneira decisiva o aprendizado/ensino (um conceito que sobrevive até hoje). Para ele esse pensamento era muito linear, não coadunava com a dialética do processo tal como o concebia. Vigotski então criou um dos seus conceitos mais importantes para a educação: a sua teoria referente à Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Esse pensador refere que em qualquer pessoa existem dois níveis de desenvolvimento: o efetivo (ou atual/real) e o proximal:

A zona de desenvolvimento proximal da criança é a distância entre seu desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de seu desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VIGOTSKI, 1994, p.112)

Segundo Vigotski (1994), a aprendizagem precede o desenvolvimento. O aprendizado de um conhecimento pode provocar o desenvolvimento das funções mentais para além dos limites do conceito. Para ele, a instrução (ensino) deve ser orientada para os processos de desenvolvimento que se encontram em amadurecimento e consolidação na zona de desenvolvimento proximal. Ele alertava que a ZDP deveria ser considerada levando em conta tanto o nível de desenvolvimento da criança como a natureza da instrução recebida pela mesma.

Vygotsky afirma que o desenvolvimento acontece na interação da criança com o meio social em que está inserido. Assim, se conhecemos os perfis dos níveis efetivo e proximal temos condições de intervir sobre o desenvolvimento de uma criança (ou de uma pessoa), no sentido de podermos ajudá-la. Cabe mencionar que a relevância deste conceito se dá por dois motivos: 1) nem toda criança se beneficia de uma intervenção, devido ao fato da mesma não ter atingido a ZDP; 2) o papel da interação social é significativo na experiência de cada pessoa, talvez, o mais responsável. Portanto, o processo de ensino-aprendizagem envolve aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre as pessoas. Atuar sobre a zona de desenvolvimento proximal possibilita trabalhar sobre as funções “em desenvolvimento”,

ainda não plenamente consolidadas, mas sem necessidade de esperar seu amadurecimento final para começar uma aprendizagem.

As contribuições das teorias de Piaget e Vygotsky incidem no estudo das gêneses dos processos mentais e como estes são construídos ao longo da vida. Em síntese, para Piaget essas construções ocorrem a partir do mecanismo de equilibração e seus componentes:

assimilação (a pessoa atua sobre o meio, transformando-o, a fim de adequá-lo às suas

estruturas) e acomodação (o sujeito é modificado para se ajustar às diferenças impostas pelo meio). Para Vygotsky, essa construção acontece através do mecanismo de internalização – o desenvolvimento cultural da criança ocorre em nível social e depois individual, ou seja, entre pessoas e depois no interior da criança (VIGOTSKI, 1984, p. 64).

O primeiro autor enfatiza a interação com o meio físico e o segundo com o meio sociocultural, mas ambos consideram o sujeito como um ser ativo que constrói ou reconstrói o seu próprio conhecimento. Baseados em Piaget e Vygotsky elaboramos uma síntese de concepções didáticas para a nossa Abordagem Musical CLATEC acerca de: conhecimento, ensino, papel do educador e dos educandos, atividades didáticas, clima em sala de aula e avaliação da aprendizagem.

As concepções de conhecimento são elaboradas espontaneamente pela criança, a depender do seu estágio de desenvolvimento. Estas concepções acontecem na interação do sujeito com o próprio objeto de conhecimento, portanto, a atividade mental é construída pela própria criança. O conhecimento é interdisciplinar91, contextualizado e privilegia a construção de conceitos e a criação de sentido. Em contrapartida, o conhecimento de uma criança nasce num mundo social, vai formando uma visão de mundo mediante a interação com outras crianças mais experientes e/ou com adultos. O conhecimento é construído socialmente, e por meio de ações efetivas ou mentais que realizam sobre conteúdos de aprendizagem.

Quanto à concepção de ensino, devemos favorecer inúmeras interações entre o educando e os conteúdos didáticos, potencializando e favorecendo as construções de estruturas intelectuais. Da mesma forma, devemos: promover problematizações nas atividades

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Ao sistematizar o ensino do conhecimento, os currículos escolares ainda se estruturam fragmentadamente e muitas vezes seus conteúdos são de pouca relevância para os alunos, que não vêem neles um sentido. Um trabalho contextualizado parte do saber dos alunos para desenvolver competências que venham a ampliar este saber inicial. Um saber que situe os alunos num campo mais amplo de conhecimentos, de modo que possam efetivamente se integrar na sociedade, atuando, interagindo e interferindo sobre ela. Interdisciplinaridade se realiza como uma forma de ver e sentir o mundo. De estar no mundo. Se formos capazes de perceber, de entender as múltiplas implicações que se realizam, ao analisar um acontecimento, um aspecto da natureza, isto é, o fenômeno dimensão social, natural ou cultural... . Somos capazes de ver e entender o mundo de forma holística, em sua rede infinita de relações, em sua complexidade (Fundação Darcy Ribeiro http://www.fundar.org.br/temas/texto__7.htm).

que envolvam o educando, suas reflexões e discussões; valorizar o contexto sociocultural dos educandos e de seus níveis de elaboração de conhecimento; promover a busca intencional de contexto de significados, mediante o universo da leitura e da escrita; elaborar técnicas variadas de ensino que envolvam trabalhos individual e em equipe, buscando sempre a superação do fracasso escolar e ascensão das possibilidades. Os princípios da identidade, diversidade e autonomia redimensionam a relação a ser construída entre os sistemas de ensino e as escolas.

O papel do educador deve ser o de um facilitador da aprendizagem e mediador do conhecimento, sempre aceitando, alimentando e encorajando a autonomia e a iniciativa do educando. Ele deve provocar situações em que os educandos possam realizar seus próprios conhecimentos. As aulas não são regidas por uma “grade” curricular, ou que tratem de temas dissociados um dos outros. Pode-se desenvolver projetos que problematizem temas da sociedade, que tenham interesse para o grupo, que promovam a reflexão crítica do educando. Uma articulação possível é a de diversos campos de conhecimento, a partir de eixos conceituais que se integrem.

Este educador também deve assumir o papel de mediador de situações de aprendizagem e de conflitos, baseado na afirmativa de que o educando possui um repertório de conhecimento antes de adentrar na escola e que ele continua sua construção de conhecimento. Além do mais, o educador deve: respeitar e compreender conceitos e vivências dos educandos a partir de seu universo sociocultural; propiciar ambientes que sejam facilitadores de habilidades cognitivas, segundo o desenvolvimento individual de cada educando; provocar situações em que seus educandos possam caminhar sozinhos, com condições de gerar seus próprios conhecimentos; encorajar e aceitar a autonomia e a iniciativa dos educandos. Enfim, questionar acerca do entendimento dos educandos sobre os conceitos, antes de compartilhar seus próprios entendimentos daqueles conceitos. Segundo enfatiza, em reportagem92, a coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas da Interdisciplinaridade (GEPI) da PUC-SP Ivani Fazenda93, é "dar visibilidade e movimento ao talento escondido que existe em cada um de nós".

O perfil do educando, segundo as duas correntes já citadas, é representado por uma pessoa que cria, questiona, interroga e participa ativamente. Este educando carrega em si o objetivo de conhecer o mundo, trazendo consigo muitos conhecimentos, valores e

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Disponível em:< http://www.educacional.com.br/reportagens/educar2001/texto04.asp>.

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inteligência, adquiridos antes da fase escolar. Ele é um ser autônomo, que reflete, discute, identifica e assume seus direitos e deveres. Em adição, este educando também deve ser curioso, inquieto, em busca de constantes respostas às suas indagações, atento sempre às informações que seu ambiente lhe proporciona. Deve ser instigado a ampliar suas percepções, sempre alerta às diversas características do objeto do conhecimento, construindo o conhecimento como um todo de forma pensante.

Quanto às atividades didáticas, estas devem ser centradas também em projeto e resolução de problemas, brotadas da vivência do grupo, segundo seus interesses ou necessidades. As atividades e os temas devem ser atualizados e contextualizados. As aulas devem ser participativas, com formação de grupos heterogêneos. Em contrapartida, estas atividades devem ser estruturadas em rede, dinâmicas, organizadas por área de conhecimento e por temas geradores, sistemáticas, intencionais, com compromissos explícitos e que apresentem questões específicas. Na estruturação das tarefas recomenda-se usar as terminologias: classificar, analisar, antecipar e criar. Quanto às atividades práticas, estas devem ser em grupo, interativas e contextualizadas, de forma a tornar o conhecimento formalmente organizado.

O “clima” na sala de aula é muito importante. Este deve representar sempre um local de reflexão e de aprendizagem. Uma atenção especial deve ser dispensada quanto aos aspectos afetivos do educando, pois estes podem facilitar ou dificultar a aprendizagem, a depender dos vínculos estabelecidos no processo de construção do conhecimento. O ambiente deve ser rico e estimulante sob os aspectos visual, auditivo e tátil, aonde irá se desenvolver atividades autoestruturantes pelos educandos. Este espaço de interação deve propiciar atividades em que o educando aprenda explorando e experimentando. Em adição, deve representar a pluralidade na comunidade para que seja incentivada a colaboração, troca e ajuda mútua.

Quanto à avaliação da aprendizagem, devemos levar em conta a dinâmica do processo de ensino-aprendizagem, de forma qualitativa, com análise progressiva da natureza dos erros e dos acertos. A avaliação tem a proposta de identificar a realidade, para que o educador possa deliberar quanto ao procedimento de ensino-aprendizagem. Portanto, devem ser diagnóstica, mediadora e dialógica, sempre entrelaçadas com o ensino formal. Este processo avaliativo ocorre mediante observações feitas pelo educador relativas ao educando, durante todos os encontros/aula e apresentações de trabalhos individuais e coletivos.

Em adição, temos a avaliação formativa, que busca verificar as competências adquiridas (conhecimento, habilidade, atitude). Estas devem ser integradas, permitindo que

diversos conteúdos sejam envolvidos em uma única avaliação, sem limites artificiais. Esta avaliação tem característica mediadora e dialógica. O educador pode diagnosticar o raciocínio do educando e, dessa forma, acompanhar o processo cognitivo, organizando o conteúdo, levando em conta esse processo, atuando como mediador encorajando-o a reorganizar o saber.