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Deficiência visual: conceitos, antecedentes históricos, limites e possibilidades

2.2 O PERFIL DO EDUCANDO COM NECESIDADES EDUCACIONAIS

2.2.1 Deficiência visual: conceitos, antecedentes históricos, limites e possibilidades

Para Smith (2008, p. 331), “quando as pessoas enxergam normalmente, quatro elementos devem estar presentes e operando: 1. luz; 2. algo que reflita a luz; 3. um olho que processe a imagem projetada por impulsos elétricos; 4. um cérebro que receba e empreste significado para esses impulsos.” Neste sentido, a visão é a função do sistema visual, representado pelos olhos. Esta função subdivide-se em três sentidos: da forma, cromático e luminoso. O sentido da forma corresponde à capacidade de o olho perceber a figura e a forma dos objetos. O sentido cromático corresponde à capacidade de o olho perceber as cores. E o sentido luminoso corresponde à capacidade de o olho distinguir graduações na intensidade da iluminação.

Quando uma pessoa se apresenta com a visão perceptível completa nestes três sentidos, podemos dizer que sua visão é normal, ou seja, que ela tem a capacidade de perceber

visualmente a forma e os objetos, as cores, e a luminosidade, sem ou com auxílio de correção. Ressaltemos aqui que, embora existam algumas controvérsias por parte da comunidade internacional, em geral, as pessoas que apresentam uma visão normal após sua correção não são consideradas deficientes visuais (MARTÍN; RAMIREZ, 2003, p. 40).

Quando uma pessoa se apresenta com a acuidade visual central maior que 20/400 até 20/70 (ou seja, 0,3) (World Health Organization -WHO) (OMS) é considerada uma pessoa de visão subnormal ou visão reduzida.66 E quando uma pessoa tem redução da acuidade visual central (nenhuma percepção de luz) até acuidade visual menor que 20/400P (ou seja, 0,05) em um olho ou em ambos os olhos, ela é considerada uma pessoa cega.

De acordo com a categorização de Herren e Guillemetm (1982 apud MARTÍN; RAMIREZ, 2003, p. 41), apenas no que diz respeito à aplicação da acuidade visual, existe a seguinte classificação (Quadro 9):

Quadro 9 - Categorização da percepção visual

CATEGORIZAÇÃO DA PERCEPÇÃO VISUAL

CATEGORIZAÇÃO LIMITE INFERIOR LIMITE SUPERIOR

Cego total 0 DC = 0,5 m*

Cego parcial 1/50 (0,02) 2/50 (0,04)

Amblíope profundo 3/50 (0,06) 4/50 (0.08)

Amblíope propriamente dito 1/40 (0,10) 4/10 (0,40)

* Medida de acuidade visual de longe que deve ser entendida como a capacidade do indivíduo de

contar dedos a 0,5 metro.

Martín e Ramirez (2003, p. 42) inferem que a cegueira total é representada pela ausência total de visão ou simples percepção luminosa. A cegueira parcial é avaliada sob um resíduo visual que permite a orientação à luz e à percepção de massa, facilitando, de forma considerável, o deslocamento e a apreensão do mundo exterior. Em relação à visão de perto, esta é insuficiente para a vida escolar e profissional. Quanto a uma pessoa amblíope

profundo67 seu resíduo visual lhe permite definir volumes e perceber cores. Estas pessoas possuem uma visão de perto e possibilidades para: ler, escrever em tinta; ler grandes

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Internacional Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps. Geneva 1980 (BRASIL, 1995, p. 17).

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Ambliopia profunda ou cegueira moderada – cegueira na CID-9; contagem de dedos a menos de 3m. Segundo a classificação das deficiências visuais conforme Crouzet o critério da funcionalidade a ambliopia profunda revela: os resíduos visuais melhores do que a cegueira parcial, os volumes são melhores definidos, percebem- se bem as cores e a visão de perto permite a aquisição da leitura e escrita a negro. Não permite, no entanto, seguir uma escolarização exclusivamente a negro; para Barraga são crianças de baixa visão Não se lhes deve chamar cegos ou educar como tais, ainda que devem aprender a desenvolver-se com o sistema táctil para conseguir um desempenho melhor de acordo com as tarefas e o momento. Classificações das deficiências visuais segundo o critério da funcionalidade (apud RODRIGUES, 2004, p. 27).

manchetes; distinguir esquemas; e perceber mapas. Quanto à escolarização exclusivamente em tinta, esta não lhe é suficiente, necessitando de recursos adicionais mediante o uso de métodos pedagógicos particulares.

Pensando em uma abordagem educacional, como necessidade da comprovação de níveis de desempenho visual de uns educandos, Barraga (1986, p. 40) enfatiza a presença de uma avaliação funcional, com determinados critérios das capacidades visuais para estabelecer,

a priori, possíveis desempenhos educacionais desses envolvidos. Assim, ela considera:

pessoas com baixa visão e pessoas cegas. As pessoas com baixa visão são aquelas com condições de sinalizar projeção de luz até o grau em que a redução da acuidade visual interfere ou limita seu desempenho. Nesse grupo, o processo educacional será realizado, em larga escala, mediante estímulos visuais, com ajuda de recursos apropriados. Quanto às pessoas cegas, são aquelas que apresentam ausência total de visão, chegando até a perda total da projeção de luz. A este grupo o processo educacional deve ser feito mediante a exploração de todos os sentidos remanescentes – auditivo, tátil, olfativo, gustativo, cinestésico e sinestésico, além de priorizar também o ensino do Sistema Braille (sistema de escrita e leitura tátil).

Barraga aconselha a identificar três grupos com distintas características educacionais referentes ao grupo de pessoas com deficiência visual: profunda, severa e moderada. A pessoa com deficiência visual profunda tem dificuldades para realizar tarefas visuais grosseiras e tarefas que necessitam de visão de detalhes. A deficiência visual severa se apresenta com a impossibilidade de realizar tarefas visuais com exatidão, requerendo adequação de tempo, ajuda e modificação. Aquelas com deficiência visual moderada têm possibilidade de realizar tarefas visuais com ajuda e iluminação adequada, similar à realizada pelas pessoas com visão normal (BARRAGA, 1986, p. 44).

Em consonância com a classificação acima mencionada, Smith afirma que “muitos profissionais dividem as pessoas com deficiências visuais em dois subgrupos: 1. Baixa visão; 2. Cegueira”. Continuando, ela afirma que as pessoas com “baixa visão usam-na para aprender, mas suas deficiências visuais interferem no funcionamento diário”. Quanto à cegueira, ela diz que “... significa que a pessoa usa a audição para aprender e não tem um uso funcional da visão” (SMITH, 2008, p. 332).

Retornando à Barraga (1986), podemos enfatizar que existem estágios ou níveis de deficiências que geram dificuldades de perceber o mundo externo, mediante os órgãos da visão. Cada grau da deficiência corresponde a um nível de dificuldade encontrada em sala de aula, bem como possibilidades a serem exploradas. O olhar significativo do educador frente

aos educandos deve acontecer, tendo em vista buscar caminhos de inclusão que amenizem a falta da informação visual e que enfatizem as possibilidades de envolvimento das potencialidades dos mesmos.

Neste sentido, Dote-kwan (2001), citado por Smith (2008, p. 339) afirma que “o objetivo é fazer com que as interações públicas ocorram na escola e na comunidade exigindo tanto a iniciativa como a resposta à comunicação”. Prosseguindo, Dote-kwan aponta 10 dicas, aos professores, favoráveis ao processo de inclusão da criança no contexto educacional. Imediatamente, nós fizemos as devidas adaptações, em relação aos educandos (adolescentes) que apresentam variados níveis de deficiência visual. Estas dicas são:

1. Entenda as capacidades visuais de cada educando;

2. Identifique as características visuais que aumentam as funções visuais dos educandos (cores, contrastes, tamanhos, formas, volumes);

3. Estimule o interesse dos educandos por objetos, acontecimentos e pessoas relevantes ou que faça um sentido no processo de ensino e aprendizagem;

4. Aprenda as pistas não-verbais sinalizadas pelos educandos com deficiência, indicando sempre sincero interesse;

5. Desenvolva um diagnóstico e um sistema compreensível para, sempre, iniciar as conversas;

6. Acrescente, se necessário, sinais não verbais com a finalidade de aprimorar a comunicação;

7. Planeje várias oportunidades para interações nos ambientes naturais dos educandos;

8. Amplie o vocabulário e a comunicação do educando por meio da repetição e da extensão da interação;

9. Reduza a confiança nas iniciativas da pessoa acompanhante e/ou responsável pelo educando com deficiência visual, permitindo e estimulando a ele uma maior iniciativa de suas escolhas e ações;

10. Faça sempre interações prazerosas entre os educandos comuns e os educandos que apresentam deficiências visuais. (DOTE-KWAN, 2001 apud SMITH, 2008, p. 339).

Em quase todas as culturas e épocas da nossa história, as pessoas com deficiência visual têm sido marginalizadas até chegarem ao patamar de reconhecimento (parcial) que estamos ora vivenciando. Foram necessárias intensivas lutas e reivindicações, por parte, principalmente, dessas pessoas excluídas e de seus familiares, o que resultou na criação de inúmeros documentos internacionais e nacionais. “Até os meados do século XVI os cegos [as pessoas cegas] tinham de se dedicar à mendicância para sobreviver” (PIÑERO; QUERO; DÍAZ, 2003, p. 227), sendo exibidos e explorados em circos, feitos animais enjaulados e em

feiras livres, feito fantoches68. Depois surgiram os asilos e as instituições de cegos que os tratavam como pessoas inválidas, sem condições de serem educados. Caso aparecesse algum deles que se destacasse na área de educação e cultura, logo lhe eram atribuídos poderes especiais.

Para retratar as características dessas pessoas, optamos por descrever a biografia sucinta de Louis Braille, por ele ter representado um marco na vida de todas as pessoas cegas (Anexo A).

Figura 1 - Louis Braille

Fonte: Louis Braille, portrait bust by an unknown artist.

Archiv für Kunst und Geschichte, Berlin. Disponível em: http://www.nyise.org/blind/barbier.htm Braille nasceu em Coupvray, pequena aldeia a leste de Paris (França), em 4 de janeiro de 1809. Filho mais novo de Simão Renato Braille e de Mónica Baron, aos três anos de idade (1812), brincando no celeiro do seu pai, com pedaços de couro e uma sovela, sofreu um acidente deixando-o definitivamente cego aos cinco anos de idade.

Aos 10 anos, pediu aos seus progenitores permissão para estudar no Instituto Real para Jovens Cegos de Paris, sendo matriculado em 15 de fevereiro de 1819.69 Este Instituto foi fundado por Valentin Haüy, em 178470, representando o primeiro centro educacional para cegos. Em sua metodologia educacional ele utilizava o método das varetas criado em 1580, com letras esculpidas em madeira de até 15 centímetros. Depois, passou a usar letras em alto relevo, método que levou o seu nome – Método Valentin Haüy (GIL, 2000, p. 42).

Já aluno interno do Instituto Real, Braille, por intermédio de Haüy, conheceu a famosa pianista cega, a austríaca Teresa von Paradis, que lhe presenteou com um órgão e

68“Fantoches são bonecos sem fios, que têm uma cabeça de madeira, de barro ou de papel e uma vestimenta. São

manipulados com a mão dentro da indumentária e a cabeça é movida com um dos dedos” (COLL; TEBEROSKY, 2000, p. 217-218).

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Louis Braille estudou os livros impressos em caracteres ordinários, idealizados por Valentin Haüy. Ele era uma pessoa muito habilidosa, aplicada e inteligente, além de ser uma pessoa honrada, de carácter sério, possuidor de um espírito metódico, muito apaixonado pela investigação.

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Valentin Haüy, homem culto e de bom coração, depois de haver assistido na Feira de Santo Ovídio (Paris) um espetáculo promovido por um inescrupuloso empresário, envolvendo 10 cegos que se exibiam sobre um estrado, feito fantoches, ficou bastante chocado e resolveu fundar uma escola para meninos cegos.

pediu-lhe que nunca se esquecesse dela e nem de seus amigos cegos. Ela custeou por um ano seus estudos musicais deixando-o a cargo do organista de uma igreja de Paris, o que lhe tornou um dos maiores organistas e violoncelistas da Europa. Em paralelo, Braille conheceu a sonografia ou código militar desenvolvido pelo capitão de artilharia, o francês Charles Barbier de La Serre. Este código tinha como objetivo realizar comunicação noturna entre seus oficiais durante suas batalhas, e consistia em linhas e 12 pontos salientes que representavam sílabas, e que eram furados em papel grosso servindo para transmitir rápidas mensagens militares no período da noite. Barbier levou seu invento para ser experimentado entre as pessoas cegas do Instituto Real dos Jovens Cegos.

Inconformado com o sistema vigente de registro escrito para cego, com a ausência de uma musicografia adequada e tomando como exemplo o Sistema da Escrita Noturna, do Capitão Barbier, Braille adaptou esta técnica para o alfabeto francês. Devido à necessidade de cada pessoa cega disponibilizar muito papel para pouca mensagem, esta adaptação foi logo abandonada.

Baseado em suas vivências e “[...] conclusões de que seis pontos era a máxima quantidade que podia ser percebida pelas pontas dos dedos de forma simultânea”, Braille criou, aos 17 anos de idade (1826), a Célula ou Cela que mais tarde tomou seu nome, dando origem a 43 símbolos do seu sistema de escrita e leitura para cegos (PIÑERO; QUERO; DÍAZ, 1994, p. 228). Depois de várias etapas de aprimoramento, aos 20 anos de idade (1829), Braille públicou o seu invento denominado de “Processo para Escrever as Palavras, a Música e o Canto-Chão por meio de Pontos, para Uso dos Cegos”. Assim descobriu que seu método poderia ser aplicado também na matemática, aritmética, química, música e em outras áreas do conhecimento.

Apesar da sua brilhante invenção, os dirigentes do Instituto Real não lhe davam atenção, pois não queriam abandonar o velho método. Ele chegou, secretamente, a ensinar com sucesso o seu sistema de escrita e leitura a vários colegas e alunos. Muito desgostoso, aos 30 anos de idade (1839), e como professor de violoncelo e de órgão no Instituto Real, Braille conheceu uma brilhante aluna cega – a jovem Tereza von Kleinert. Esta aluna, em um dos seus concertos de piano (1841), no elegante salão de Madame Desmoulins, rendeu-lhe uma merecida homenagem, a qual infelizmente Braille não pode comparecer, pois estava sofrendo de fortes crises respiratória, decorrentes da tuberculose.

No dia 6 de janeiro de 1852, aos 43 anos de idade, morreu em Paris o ilustre Louis Braille, sem ver seu sistema reconhecido. Dois anos após sua morte, Teresa von Kleinert inicia por toda a França uma grande turnê como pianista, divulgando seu aprendizado literário

e musical mediante o uso do Sistema Braille e da Musicografia Braille. Este acontecimento atraiu a atenção de Luiz Napoleão Bonaparte que lhe concedeu uma audiência especial. Ao se tornar Imperador da França, Bonaparte organizou a Exposição Internacional de Paris, exibindo os progressos cultural, econômico e científico do seu país. Na oportunidade, incluiu, com imenso louvor, a invenção de Louis Braille. A partir de então, o Sistema Braille se espalhou rapidamente por toda a Europa, impulsionando assim a criação de vários centros educacionais e , portanto, a escolarização das pessoas cegas.

As atividades referentes à educação de pessoas cegas só foram oficialmente implantadas no Brasil em 19 de dezembro de 1854, por ordem do então D. Pedro II, que fundou na cidade do Rio de Janeiro (RJ) o Instituto Imperial dos Meninos Cegos, hoje nominada de Instituto Benjamin Constant. Este Instituto teve como primeiro diretor o médico francês Dr. Xavier Sigaud71. Naquela época, Sigaud apresentou ao Imperador do Brasil - D. Pedro II, o recém-chegado rapaz, José Álvares de Azevedo, vindo de Paris, depois de ter estudado por lá durante seis anos (TOMÉ, 2003). Mediante essa apresentação, ele conseguiu despertar o interesse do Imperador para a possibilidade efetiva de contratar o jovem Azevedo como professor dos alunos cegos daquele Instituto. Logo depois, o Instituto incluiu em definitivo o ensino do Sistema de Escrita e Leitura Braille, não somente para seus alunos internos e externos, mas também para as pessoas interessadas, oriundas de todos os estados do Brasil e de todos os países da América Latina. Até hoje estas ofertas se fazem presentes, disponibilizando também inúmeros cursos, oficinas e vivências.

Em geral, nos institutos e escolas especiais para cegos são trabalhadas várias disciplinas que colaboram com o processo educacional e com a formação geral de seus usuários. Dentre essas podemos destacar: Consciência Corporal; Estrutura Espacial; Percepções (visual, tátil, auditiva, olfativa, gustativa e sinestésica); Orientação Temporal e Física; Sociabilidade; Aspectos Emocionais; Estimulação a Tempo; Sorobã; Linguagem e Matemática; Orientação, Mobilidade e Acessibilidade; Atividades da Vida Diária; Coordenações Motora Global e Fina, e Equilíbrio; Pré-Alfabetização e Alfabetização; Psicomotricidade; Oficina Pedagógica; entre outras. No nosso escopo apresentaremos apenas os seguintes tópicos: Sistema Braille e a Musicografia Braille; Orientação, Mobilidade e Acessibilidade; Atividades da Vida Diária; Psicomotricidade; e Adaptações: física, curricular e material.

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Dr. Xavier Sigaud, médico francês, esteve a serviço da Corte Imperial brasileira e era pai de Adélia Sigaud, que sofria de cegueira total.