• Nenhum resultado encontrado

2.2 O PERFIL DO EDUCANDO COM NECESIDADES EDUCACIONAIS

2.2.3 Orientação, mobilidade e acessibilidade (OMA)

A Orientação, Mobilidade e Acessibilidade representam uma disciplina que trabalha as capacidades presentes na vida de todos nós. Estas capacidades dizem respeito às percepções do ambiente em que estamos interagindo e aos movimentos que necessitamos realizar durante as ações. Em geral, a visão é o primeiro sentido que mais contribui para a nossa orientação e mobilidade, de forma mais precisa e direta.

Portanto, a OMA diz respeito ao direcionamento apropriado para o relacionamento da pessoa consigo própria, com o espaço do ambiente em que se realiza a ação, e com a locomoção em outros espaços maiores, garantindo, com segurança, sua proporcionalidade de movimento, mobilidade e acessibilidade. Em se tratando de pessoa com deficiência visual, a OMA se refere a uma disciplina composta de vários procedimentos que promove um melhor desempenho e independência no relacionamento pessoal e social, bem como nas atividades profissionais que o educando venha a exercer.

Para uma pessoa com deficiência visual, a Orientação é uma atividade indispensável, pois desenvolve o aprendizado no uso de todos os sentidos para obter informações do ambiente em que se está inserido. Estar ciente – como está, onde está, de onde veio, para onde ir e como fazer para chegar ao lugar desejado – requer uma série de exercícios e treinamentos envolvendo todas as percepções sensoriais.

Consideramos que, no movimento de uma pessoa no tempo e no espaço, a orientação vem em primeiro lugar, a mobilidade vem em segundo e, consequentemente a acessibilidade vem em terceiro. Deste modo, definimos a Orientação como um processo para utilizar todos os sentidos, tendo em vista estabelecer a posição e o relacionamento de uma pessoa, com objetos significativos no ambiente. A orientação do educando com deficiência visual em relação ao seu ambiente, é alcançada mediante recursos e exercícios que lhe permitem a utilização de todas as percepções.

Quanto à mobilidade, podemos defini-la como a locomoção de uma pessoa de uma posição presente para uma posição desejada, sendo alcançada mediante um sistema de exercícios e treinamentos que envolvem a utilização de recursos mecânicos, óticos, eletrônicos, além da própria locomoção da pessoa. Seu programa deve seguir, progressivamente, certas orientações a serem realizadas em locais específicos, assim como: ambientes interno e externo, área residencial, pequeno distrito comercial e grande zona comercial.

A mobilidade é o aprendizado indispensável para a execução e o controle dos movimentos físicos de forma organizada, progressiva, independente e eficaz que pode ser realizada das seguintes formas: Guia Vidente, com ajuda de outra pessoa vidente; Autoproteção, usando seu próprio corpo; Cão-Guia, um cão treinado para esta finalidade; Bengala Longa, usando uma bengala; e Ajudas Eletrônicas com a tecnologia (FELIPPE; MOTA, 2003). A seguir podemos observar uma pessoa fazendo uso de uma bengala longa (Figura 22).

Figura 22 - Demonstração do uso da bengala longa

Para cada forma de mobilidade citada existem inúmeras técnicas e exercícios progressivos a serem realizados em espaços variados, sempre sob a orientação de profissionais habilitados. O educador musical, que trabalha com educandos cegos e/ou deficientes visuais deve estar consciente destas técnicas e comportamentos para saber exercitá-las em sala de aula e até melhor utilizá-la em atividades envolvendo a música. Ele também deve reforçá-las com técnicas e exercícios comuns direcionados ao ensino de música. Como exemplo existem alguns estímulos envolvendo uma ou duas percepções que podem ser importantes fontes de aprendizado, tanto para a vida diária quanto no aprendizado musical (FELIPPE;MOTA, 2003). Referente ao estímulo auditivo:

a) orientar-se pelos sons comuns das pessoas, dos objetos e dos sons, na sala de aula e/ou fora dela;

b) identificar diversos sons em variados ambientes;

c) posicionar-se em relação a uma fonte sonora específica (de frente, de costas, com o lado direito/esquerdo);

d) gesticular, engatinhar, caminhar, dançar, correr, trotar ao encontro de uma fonte sonora, ou em paralelo a ela;

e) identificar pessoas pelas vozes;

f) identificar objetos, instrumentos e músicas pelos sons;

g) realizar jogos de imitação, criação, adivinhações e dramatizações; h) usar instrumentos, rádio, discos, fitas cassetes, CDs, DVDs e

celulares, com reproduções de variados sons (FELIPPE; MOTA, 2003).

De acordo com Felippe e Mota, podemos sinalizar alguns estímulos tátil-cinestésicos a seguir:

a) apresentar uma Arca dos Tesouros ou uma Caixa de Surpresa, contendo variados objetos e instrumentos a serem manipulados (explorar cores, sonoridade, manulação, texturas, peso, tamanho, forma, temperatura, consistência e outros);

b) construir e manusear mapas táteis, maquetes, modelos esquematizados, miniaturas e outros, relacionados aos conceitos musicais;

c) manipular instrumentos, tecidos, papéis, papelão, lixas, com variados tipos de textura e tamanhos para trabalhar textura e formas musicais;

d) modelar com massa, argila ou barro, formas de instrumentos musicais, assim como organização de uma orquestra, formas de uma música ou outros conceitos;

e) realizar jogos sonoros de montar, encaixar, seriar e comparar sons e instrumentos musicais;

f) explorar todas as possibilidades de movimentos básicos aliando-os à música, assim como rastejar, engatinhar, escorregar, andar, correr, pular, saltar, rolar, trepar, dançar, puxar, empurrar, balançar, agachar-se, esticar-se, curvar-se, contorcer-se, fazer preensões, trotar, entre outros;

g) trabalhar atividades lúdicas e cênicas (FELIPPE; MOTA, 2003).

Quanto ao estímulo olfativo podemos desenvolver as seguintes atividades:

a) apresentar uma Arca dos Aromas, contendo vários frascos de diversas essências;

b) apresentar uma Arca de Objetos contendo plásticos, frutas, flores, vegetais, comidas, entre outros;

c) apresentar objetos que tenham aroma identificável e que estejam relacionados ao texto de uma música que esteja sendo trabalhada (FELIPPE; MOTA, 2003).

Quanto ao estímulo gustativo podemos desenvolver as seguintes atividades:

a) degustar várias amostras comestíveis contidas na Arca dos Sabores – sal, açúcar, manteiga, queijo, iogurte, café, chá, fruta, bala, chocolate, entre outras;

b) degustar várias amostras comestíveis que sejam, em paralelo, relacionadas ao texto de uma música que está sendo trabalhada (FELIPPE; MOTA, 2003).

Quanto ao estímulo sinestésico, este pode ser adaptado junto a tantos outros já descritos. Vale ressaltar que todos estes estímulos devem ser vivenciados mediante a apresentação de exercícios que proporcionem aos envolvidos o máximo de higiene, proteção e cuidado com a saúde. Muitas pessoas têm determinadas alergias a vários componentes químicos. É imprescindível que o educador saiba, neste sentido, das limitações individuais de todos os envolvidos.

No propósito referente ao ensino de música, a coerência de se trabalhar estes estímulos com a turma, deve estar aliada aos ambientes e aos objetivos, conteúdos e metodologia musicais. Devemos levar em conta que, deste modo, aumenta a perspectiva do aprendizado de uma gama de conhecimentos, da construção e da transformação de conceitos, procedimentos e atitudes intrínsecos e extrínsecos à música.

Para muitas crianças cegas de nascença, falta-lhes adequada imagem corporal; portanto, elas não compreendem como controlar seu corpo no espaço ou em relação aos objetos no espaço, o que torna indispensável para essas crianças um programa de exercícios referentes à imagem corporal. Outra carência de percepção que a pessoa com deficiência

visual encontra é a falta de compreensão em curto e médio prazo, do espaço, objetos e formas geométricas encontradas no ambiente físico.

Muitas delas podem verbalizar a definição do conceito de quadrado, triângulo, retângulo ou outras formas geométricas, mas quando são orientadas a andar ao redor de um quarteirão quadrangular, são incapazes de explicar quantas viradas têm que ser feitas para completar o circuito. Muitas até não compreendem algumas palavras usadas para descrever as posições no espaço ("acima", "abaixo", "à frente", "atrás"), exigindo que se lhes dediquem exercícios práticos específicos em relação a estes e a tantos outros conceitos.

É imprescindível que o educador musical saiba alguns conteúdos procedimentais capazes ou possíveis de serem vivenciados com seus educandos, sejam pessoas comuns ou pessoas com deficiência visual. Bantulà e Carranza (1999) apontam, na área de Educação Física, inúmeros conteúdos – procedimentais fundamentais e específicos. Estes conteúdos podem ainda ser pensados e adaptados em termos de ensino de música de turmas inclusivas. São eles:

 Afirmação da lateralidade; percepção e estruturação espacial e temporal; percepção e estruturação do espaço em relação ao tempo;

 Atitude Postural; controle tônico; controle do corpo em relação ao relaxamento e à respiração;

 Uso das habilidades básicas (deslocamentos, giros, saltos, manipulação de objetivos); equilíbrio estático e dinâmico;

 Condicionamento físico geral (aspectos quantitativos do movimento tratados globalmente); utilização do gesto e do movimento para a expressão e a comunicação;

 Adequação dos movimentos a ritmos externos; integração da qualidade de movimento à própria execução motora;

 Hábitos de trabalho presentes na atividade corporal (aquecimento, relaxamento, atenção na execução e outros);

Utilização de regras e estratégias de jogos coletivos (1999, p. 108). Neste sentido, podemos vivenciar a música segundo seus quatro blocos de conteúdos que irão desenvolver a orientação: a) percepção e imagem do corpo; b) habilidades, destrezas e condicionamento físico geral; c) expressão e comunicação; e d) habilidade e estratégias de jogos.

Concordamos que, durante as atividades musicais realizadas no processo de ensino- aprendizagem, a flexibilidade e a orientação espacial são componentes imprescindíveis para realizar ações exitosas. A flexibilidade, segundo os autores, “é a capacidade das articulações corporais para dispor do maior alcance articular possível. É determinada pela configuração da articulação a elasticidade dos músculos, a mobilidade normal do indivíduo e os componentes psicológicos.” (BANTULÀ; CARRANZA, 1999, p. 109).

No que tange à orientação espacial “trata-se da capacidade que permite estar sempre consciente da localização do próprio corpo em relação a outros objetos em um espaço, ou, ao contrário, quer dizer, para localizar os objetos em função de sua própria posição, real ou suposta” (BANTULÀ; CARRANZA, 1999, p. 115). Não devemos nos esquecer de que música é movimento e que é necessário ter flexibilidade para cantar, tocar ou se movimentar, enquanto fazemos qualquer atividade musical. Da mesma forma, esta flexibilidade apresenta- se a serviço da orientação e, em seguida, da mobilidade.

Bantulà e Carranza, salientam ainda que o espaço que o nosso corpo ocupa e os objetos que nos rodeiam representam o cenário das nossas ações motoras. Percebê-los corretamente e em todas as suas dimensões, assim como estruturá-los em relação a nós mesmos e em relação aos objetos, e sabermos nos deslocar com precisão, são os objetivos mais importantes para obtenção de êxito nas ações educacionais. Portanto, devemos promover inúmeras ações, tais como:

 Vivências do espaço individual e coletivo;

 Experimentação de diferentes trajetórias, direções e sentidos;

 Reconhecimento e interiorizarão das relações topológicas básicas;

 Estruturação do espaço de ação;

 Tomada de consciência e análise do espaço;

 Apresentação e reprodução de trajetórias;

 Representações gráfica, gestual e oral;

 Abstração e representação de espaços não conhecidos;

 Apreciação e representação de medida, forma, peso, volume e outros;

 Generalizações e relações sobre conceitos espaciais presenciais e virtuais;

 Representação das relações euclidianas;

 Orientação sobre planos e formas (BANTULÀ; CARRANZA, 1999, p. 115-116).

Estas ações devem ser representadas por técnicas de ensino, aliadas aos objetivos, conteúdos e atividades musicais, que representam o foco deste trabalho para com todos os educandos.

Contudo, para que as pessoas com deficiência visual possam exercer plenamente suas atividades, ou melhor, para que elas possam exercer seu direito de ir e vir em qualquer circunstância, não basta terem desenvolvido técnicas de aprendizagem em relação à orientação e mobilidade. É necessário que haja também um eficaz programa de Acessibilidade. Aliás, este termo é recentemente novo, respaldado pela Lei de Acessibilidade, nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. O Capítulo I, Art. 1o. (Disposições Gerais) estabelece as normas gerais e os critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com

deficiência ou com mobilidade reduzida, tendo como meio a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

É importante enfatizar que a Acessibilidade é definida, no Art. 2o., como a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. Ainda neste artigo, o referido documento aponta como barreiras “qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas [...]”. Estas barreiras podem ser: arquitetônicas urbanísticas (as existentes nas vias públicas e nos espaços de uso público); arquitetônicas na edificação (as existentes no interior dos edifícios públicos e privados); arquitetônicas nos transportes (as existentes nos meios de transportes); as barreiras de comunicação (qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos meios ou sistemas de comunicação, individual ou “de massa”).

Ressaltamos que a Lei de Acessibilidade (Art. 2º, Inciso III) afirma que todas as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, sejam elas temporária ou permanente, têm o direito de se relacionar com o meio e de utilizar todos os elemento de urbanização, mobiliário urbano e ajuda técnica acessíveis à sociedade. No Capítulo VIII, o Art. 21 afirma que o poder público, por meio dos organismos de apoio à pesquisa e das agências de financiamento, fomentará programas destinados “ao desenvolvimento tecnológico orientado à profusão de ajudas técnicas para as pessoas portadoras de deficiências” (Inciso II).

Devemos lembrar que a ajuda técnica significa “qualquer elemento que facilite a autonomia pessoal ou possibilite o acesso e o uso de meio físico” (Art. 2º

, parágrafo II, inciso VI). Neste sentido, temos a responsabilidade e a obrigatoriedade de sermos parceiros desta causa, promovendo caminhos em prol da acessibilidade, no nosso caso eespecífico, aos educandos com deficiência visual nas escolas, nas salas de aulas e, consequentemente, nas práticas referentes ao ensino de música. É mister sempre verificar o acesso destas pessoas nas dependências da escola e nos locais mais frequentados por eles. Trata-se de profissionalismo e exercício de cidadania a pessoa que comunica, aos órgãos competentes, sobre a necessidade de se eliminar barreiras arquitetônica e de comunicação, e também sobre a eficácia da promoção da plena acessibilidade.