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Critérios para a transformação do território e patrimônio cultural Após a aprovação das diretrizes, a equipe técnica do Consórcio Nova Luz, mas especiicamente da

O Plano de Urbanização da

ZEIS 3 C 016 (Sé) e sua avaliação pelo Conselho Gestor

2.6.4 Critérios para a transformação do território e patrimônio cultural Após a aprovação das diretrizes, a equipe técnica do Consórcio Nova Luz, mas especiicamente da

Cia City, empresa responsável pela elaboração do PUZEIS, passou a participar mais ativamente das reuniões do Conselho Gestor apresentando parte dos produtos elaborados pelo consórcio. Na expla- nação da arquiteta Amélia Reynaldo, que coordenou o Plano, identiicamos um trabalho criterioso, metodológico e preciso, na identiicação do patrimônio construído, no desenvolvimento projetual, no cuidado que teve com o tratamento dos espaços públicos e o projeto de equipamentos sociais complementares à habitação, etc. No entanto, esse trabalho meticuloso se mostrou inconsistente quando analisado frente à realidade social da área, aos usos estabelecidos e à dinâmica do territó- rio, ao desconsiderar o que é mais caro aos seus ocupantes: o valor do uso, seja ele consolidado ou existente, seja frente às complexidades sociais presentes no cotidiano mais imediato. Estamos aqui falando de lugares como a tabacaria de quase um século de existência, do centro de recuperação de dependentes químicos, instalado na área há poucos anos e também do plano de relocação dos mora- dores e das garantias de permanência da população residente na área do projeto. Um questionamen- to presente perante tal negligência é, se estes “esquecimentos” seriam frutos de uma visão de projeto pouco humanizada, que dispensou um diagnóstico aprofundado que identiicasse tais nuances pre- sentes no território, ou oriundos de uma diretriz maior, advinda do ente público, vinculada à já tão falada necessidade de liberação de áreas para a viabilização da Concessão Urbanística, onde “detalhes subjetivos” deveriam ser colocados em segundo plano (ou, no nosso caso, em plano algum). Certa- mente a segunda hipótese parece mais plausível, dados o nível de debate que viemos a confrontar no ambiente do Conselho Gestor, muito qualiicado quando oriundo da equipe de Amélia Reynaldo, e repleto de subterfúgios quando defendido pelos representantes do poder público.

Os critérios adotados pelo Consórcio Nova Luz e SMDU para a intervenção nos imóveis inseridos no perímetro da ZEIS 3 C 016 (Sé) foram os mesmos do restante do Projeto Nova Luz. Foi sobre estes critérios que se debruçou grande parte das discussões do Conselho Gestor, e aos quais foi indicada a necessidade de revisão nas diretrizes propostas pela sociedade civil. Para o PUE e para o PUZEIS foram deinidos originalmente os seguintes critérios para a permanência das ediicações:

166 167 Perímetro ZEIS 3 C015 e ZEIS

3 C016

Imóveis tombados e/ou em processo de tombamento

Perímetro ZEIS 3 C015 e ZEIS 3 C016

Imóveis com área constru- ída maior que 2.000 m² ou coeficiente de aproveita- mento maior que 4 • Incidência de legislação de preservação;

• Porte da ediicação, considerando:

Coeiciente de aproveitamento utilizado maior que o máximo permitido pelo zoneamento; Área construída (referência 2.000 m²);

• Existência de 20 unidades habitacionais ou mais na ediicação no caso de edifícios residenciais; • Características paisagísticas e/ou arquitetônicas singulares que justiiquem a permanência; • Compatibilidade da ediicação existente com o Projeto Urbanístico proposto.

Do total de 222 imóveis inseridos no perímetro das ZEIS 3 C 015 e 016 (Sé), 85 estariam sujeitos a permanecer e 137 a serem substituídos, totalizando 33.193 m² de terreno e 52.935 m² de área cons- truída a serem demolidas, conforme descrito na tabela na página ao lado.

Tabela 2.03: Imóveis da ZEIS 3 C 015 e C016 a renovar e a reabilitar Fonte: PMSP, 2001b

Dos 96 imóveis tombados ou em processo de tombamento a permanecer no Projeto Nova Luz, 18 estavam inseridos no perímetro da ZEIS.

Mapa 2.06: Imóveis tombados e/ou em processo de tombamento no perímetro da ZEIS 3 C 016 (Sé). Fonte: PMSP, 2001b

Dos 172 imóveis com área construída maior que 2000 m², ou coeiciente de aproveitamento maior que 4 a permanecer no Projeto Nova Luz, 16 imóveis estavam inseridos no perímetro da ZEIS.

Mapa 2.07: Imóveis com área construída maior que 2 mil m² ou C.A. maior que 4 inseridos no perímetro da ZEIS 3 C 016 (Sé). Fonte: PMSP, 2001b

Dos 144 imóveis com 20 ou mais unidades habitacionais a permanecer no Projeto Nova Luz, 20 estavam inseridos no perímetro da ZEIS.

Mapa 2.08: Edifícios residenciais com mais de 20 u.h. inseridos no perímetro da ZEIS 3 C 016 (Sé). Fonte: PMSP, 2001b

Perímetro ZEIS 3 C015 e ZEIS 3 C016

Edifícios residenciais com mais de 20 unidades habi- tacionais

168 169 Dos 38 imóveis com coeiciente igual ou menor que 4, porém com características singulares, que

levaram à sua permanência, 15 estavam no perímetro da ZEIS.

Os critérios elencados para a intervenção do Projeto Nova Luz foram baseados no porte, nas carac- terísticas físicas das ediicações e na incidência de legislação de preservação, que também considera apenas os aspectos arquitetônicos referente a um determinado período histórico. A escolha de tais critérios teve como base o argumento de intensiicação do uso do solo de uma região com grande oferta de infraestrutura, acessível ao transporte público e que precisa ter seu potencial construti- vo amplamente aproveitado. O Projeto utilizou o conceito de “cidade compacta” para justiicar as demolições e o alto grau de intervenções propostas para a área, onde a população atual de 11.679 habitantes passaria para 23.659 habitantes, representando um acréscimo populacional de 102,6%. Tratando-se de um Conselho Gestor de ZEIS a elaborar seu Plano de Urbanização, poderia ser uma boa notícia o fato de 137 imóveis estarem sendo disponibilizados para serem transformados em HIS. Esta era, portanto, a expectativa que o poder público tinha com as quatro cadeiras da sociedade civil representadas por movimentos de moradia organizados, cuja pauta central era a viabilização da pro- dução habitacional para famílias de baixa renda. Contudo, antes de batalhar pela oferta de moradia que esta ZEIS poderia gerar, a sociedade havia de batalhar por uma cidade que perderia sua memória, por trabalhadores que perderiam seu sustento e por garantias de inclusão.

A escolha dos critérios de intervenção desconsiderou peculiaridades de cunho social, econômico e cultural que não estavam representadas no aspecto construtivo das ediicações. Não foram conside- radas a vida cotidiana existente, o patrimônio cultural e a atividade produtiva da região. Trata-se de um território ocupado por uma população vulnerável economicamente (como icou demonstrado na caracterização da população residente), e que por isso, tem nos seu espaço público a presença de dependentes químicos, com dezenas de instituições sociais e ilantrópicas nas suas imediações, des- Mapa 2.09: Imóveis com C.A. menor ou igual a 4, porém com características singulares, inseridos no perímetro da ZEIS 3 C 016 (Sé).

Fonte: PMSP, 2001b

consideradas no diagnóstico do projeto. Possui um forte e rentável comércio de eletroeletrônicos nas imediações da Rua Santa Iigênia e abriga comércios e serviços locais em atividade há décadas, repre- sentativos da história e da memória da cidade e de seus habitantes, muitos deles demarcados como áreas a serem demolidas. Quando todas estas referências são perdidas, quando este sentido de “lugar” é desfeito, está se abrindo uma conjuntura favorável para a criação de um novo território, uma “Nova Luz” para novos moradores, com peril social distinto daqueles que ali estavam.

Pode-se dizer que o Projeto Nova Luz, bem como o referido Plano de Urbanização de ZEIS, poderia ser aplicado em qualquer outra área da cidade, já que não considerou as especiicidades locais, mas apenas números, porte de ediicações, índices urbanísticos e uma legislação de proteção ao patrimô- nio histórico discutível, que ignorou ediicações signiicativas de outros períodos históricos e o pa- trimônio de cunho cultural e imaterial. A presença dos dependentes químicos foi elencada inúmeras vezes pelo Secretário de Desenvolvimento Urbano, Miguel Bucalem, como um problema de saúde pública e não de urbanização, ou seja, tratávamos então de tijolo e de concreto, mas não de cidade, já que esta pressupõe o uso e ocupação dos seus espaços públicos e privados.

Questionado sobre os critérios de intervenção, o coordenador do projeto, Luiz Ramos, apontou, em reunião realizada com a AMOALUZ, antes da formação do Conselho Gestor, a diiculdade em estabe- lecer critérios precisos e objetivos que dessem conta de absorver os aspectos de origem “imaterial” da região, e por isto foram elencados condicionantes referentes apenas ao espaço construído, indepen- dente do uso. Esta seleção viria de encontro aos objetivos da Concessão Urbanística em liberar o maior número de terrenos possíveis para que a intervenção se tornasse viável e lucrativa ao concessionário. Seria resolvido o problema daquilo que salta aos olhos como “feio”, “decadente” e “pobre”, em um pro- cesso de higienização física e social, mascarado pelo argumento da subutilização de uma área dotada de infraestrutura e com alto potencial construtivo. Esse foi o cerne da questão que envolveu o Projeto Nova Luz, onde a liberação de áreas para a tão almejada reforma urbana e produção de habitação social soaria bem convincente. Estava formado o argumento necessário para legitimar a Concessão Urbanística. Para qualquer projeto urbanístico deste porte, como para uma área igual a da ZEIS 3 C 016 (Sé), as intervenções deveriam se concentrar nas áreas vazias e nos imóveis subutilizados, que não exercem a função social da propriedade, tal como deine a legislação incidente sobre a ZEIS 3, sucumbida pela lógica da Concessão Urbanística. Se o imóvel está cumprindo a sua função social, ele poderá perma- necer na ZEIS da forma como se encontra, e se não estiver cumprindo a função social, o proprietário é obrigado a construir ou dar uso ao imóvel, de acordo com as regras da ZEIS. Conforme Artigo 136 da LUOS, apenas se enquadram na deinição de ZEIS:

[...] lotes e glebas com área superior a 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) nos quais o coeiciente de aproveitamento não atingiu o mínimo deinido para a zona onde se situam, excetuados os terrenos utilizados por postos de abastecimento de veículos e por equipamentos urbanos de infraestru- tura que não exijam ediicações. (PMSP, 2004c)

A deinição da LUOS segue as indicações do Estatuto da Cidade, que deine área subutilizada quando o coeiciente de aproveitamento é inferior ao mínimo estabelecido para a zona de uso em áreas superiores a 250 m². Imóvel não utilizado é o que se encontra sem atividade por mais de cinco anos, ou com ocu- pação igual ou inferior a 20% da área total, que não é o caso de muitos dos imóveis que foram indicados para demolição na área do PNL, onde há atividade econômica e geração de emprego e renda.

Na reunião do dia 24 de agosto de 2011, após a aprovação das diretrizes a arquiteta Amélia Reynaldo apresentou ao conselho, pela primeira vez, um detalhamento quadra a quadra do Plano de Urbaniza- Perímetro ZEIS 3 C015 e

ZEIS 3 C016

Imóveis com coeficiente de aproveitamento menor ou igual a 4, porém com características arquitetô- nicas

170 171 ção de ZEIS elaborado pelo Consórcio Nova Luz, já denominado “consolidado”. Nesta apresentação

estavam indicados quais os imóveis que permaneceriam e quais seriam demolidos, com base nos critérios que já citamos aqui. A descrição destes imóveis levantou o debate sobre os critérios, onde as motivações de caráter estético para a permanência e demolição de imóveis se sobrepunham ao uso consolidado dos espaços. O Bar Léo, instalado na área desde 1940, se tornou o exemplo emblemático desta questão.

Simone Gatti (AMOALUZ): Tem um imóvel ali, que você disse que ele não é tombado, mas que por características arquitetônicas, preservadas e tal, se resolveu que ele poderia ser preservado. (...) Eu só queria fazer uma observação (...), do porquê de um imóvel com características arquitetônicas semelhan- tes a outras que já são tombadas, ele adquire um grau maior de importância do que, por exemplo, ali, à sua... 3 fotos à sua esquerda, ali é o Bar Léo, não é?

Amélia Reinaldo (Consórcio Nova Luz): Na Rua dos Andradas. Sim.

Simone Gatti (AMOALUZ): Como um equipamento que tem um uso tão signiicativo pra cidade, como o Bar Léo, que faz parte da memória, não só do bairro, mas da cidade de São Paulo, pode ser menos representativo do que outro apenas pelas características da ediicação? (...)

Luis Ramos (SMDU): (...) A gente procurou na identiicação desses imóveis que poderiam ser objeto de transformação que, por conta da aplicação do instrumento de concessão urbanística, procurou-se objetivar. E aí, até entendendo as diretrizes de transformação da área, que a gente tá falando de uma transformação sob o ponto de vista do padrão urbanístico, de olhar mais a questão da ediicação, do que propriamente a questão do uso. Há muitos casos onde o uso não tá totalmente vinculado à questão daquele imóvel. É um uso que pode acontecer em outro imóvel. No caso do Bar do Léo, os relatos que a gente tem da própria equipe do Consórcio, que a gente tem contato com o proprietário do Bar do Léo, por exemplo, é ele ter dito que não haveria problema... ele quer se localizar na área. Ele não quer sair da região. Mas não necessariamente deste imóvel. (...) E a pergunta ica: esse uso, ele só tem sentido se for nesse lugar? Se ele for num outro imóvel, com... no mesmo lugar, renovado, ou 10 metros pra cá, 10 metros pra lá, ele deixa de fazer sentido? Essa é a discussão. E dentro do limite dessa objetividade, que a gente conseguiu construir, foi a indicação que a gente teve, foi a direção que se tomou (...)

Lourenço Gimenes (Consórcio Nova Luz): (...) essa questão, especiicamente, que você colocou, do Bar do Léo é muito emblemática também, porque a gente passou e repassou por ela algumas vezes, até che- gar nos critérios que o Luis mencionou aqui. A gente tem que lembrar algumas coisas que vão perpassar a análise de cada imóvel, individualmente, em relação ao seu uso, seus critérios, com as suas qualidades individuais. Que é o plano que leva em consideração ao que se deseja pra área como um todo. Aqui, o que se tá em discussão, prioritariamente, em relação a um estabelecimento privado, comercial, que tem na sua gestão, digamos assim, a sua garantia de perenidade, não é só uma questão de memória. Se ele falir amanhã, por exemplo, essa memória toda se esvaiu. Mas é uma questão de densidade. A gente tá buscando aqui uma quantidade de habitação, proporcional a uma quantidade de comércio, que seja compatível às demais infraestruturas do bairro, e a consciência de que o projeto inteiro caminha num grande bloco. (...).

Glória Costa (Sociedade Civil): Boa noite. Glória Costa. Moradora dessa área de ZEIS. Eu tive oportuni- dade de conversar com os proprietários do empreendimento Bar do Léo. Eles estão há 70 anos no mes- mo lugar, do mesmo jeito. Eu conheço eles, já almocei lá. Freqüento... E o seguinte: vocês têm contato com o proprietário do imóvel. Eles alugam do proprietário. E eles nunca desejaram nem sair de lá, e nem mudar a cara do... e nem o tamanho nem a localidade deles.

Simone Gatti (AMOALUZ): Só pra conirmar toda a informação que a Glória está passando. A gente também esteve no bar, conversou com o gerente, conversou com os funcionários... Eles são locatários realmente, não são proprietários. E não têm interesse nenhum em sair. Muito pelo contrário, eles estão muito preocupados com essa situação, também. Só pra registrar.

Amélia Reinaldo (Consórcio Nova Luz): Fica o registro, acho, que da relexão, ok? Já a quadra 89. (Ata transcrita da reunião extraordinária do Conselho Gestor da ZEIS 3 em 24 de agosto de 2011)

Em outro momento da discussão sobre os critérios de permanência e demolições, houve a identi- icação de outro imóvel antigo, ocupado por uma igreja, e marcado para ser demolido, já que sua “fachada” não apresentava uma “singularidade”:

Amélia Reinaldo (Consórcio Nova Luz): (...) Esses daqui seriam aqueles passíveis de demolição. São aque- les que não receberam nenhum critério pelas suas características atuais. Então passíveis de demolição. Orador não identiicado: O número 144 um imóvel muito antigo, a fachada, e hoje, lá, tem uma igreja evangélica.

Amélia Reinaldo (Consórcio Nova Luz): Não foi classiicado. Nós não encontramos, ou seja, pelos elemen- tos que... O senhor tá falando isso, mas pelos elementos que a gente analisou, a gente não percebeu essa identidade.

Luis Ramos (SMDU): É que na análise das equipes técnicas, não se identiicou uma singularidade na pro- dução da fachada.

Amélia Reinaldo (Consórcio Nova Luz): É. Não signiicam uma singularidade.

Luis Ramos (SMDU): Não tá sendo analisado a idade da fachada. E sim, a característica dela, que possa ter uma singularidade que remeta, ou, e aí entendendo, buscando um pouco, fazer uma leitura que órgãos de preservação têm, eles que sim, são especialistas no assunto, eles olham com mais cuidado. De você ter registros de épocas distintas, sob o ponto de vista urbanístico e arquitetônico, construções que remetam ou que marquem determinadas épocas. E não se identiicou, no caso dessa ediicação, ainda que ela seja... e isso é uma coisa que vai acontecer com todas as ediicações antigas, são fachadas antigas...

Orador não identiicado: Esse imóvel está há 40 anos lá.

Luis Ramos (SMDU): Então, mas o que a gente tá falando é em relação à fachada do edifício, que ela não tem uma singularidade. (Ata transcrita da reunião extraordinária do Conselho Gestor da ZEIS 3 em 24 de agosto de 2011)

Tal como evidenciado nas falas dos técnicos e gestores do Projeto, “exemplos isolados” não pode- riam se sobrepor à proposta de “cidade compacta” proposta para a região. O perímetro das ZEIS seria ocupado por habitações (não só sociais, já que a lei incidente até então permitia um grande número de HMP) e fora da ZEIS por usos diversos, para classes sociais diversas, a im de dinamizar o “subutilizado” e “precário” tecido urbano existente (tecido não só construído, mas, sobretudo, so- cial). O comércio popular e vernacular, ou mesmo instituições sociais e religiosas, deveriam ceder espaço para uma nova produção imobiliária. Segundo Ramos, “proprietários estariam garantidos”, mas, como pudemos constatar, nem todos os reais ocupantes eram proprietários, tal qual o caso do emblemático Bar Léo, um entre muitos imóveis inseridos no perímetro do PNL que se encontravam na mesma situação.

172 173

Patrimônio Cultural

Com base no questionamento sobre as demolições propostas, de estabelecimentos comerciais, re- presentativos do processo histórico de construção da identidade do lugar e de seus moradores, rea- lizamos, através da AMOALUZ, uma pesquisa com moradores da região, sobretudo os mais antigos, presentes no bairro há décadas, na tentativa de identiicar esses lugares e garantir sua permanência. Esta pesquisa não considerou o comércio de eletroeletrônicos, mais recente e de uso mais transitório, cuja revisão da destinação no Projeto Nova Luz icou a cargo de ser apresentada pelos representantes do comércio no Conselho Gestor, conforme acordado entre os conselheiros representantes da socie- dade civil.

Este levantamento (Anexo 2.4) identiicou a existência de 12 estabelecimentos de comércio ou servi- ços representativos da história e da memória do bairro. São estabelecimentos que foram identiicados em pesquisa de campo e citados inúmeras vezes em reuniões com os moradores, que apresentavam-se indignados com a transformação que o bairro sofreria. O levantamento representou uma tentativa de preservação do comércio tradicional existente, muitos deles signiicativos não só para os moradores locais mas conhecidos em para toda a cidade, como o Bar Leo, a Casa del Vecchio e o Filé do Moraes. Para se estabelecer um critério objetivo para a identiicação destes estabelecimentos, tão solicitado pelas contra argumentações dos representantes do poder público no Conselho Gestor, conseguimos um fator comum entre todos os imóveis identiicados: o tempo de permanência da atividade, pre- sentes na região há mais de 40 anos. Três deles datam do início do século XX, como a Tabacaria Reis, no bairro desde 1915, a loja de instrumentos musicais Casa Del Vecchio, desde 1921 e o restaurante Filé do Moraes, desde 1929. A loja de calçados Casa Carioca está em funcionamento desde 1937 e o Bar Léo desde 1940. Os demais estabelecimentos comerciais, sapataria Campos Elíseos, Bar e Café Fio de Ouro, Padaria Cascatinha, Lanchonete Rio Tinto, Timbiras Artefatos de Couro, padaria Casa Aurora e a loja de instrumentos musicais Contemporânea, foram instalados no bairro a partir da década de 1959.

Dos doze estabelecimentos identiicados, oito não estavam em áreas de demolições (ichas 1 a 8) e não sofreriam intervenção direta pelo Projeto Nova Luz, embora necessitassem de políticas de sal- vaguarda tal qual os bens tombados, para que sua permanência no local não fosse afetada pelos pro- cessos de valorização que já estavam acontecendo e viriam se fortalecer com o desenvolvimento do projeto de reurbanização. Incentivos iscais poderiam ser concedidos aos proprietários destes imó- veis e políticas de controle de valorização dos aluguéis, contribuindo assim para a manutenção da história do distrito de Santa Iigênia, sujeita a desaparecer com as demolições propostas pelo Projeto.

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