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O projeto urbanístico elaborado pelo Consórcio Nova Luz

Não irei aqui explanar detalhadamente todos os pormenores do projeto urbanístico desenvolvido pelo Consórcio Nova Luz, já que o foco principal desta pesquisa é a análise da ZEIS 3 inserida no perímetro do projeto. Contudo, da mesma forma como foi importante entender o contexto no qual este grande projeto foi pensado e desenvolvido, o entendimento de suas características principais e a análise geral do seu conteúdo serão fundamentais para a compreensão dos rumos do Plano de Urba- nização da ZEIS desenvolvido posteriormente.

O Consórcio vencedor inalizou os estudos, após sucessivas prorrogações do prazo inicial, em mea- dos de 2012, último ano da gestão Kassab, trazendo no seu repertório modelos importados de expe- riências em contextos muito diversos da complexidade social existente na área central de São Paulo. Foram utilizadas referências como a rambla de Barcelona, o Campo Santa Margherita de Veneza, o Parque Victoria Manalo de São Francisco e o Bryant Park de Nova Iorque. São referências de desenho urbano que buscaram compatibilizar escalas semelhantes e eixos geradores de perspectivas signiica- tivas para compor espaços públicos generosos, mas que se conformaram como uma colagem siste- mática de modelos prontos. A estrutura social existente e suas formas de interação com a paisagem e com a vida urbana não estão colocadas como pré-requisitos de projeto. Sobre um território “neu- tro”, o desenho urbano molda uma nova cidade e apresenta, como critérios de intervenção, apenas elementos materiais e construtivos, propondo transformar e demolir lugares e cenários da memória social e do patrimônio imaterial e cultural existente. Todo um complexo conjunto de atividades que participaram da produção de várias faces da história urbana de São Paulo são desconsiderados, legi- timando a permanência de ediicações preservadas por critérios formais e desarticuladas das relações de coletividade construídas historicamente.

O resultado do desenho urbano proposto é o que podemos chamar de “tábula rasa”, remetendo aos ideários modernistas não condizentes com a complexidade social da vida urbana, tendo como objetivo principal a ruptura da estrutura fundiária fragmentada para a liberação de grandes áreas para inves- timentos imobiliários. Têm-se como resultado belos desenhos de espaços públicos generosos, porém elaborados na folha em branco, desconsiderando a vida por trás da imagem congelada da foto aérea. E este desenho, belo ou não, parece ainda mais estranho aos olhos daqueles que serão os impactados di- retamente, pois o traço no papel é autoritário e não permite o redesenho, é impositivo, deinindo quem sai e quem entra, já que a participação da sociedade não foi pré-requisito para sua elaboração.

As Diretrizes Urbanísticas do Projeto Nova Luz, divulgadas em novembro de 2010, compunham basicamente as referências internacionais materializadas em ideias de desenho urbano e croquis de espaços públicos, e os objetivos gerais da intervenção, tal como descritos na apresentação elaborada pelo Consórcio Nova Luz:

Objetivos Gerais:

• Preservação e recuperação do patrimônio histórico;

• Incremento da área destinada para o uso residencial, propiciando o aumento da densidade demográ- ica com objetivo de permitir que mais cidadãos possam usufruir das vantagens locacionais deste setor da cidade;

• Consolidação da área destinada a habitação de interesse social, indicada como ZEIS 3 no Plano Diretor Estratégico, com a produção de mais de 1.500 unidades habitacionais. Esta ação constitui uma

2.4

130 131 Setor Entretenimento, Nova Luz Campo Santa Margherita, Veneza Perspectiva do projeto: Setor de Entretenimento

Rua Vitória, Nova Luz

La Rambla, Barcelona Perspectiva do projeto: Rua Vitória

Parque da Triunfo, Nova Luz Pq da Victoria Manalo, São Francisco Perspectiva do projeto: Parque da Triunfo Parque Nébias, Nova Luz Bryant Park, Nova Iorque Perspectiva do projeto: Parque Nébias

Figura 2.16: Referências internacionais utilizadas no desenvolvimento do Projeto Nova Luz Fonte: Consórcio Nova Luz

importante oportunidade de garantir a consolidação de um novo núcleo habitacional de interesse social na área central da cidade;

• Criação de uma rede de espaços públicos capazes de recepcionar melhor os usuários da região assim como moradores e trabalhadores. (PMSP, 2011, p. 17) 11

Dois meses depois foi divulgado o Projeto Preliminar, que trouxe a público a imagem de maior impacto que o Consórcio Nova Luz viria a divulgar, a Planta de Concessão, ou seja, o mapeamento dos lotes que estavam sujeitos à demolição e transformação pelo concessionário vencedor da licita- ção da Concessão Urbanística. A planta apresentava a previsão de demolição de 284.096 m² de área construída localizados em 191.508 m² de área de terreno a serem renovados, o que corresponde a aproximadamente 54% da área de terreno total, considerando os 356.417 m² de área de terreno que compõe as 45 quadras do perímetro do Projeto Nova Luz.

11 Plano Urbanístico Especíico do Projeto Nova Luz. Subproduto 5.1. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/ cidade/secretarias/upload/desenvolvimento_urbano/arquivos/nova_luz/201108_PUE.pdf. Acessado em Agosto de 2011.

Mapa 2.05: Planta dos imóveis inseridos no Projeto Nova Luz que estariam sujeitos à Concessão Urbanística Fonte: PMSP, 2011

132 133 Tabela 2.01: Dimensionamento do Uso do Solo existente e proposto para o projeto Nova Luz

Fonte: PMSP, 2011

Tabela 2.02: Incremento populacional projetado Fonte: PMSP, 2011

Mais da metade daquela porção de terra inserida no distrito de Santa Iigênia viria ao chão, isso sem considerar os imóveis protegidos por tombamento que, apesar de mantidos, teriam seus usos e fun- ções transformados.

Os critérios de transformação do território consideravam a manutenção apenas dos imóveis enqua- drados como: imóveis protegidos pelo patrimônio histórico ou com arquitetura singular; imóveis com coeiciente de aproveitamento maior ou igual a 4; imóveis com número de unidades habitacio- nais signiicativas; características paisagísticas e/ou arquitetônicas singulares que justiiquem a per- manência e compatibilidade da ediicação existente com o Projeto Urbanístico proposto. A atividade produtiva local, o uso dos imóveis e o valor histórico de atividades seculares não foram considerados no estudo apresentado, bem como a opinião dos moradores e trabalhadores locais.

No dimensionamento do uso do solo existente e proposto, as áreas comerciais eram as mais afetadas, considerando que o uso residencial objeto de demolições é caracterizado por uma ocupação de baixa densidade, composta por cortiços e pequenos prédios. Dos 364.769 m² de áreas comerciais existentes, 174.672 m² foram demarcados como áreas a serem demolidas, o que corresponde a aproximadamente 50% de imóveis comerciais em pleno exercício de suas funções. O que vem agregar justiicativa para a série de manifestações e processos judiciais que se sucederiam no decorrer de toda a elaboração do projeto. Dos 200 slides que compunham o arquivo de apresentação do Projeto Urbanístico Consolidado, di- vulgado em agosto de 2011 após sucessivas revisões, a única menção feita sobre a população afetada pela intervenção foi apresentada na tabela “Incremento Populacional Projetado”, onde estão indicados os números dos deslocamentos previstos: 378 unidades habitacionais, 983 moradores, 881 estabele- cimentos e 5.531 pessoas em situação lutuante. Não há uma página sequer dedicada à relocação dos moradores e à inclusão dos comerciantes afetados. Em 200 slides, nenhuma menção à participação da população no processo de planejamento. Trata-se de um projeto elaborado, integralmente, por técni- cos, e apresentado pronto à população, para contribuições populares meramente protocolares.

Por uma construção democrática no

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