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Possibilidades e desafios para a implementação de uma política de Locação Social efetiva em São Paulo

A Locação Social como alternativa ao modelo da casa própria

3.3.3. Possibilidades e desafios para a implementação de uma política de Locação Social efetiva em São Paulo

As análises de desempenho dos empreendimentos implantados pelo Programa Locação Social em

São Paulo apontaram para dois diferentes resultados. O primeiro é o sucesso do programa nos edi- fícios Asdrúbal de Nascimento e Senador Feijó, justiicados pelo pequeno porte (que facilita muito a gestão, segundo os técnicos da Sehab e COHAB-SP), e na Vila dos Idosos, cujo bom desempenho se deve, sobretudo, à sua destinação para um público homogêneo, com necessidades similares e possui- dor de renda mínima (INSS ou LOAS). O segundo resultado é o cenário problemático encontrado no Parque do Gato e no Residencial Olarias, que foram destinados para uma população muito vulnerá- vel, proveniente de favelas, onde a maioria não tinha renda mínima para arcar com os custos da nova moradia, além de terem sido concebidos em uma escala maior, o que diicultou a gestão em todos os níveis (embora o Olarias tenha praticamente o mesmo número de unidades da Vila dos Idosos). Pode-se dizer, contudo, que os empreendimentos bem sucedidos deram sorte pelas suas especiicida- des, pois não há como garantir a sustentabilidade de edifícios ocupados por moradores sem renda se não for implantado um sistema eicaz de gestão condominial e social, com capacitação proissional para a geração de emprego e renda. Houve um esforço inicial por parte da Sehab em elaborar uma 23 O programa 80-20 não se insere no parque público de locação social, onde o governo subsidia a moradia para a po- pulação de baixa renda, porém com bom histórico de crédito e com peril de ‘bom inquilinos’. Os incorporadores recebem isenções iscais dos municípios e do estado e em troca devem reservar pelo menos 20% dos apartamentos para os inquilinos que ganham menos do que 50% do rendimento médio da área (AMI). Para estes inquilinos, o aluguel será de 30 a 35% da renda familiar. Metade de todas as unidades de 80/20 são reservadas para pessoas que vivem no bairro e uma pequena fração são reservados para policiais, trabalhadores da cidade e deicientes físicos

(fonte: <http://www.brickunderground.com/blog/2014/08/8020_affordable_housing_guide> Acessado em: 16/01/15). 24 Fala registrada no debate com o jornalista Raul Juste Lores sobre a Produção Habitacional de Nova York, realizado no IX Seminário Internacional: Habitação – Infraestrutura, espaço público e gestão, realizado em 31 de Março de 2014 na Escola da Cidade, São Paulo.

Figuras 3.35 a 3.38: Projects pertencentes ao NYCHA localizados no Chelsea, em Manhattan, NY . Pátio entre os edifí- cios, playground, identificação de propriedade pública, identificação da sede da Associação de Inquilinos.

262 263 Cooperação Técnica para a gestão do Programa Locação Social (iniciada pelo BID, mas sem conti-

nuidade), contudo, esses estudos ainda estavam em andamento quando os empreendimentos já ha- viam sido inaugurados. A inadimplência, e os problemas de convívios sociais, começaram no início da ocupação dos prédios pelas famílias reassentadas, sem planejamento para lidar com a vulnerabi- lidade social existente. O programa foi sendo tocado com a arrecadação dos aluguéis e condomínios, manutenções esporádicas e atendimentos sociais pontuais. Quando a conjuntura foi favorável, como no caso da Vila dos Idosos e dos edifícios reformados, os resultados foram satisfatórios, quando não, apareceram a sucessão de problemas: inadimplência, venda de unidades, sublocação, depredação, ocupação do patrimônio público por grupos ilícitos, entre outros.

A COHAB-SP não se estruturou para realizar gestão condominial, da mesma forma que a Sehab não o fez para a gestão social, ambas com experiência em lidar ou com produção habitacional ou com atendimentos temporários e reassentamentos para moradias próprias, deinitivas. A gestão de um parque público era algo sem precedentes na política habitacional paulistana. Bem improvável pensar que um programa inédito, iniciado com o atendimento a 623 famílias, poderia seguir com pleno sucesso sob a gestão de um número tão restrito de funcionários (cinco, considerando o numero de técnicos que trabalham atualmente na gestão do programa).

Ainda assim, o programa se sustenta economicamente, mesmo com os altos índices de inadimplência e com as manutenções ocorrendo de forma precária. Este dado signiicativo nos leva a constatação de que é possível estabelecermos situações contratuais com maiores subsídios para a população mais vulnerável, juntamente com o aluguel de indivíduos, ou famílias com renda mínima, com rendimen- tos baixos, porém garantidos, como os idosos ou trabalhadores com renda comprovada. Seria como se aplicássemos parcialmente a seleção de inquilinos realizada pelo NYCHA em Nova Iorque, porém agregada a uma política de maiores subsídios para os mais pobres. Contudo, a reconstrução da Locação Social nestes termos requer o investimento em uma estrutura de gestão, já que não se trata de criar um programa assistencial permanente, mas um pacto social para a melhoria das condições econômicas e sociais das camadas mais vulneráveis da sociedade. Só o compromisso com o caráter transitório do programa para esta faixa de renda pode signiicar um investimento em longo prazo, onde os mais po- bres possam ascender socialmente, adquirir emprego e transitar para outras formas de contrato, com maiores responsabilidades, e assim ceder a vaga para novos inquilinos. Há de se considerar ainda que uma iscalização efetiva, que chegue próxima ao que acontece em Nova Iorque, onde os funcionários da NYCHA batem nas portas dos inquilinos inadimplentes mês a mês, já reduziria em muito o número de inadimplentes, pois o que temos não é só incapacidade de pagamento, mas também omissão.

Esta equação que divide a população de baixa renda em dois segmentos, os com renda e os sem ren- da (ou com renda insuiciente para o custo mensal da moradia), seria uma forma de legalizar um processo já existente, cuja normativa do Programa Locação Social previu conceitualmente, mas não na prática, já que considerou que a demanda prioritária formada por pessoas em situações de rua ou com rendas muito baixas poderia arcar com os custos condominiais, sem subsídios. Uma alternativa no âmbito da Locação Social, a im de lidar com seus problemas de forma real e planejar a sustenta- bilidade do programa, é transferir as famílias sem renda, ou com renda insuiciente, para outro pro- grama, dotado de orçamento independente. O Programa Locação Social poderia ser mantido apenas aos moradores com condições de arcar com os custos de aluguel e as taxas condominiais, tal como fez o NYCHA em Nova Iorque (o que seria um desperdício de empenho, já que o programa existente, bem ou mal, já absorve a população mais vulnerável em sua própria estrutura).

A sustentabilidade “às avessas” existente hoje nos empreendimentos Olarias e Parque do Gato, que se mantém mesmo com a inadimplência de 55% e 70%, respectivamente, não é negativa apenas pelo

aspecto ilegal da falta de pagamentos e ocupações irregulares. Esta condição tem criado situações bem complicadas no que se refere aos direitos e deveres de todos e ao princípio da hegemonia, di- icultando ainda mais os processos de gestão, já que os moradores inadimplentes e irregulares não participam dos pactos coletivos, fundamentais para a convivência em condomínios. Uma questão que está sendo colocada atualmente para a Sehab é o que fazer com o Parque do Gato e o Residencial Olarias, cuja proporção de irregularidades tomou uma dimensão que virou um assunto político. “Reintegrar a posse das unidades ocupadas irregularmente seria promover uma revolta em massa, e renegociar a dívida seria injusto frente aos moradores adimplentes”25 (informação verbal), é o que

diz a COHAB-SP, que julga ser mais conveniente retirar o Parque do Gato e o Olarias do Programa de Locação Social e transformar todos em proprietários. Contudo, esta decisão não estaria fadando o conjunto a auto degradação? A possibilidade de uma revisão no programa com subsídios diferencia- dos para moradores, com e sem renda, atrelada com a renegociação entre as partes e melhorias físicas para facilitar a administração, como segmentação do condomínio por blocos, seria um marco de re- tomada do programa por novas bases, desde que fossem pactuadas com todos os atores diretamente envolvidos, moradores e técnicos, e pautadas na criação de uma estrutura de gestão eicaz.

Considerando a atual limitação da estrutura administrativa da PMSP, há de se avaliar as possibili- dades para a criação de um departamento especíico para gerenciar o parque público de habitação, constituído por uma equipe com responsabilidades deinidas. Ou ainda a formação de agências es- pecíicas ligadas ao poder público, mas desvinculadas do processo político e dos sistemas de ges- tão, o que garantiria uma maior independência frente às sucessões de governo e a possibilidade de trabalhar em parceria com cooperativas formadas por moradores e entidades sociais, algo como as Housing Associations26 existentes nos países europeus.

Em todas estas possibilidades de gestão, sejam elas coordenadas pelo poder público ou por agências independentes, o estímulo à autogestão, compartilhada com os moradores de cada condomínio, é ferramenta essencial para o bom desenvolvimento do programa. A autogestão não possibilita so- mente a redução de custos aos moradores, mas também a divisão de tarefas, a evolução das relações coletivas e o sentimento de pertencimento, tão necessário para a evolução do afeto, apego e cuidado com o lugar habitado.

Seja na escala local, da gestão do condomínio especíico, ou na gestão do programa como um todo através de cooperação, os movimentos sociais pelo direito a moradia têm um papel fundamental, atualmente subutilizado. É notória a sua importância para a validação dos direitos humanos e do acesso à moradia pelos mais pobres, mas pouco tem sido feito para a evolução das formas de gestão, sobretudo quando se trata dos assuntos ligados às formas alternativas de morar, desvinculadas da propriedade privada. A indicação de demanda tem sido a bandeira dominante dos movimentos de moradia, porém não pode ser única e voltada apenas para a população vinculada aos movimentos. A população mais vulnerável, com renda insuiciente para arcar com os custos das taxas condominiais, seja nas unidades comercializadas pelo PMCMV seja nas unidades alugadas dos empreendimentos de locação social, não fazem parte da demanda prioritária dos movimentos. Não estão sendo realiza- das frentes de discussões efetivas sobre as condições desta camada da população, que é despolitizada, muitas vezes situada à margem de qualquer um dos debates evocados pelos movimentos sociais. São estas entidades, que contam de extrema organização e responsabilidade com a problemática da habitação e do direito à cidade, que podem ser os atores principais na transformação das estruturas

25 Depoimento concedido em entrevista realizada em São Paulo, em 29 de janeiro de 2015.

26 As Housing Associations são organizações privadas sem ins lucrativos. Embora independentes, são reguladas pelo Es- tado e geralmente recebem inanciamento público. São os principais fornecedores de novas moradias para alugar em países como a Inglaterra, Alemana e Holanda.

264 265 de gestão de programas como a Locação Social. São essas entidades que podem se organizar em

cooperativas de gestão habitacional, e formar parcerias com o poder público para a continuidade e ampliação de um efetivo parque público de moradia. Para num futuro próximo também servir de partida para a criação de cooperativas de construção habitacional, tal como acontece na França27,

onde as habitações sociais são construídas por setores independentes do mercado de habitação, que pagam valores diferenciados de matéria prima a serviços. Faz sentido uma habitação social custar o mesmo de uma habitação privada? Faz sentido serem aplicadas as mesmas taxas de lucratividade da produção privada na produção pública de habitação? São estes apenas alguns passos do longo cami- nho a percorrer para uma reversão da lógica da política habitacional brasileira.

No processo de revisão do PDE, descrito no Capítulo 1, a defesa para a construção de uma política especíica para as famílias com renda inferior a 1 s.m., defendida por mim e por outros membros do Movimento pelo Direito à Cidade na Revisão do Plano Diretor, foi voto vencido e não entrou como alternativa para a revisão dos percentuais destinados à produção de HIS em ZEIS. Defendíamos que a categoria HIS 1 (com renda até 3 s.m.) fosse dividida em HIS 1 (0 s.m. a 1 s.m.) e HIS 2 (1 s.m. a 3 s.m) justamente para garantir uma política habitacional para esta demanda populacional que requer uma maior quantidade de subsídios e encontra-se à margem de qualquer programa habitacional existente, até mesmo o Locação Social. No debate sobre a importância de garantir o acesso à moradia para essa população, foi colocada a questão de que essa demanda não estava entre os membros dos movimentos sociais, que passaram por uma ampliação de renda nos últimos anos. Esta ascensão econômica dos mais pobres, muito positiva sem dúvida, foi pauta para solicitações de revisões das categorias de faixas de renda do PMCMV, para que fossem incluídos na Faixa 1 do programa. Este fato ressalta ainda mais a condição de marginalidade a que a camada mais vulnerável da população está condicionada, e o quanto é urgente uma política habitacional para ela.

No debate especíico sobre a ZEIS 3, objeto desta pesquisa, não procuro defender privilégios ou prio- ridades aos moradores de renda mínima, mas, a garantia de manutenção da população residente e a eicácia do instrumento para tal. Considerando que indivíduos e famílias com renda inferior a 1 s.m. vivem nas áreas demarcadas como ZEIS 3 e seus arredores (conforme veriicamos nos empreendi- mentos de Locação Social e no cadastro da ZEIS 3 C 016 Sé (Capítulo 2), pagando muito caro para viver em cortiços, ou morando precariamente em habitações informais, faz-se necessário a criação de políticas e programas que atendam todas as demandas envolvidas, sobretudo aquelas não atendidas pelo mercado privado, a im de efetivar os objetivos das ZEIS como instrumento de democratização da terra urbana. No contexto do debate sobre a ZEIS, a Locação Social, com sua estrutura de gestão reformulada, aparece como um programa de grande potencial para a efetivação desses objetivos, não atendidos pela política habitacional dominante, que é a da transferência da propriedade ao morador. O comprometimento com um programa destinado para as famílias com renda insuiciente para o pagamento dos aluguéis e taxas condominiais esteja ele inserido no Programa Locação Social ou fora dele, poderá ser uma forma de materializar o Serviço de Moradia Social descrito nos artigos 295 e 296 do novo Plano Diretor:

Art. 295. Serviço de Moradia Social é a ação de iniciativa pública realizada com a participação direta dos beneiciários inais e de entidades da sociedade civil, que associa a produção habitacional de inte-

27 Na França, a habitação social é fornecida pelas organizações HLM (Habitation à Loyer Modéré). É um setor autônomo do mercado de habitação, com regulamentação própria, que não obedece ao Código Geral da Construção e Habitação (CCH). As organizações HLM se beneiciam de apoio estatal e estão sujeitas a controle administrativo, incluem fundações, sociedades anônimas não lucrativas, de produção cooperativa e de crédito imobiliário. Há também, em menor escala, as sociedades locais de economia mista, que são empresas ligadas ao poder local, públicas ou privadas, também regidas sob regulamentação especíica (fonte: housingeurope.eu).

resse social, ou as demais formas de intervenção urbanísticas, com regras especíicas de fornecimento de serviços públicos e investimentos em políticas sociais, adequando-os às características de grupos em situação de vulnerabilidade ou risco social. Parágrafo único. Terão prioridade no acesso ao serviço de moradia social: I – a população idosa de baixa renda; II – a população em situação de rua ou beneiciária dos programas de assistência social; III – a população de baixa renda atingida por remoções decorrentes de intervenções públicas ou privadas.

Art. 296. O Serviço de Moradia Social deverá observar os princípios e diretrizes deinidos nesta lei e ainda os seguintes: I – gestão compartilhada, por meio de parcerias entre o poder público e a sociedade civil; II – constituição de parque imobiliário público, vinculado a programas de locação social e trans- ferência da posse. III – adoção de medidas para ampliar a oferta de imóveis privados para o Serviço de Moradia Social; IV – acompanhamento socioeducativo, previamente à ocupação das unidades e na sua pós ocupação (PMSP, 2014).

Os critérios de prioridade de atendimento e as diretrizes de Serviço de Moradia Social em muito se assemelham aos critérios deinidos pela Resolução nº 23 de 12 de julho de 2002 do Conselho Muni- cipal de Habitação, que aprovou o Programa Locação Social. Se a regulamentação determina que o Serviço de Moradia Social seja oferecido através da criação de um parque público, seria coerente que sua aplicabilidade fosse introduzida no âmbito do programa de locação já existente, porém reestru- turado e ampliado.

Esta ampliação do Programa Locação Social encontra na aprovação do novo Plano Diretor uma maior diversidade de opções para sua efetivação, com os novos instrumentos para o acesso a terra e sua destinação para habitação social, como áreas advindas da aplicação da Cota de Solidariedade e da utilização de recursos do FUNDURB e das Operações Urbanas Consorciadas, além dos imóveis passíveis de desapropriação com a aplicabilidade dos instrumentos como o IPTU progressivo no tempo, já em curso. Há de se esperar que a gestão pública mova esforços para não destinar estas terras exclusivamente para programas de inanciamento habitacional, como o PMCMV, e invista na estruturação de um parque habitacional público como política efetiva de moradia para as camadas mais pobres da população. A gestão habitacional do Governo do Estado, com o aval da PMSP, reuniu esforços na direção contrária quando desenhou a PPP de Habitação do Centro, comprometendo não somente um percentual signiicativo de áreas demarcadas como ZEIS 3, mas destinando áreas públicas para a produção de habitação com transferência da propriedade, muitas delas para a classe média. Com a viabilização do programa estas unidades estarão, em médio prazo, no controle do mer- cado imobiliário e dos seus processos de valorização, e a população de baixa renda, que ocupa a base da pirâmide do déicit habitacional brasileiro, permanecerá sem garantias de permanência nas áreas centrais, correndo o risco de serem deslocadas para longe ou para novas formas precárias de morar.

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Programa Minha Casa Minha Vida como

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