• Nenhum resultado encontrado

A demanda por Habitação de Interesse Social no centro de São Paulo

Segundo o Plano Municipal de Habitação elaborado em 2009, se encontram na área central de São Paulo 10.724 domicílios em favelas e 11.086 domicílios em cortiços, totalizando 21.810 domicílios em situação precária com famílias que se concentram na faixa de até três salários mínimos. Existem ainda 6.405 pessoas em situação de rua. Considerando em média três pessoas por moradia teremos um total de 71.880 pessoas que demandam por moradia adequada na área central. Este é o retrato da demanda habitacional prioritária no centro de São Paulo, que compreende os distritos da Sé e República, co- nhecidos como Centro Histórico, e mais oitos distritos: Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade e Santa Cecília, localizados na Subprefeitura da Sé, e Brás e Pari, na subprefeitura da Mooca. Para que tenhamos clareza quais políticas habitacionais seriam as mais apropriadas para atender esta demanda que vive em situação precária de moradia, é necessário compreender o peril desta popula- ção, sua condição socioeconômica, suas relações com o espaço habitado e as motivações pelas quais ela vive no centro. Para isto utilizamos, como uma pequena amostra deste contexto e em comple- mentação à caracterização da ZEIS3 C 016 (Sé), a pesquisa realizada por Luiz Kohara, coordenador do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que analisa o peril dos moradores e a dinâmica de ocupação dos cortiços situados no bairro da Luz e parte do distrito do Bom Retiro (no perímetro formado pelos cruzamentos da Avenida Tiradentes, Avenida do Estado e da linha de trem da CPTM/ Rua Mauá). A pesquisa foi realizada em 2011 em comparação com uma pesquisa anterior realizada no mesmo perímetro treze anos antes, o que possibilitou a identiicação da dinâmica da ocupação dos cortiços no tempo e no espaço. Foram levantados no perímetro da pesquisa um total de 104 cor- tiços resididos por 995 famílias frente aos 5084 cortiços identiicados em todo o centro pelo Censo Demográico de 2010 do IBGE. As entrevistas foram realizadas com 100 chefes de famílias residentes de 70 cortiços.

Tabela 3.01: Distritos do Centro – Casas de cômodos, cortiços ou cabeça de porco alugados (2010) Distritos do Centro Casa de cômodos, cortiço ou cabeça

de porco alugados 2010 % total DPP 2010 Bela Vista 439 1,5 Bom Retiro 542 5,1 Brás 977 9,7 Consolação 61 0,2 Liberdade 717 2,6 Pari 279 5,0 República 450 1,7 Santa Cecília 1.464 4,1 Sé 155 1,7 TotalCentro 5.084 2,8 Fonte: Kohara, 2013.

3.1

218 219

Trabalho e Renda

Dentre os distritos localizados na área central, quatro possuem mais de 70% dos postos de trabalho com remuneração inferior a três salários mínimos: Pari (83,3%), Brás (81,6), Bom Retiro (78,6%) e Re- pública (74,1%), sem contar a grande incidência de trabalhadores informais com baixos rendimentos. Em 2009, a região metropolitana de São Paulo possuía 49,7% dos trabalhadores inseridos no mercado informal, segundo dados do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicos (DIEESE). Não há clareza sobre este número na região central, mas é certo que correspondem a um grande percentual dos 138 mil ambulantes e 554 mil trabalhadores subcontratados na cidade de São Paulo, conforme estudo desenvolvido pelo Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos (2012).

Tabela 3.02: Faixas de rendimentos do município, Centro e distritos do Centro

MSP/Distritos do Centro até 1 SM 1,01 a 3 SM 3,01 a 5 SM 5,01 a 10 SM mais 10 SM

Município 2,4% 62,6% 15,0% 10,8% 7,6% Centro 2,9% 63,9% 14,5% 11,0% 6,4% Sé 2,7% 64,1% 12,7% 12,3% 6,9% Bela Vista 1,8% 53,5% 17,9% 14,9% 10,3% Bom Retiro 2,4% 76,2% 10,8% 6,3% 2,6% Cambuci 3,5% 71,2% 13,2% 8,0% 2,8% Consolação 2,1% 49,9% 19,0% 16,0% 11,8% Liberdade 3,5% 61,0% 17,5% 11,8% 4,4% República 5,7% 68,4% 12,5% 8,6% 3,8% Santa Cecília 1,6% 57,9% 17,0% 12,9% 9,3% Sé 2,7% 64,1% 12,7% 12,3% 6,9% Brás 0,9% 80,7% 10,0% 5,5% 1,7% Pari 1,5% 81,8% 9,7% 4,1% 1,2% Fonte: Kohara, 2013.

No território abrangido pela pesquisa de Kohara em 1998, 59% dos moradores trabalhavam sem registro na carteira proissional, e na reaplicação da pesquisa em 2011 foi identiicado que 52% tra- balhavam informalmente (KOHARA, 2013). A informalidade no trabalho é um dos motivos pelos quais famílias e trabalhadores optam por residir em cortiços, impossibilitados de atender as exigên- cias do mercado formal de locação. A condição de ilegalidade dos imigrantes latino-americanos, responsáveis pela reconiguração do mercado de trabalho da indústria de confecções e da ampliação do comércio na região, também fazem parte deste processo. Nos cortiços vistoriados em 2013, 38% dos moradores dos cortiços eram imigrantes. O número de moradores vindos de outros países, so- bretudo da Bolívia e Paraguai, vem crescendo nos últimos anos, bem como a situação da moradia precária vivenciada por eles.

A renda familiar das famílias, que inclui as ajudas monetárias recebidas por meio de programas sociais, variou entre R$ 400,00 e R$ 4.500,00, que representavam 0,7 e 8,3 salários mínimos, respec- tivamente, sendo que 74% das famílias viviam com até três salários mínimos.

A situação de maior precariedade inanceira aparece quando analisadas as famílias que residem em ocupações. Nesse caso, a renda média familiar encontrada foi de R$ 921,00, que é 36,5% inferior a média geral e cerca da metade da renda das famílias que residem em cortiços pequenos. As ocupações também apresentam a maior densidade média familiar: 5,2 pessoas por domicilio.

Valores dos Aluguéis

Os valores dos aluguéis, contabilizados juntamente com as tarifas dos serviços públicos, variaram de R$ 170,00 a R$ 850,00, com o valor médio de R$ 367,00 ou 0,67 s.m. “Apesar das graves condições de precariedade, o valor da locação da moradia nos cortiços chega a custar por metro quadrado três vezes mais que uma moradia adequada no mesmo bairro” (KOHARA, 2013, p. 118).

O preço pago pelos moradores é alto, contudo, viver em cortiços passa a ser a única possibilidade para a população mais vulnerável que não consegue arcar com as despesas condominiais dos con- juntos habitacionais e com as prestações e exigências legais dos contratos de inanciamento, e ainda assim podem permanecer no centro da cidade, estar perto das oportunidades de trabalho e ter mo- bilidade residencial, característica muitas vezes necessária para o trabalhador informal, cuja rotina cotidiana não é preestabelecida.

Na maioria das vezes não há necessidade de iador nem da formalização de contratos. Das 81 famí- lias entrevistadas que pagavam aluguel, 44 delas adiantaram como iança entre um e três meses de aluguel, as demais não precisaram pagar iança. Em relação à formalização do contrato, apenas 17 famílias informaram que possuíam contrato por escrito. Alguns moradores nem mesmo conheciam o nome do locador ou sublocador.

Forma de acesso à moradia

Dentre os 70 cortiços pesquisados por Kohara, 63 deles eram alugados pelos moradores, e o restante, na sua maioria localizados em área degradada próximo ao Rio Tamanduatehy, eram ocupados sem pagamento de qualquer espécie e sem permissão do proprietário. O número de cortiços ocupados au- mentou de 2% para 10% nos treze anos que separou as duas pesquisas, o que mostra um aumento de famílias com diiculdade de arcar com despesas de aluguel pelos baixos rendimentos familiares.

Distância entre casa e trabalho

Das 123 pessoas entrevistadas que trabalhavam fora de casa, 45 despendiam até 10 minutos com o trajeto casa-trabalho; 46 entre 10 e 20 minutos; 15 entre 20 e 30 minutos; 7 entre 30 e 45 minutos e 10 mais de uma hora. O tempo de locomoção entre a moradia e o trabalho inegavelmente é uma das maiores motivação que levam famílias a residir nos cortiços localizados no Centro, considerando que os levantamentos sobre o tempo despendido na cidade de São Paulo para locomoção moradia-traba- lho é superior a duas horas, sendo maior ainda para as famílias com menor renda.

Quanto ao meio de transporte utilizado pelos moradores para ir ao trabalho, 75% dos encortiçados se locomovem até o trabalho a pé, o que faz com que não tenham despesas com transporte.

Condições de habitabilidade

Mesmo com a ampliação do Programa de Cortiços da Secretaria Municipal de Habitação para a aplicação da Lei Moura, as péssimas condições de habitabilidade dos cortiços se mantiveram entre os anos de 1998 e 2011. Os números alcançados na última pesquisa foram:

• A área média das moradias é de 12,3 m²;

• A densidade média dos cortiços é de 9,9 famílias; • 30 pessoas residem em média em cada cortiço; • Um banheiro é utilizado em média por 14 pessoas;

220 221 • 72% dos cortiços possuem um único cômodo para dormir, cozinhar e para a convivência familiar;

• 30% das moradias possuem pé-direito de ate 2,2 metros; • 33,9% das moradias não possuem janelas;

• 35,7% das moradias apresentam goteiras;

• 50% das moradias apresentam paredes úmidas e falta de espaços para o lazer das crianças.

Dinâmica

A pesquisa de Kohara identiicou um aumento no número de cortiços e uma dinâmica na manuten- ção deste tipo de moradia no centro da cidade: cortiços são extintos e criados, simultaneamente. Dos 92 imóveis utilizados como cortiços pesquisados em 1998, 43 haviam deixados de ter esse uso em 2011. No entanto, 55 imóveis que não eram utilizados como cortiços passaram a ter esse uso. Entre 1998 e 2011, o número de imóveis utilizados como cortiços na área pesquisada passou de 92 para 104, representando acréscimo de 13%. Em relação às famílias residindo em cortiços, o crescimento teve taxa de 30%, passando de 765 famílias para 995 famílias.

Houve uma queda no índice de domicílios vazios dentro dos cortiços, baixando de 15,1% em 1998, para 3,7% em 2011. O maior adensamento nos cortiços fez com que a média de famílias passasse de 8,3 famílias/cortiços para 9,6 famílias/cortiços. Vários entrevistados informaram que e difícil encon- trar um quarto vazio para alugar, uma vez que há ila de espera para os cortiços melhores.

Politização, engajamento social e pleiteamento por moradia pública

Apenas 8% dos pesquisados informaram que participam ou participaram de movimentos de moradia e 21% revelaram que estão inscritos nas instituições públicas para obtenção de moradia (CDHU e Cohab).

O que mostram os dados

Essa pequena amostragem do peril dos moradores de baixa renda residentes no centro de São Paulo, e das suas condições de moradia, nos permite obter um panorama das diiculdades encontradas por esta parcela da população, dos entraves sofridos às formas existentes de acesso à habitação e do quanto as solu- ções homogêneas oferecidas pelos entes públicos não respondem às problemáticas existentes. Não se trata somente de suprir o déicit habitacional, mas de encontrar formas adequadas de responder as necessida- des de uma população vulnerável economicamente e socialmente. Uma população que majoritariamente vive do trabalho informal, possui rendimentos mensais escassos, precisa estar perto do trabalho no centro da cidade, desloca-se de moradia com freqüência e possui problemas de legalidade (no caso dos estran- geiros). Muitas vezes são pessoas que não são politizadas o suiciente para acessar seus direitos ou se iliar aos movimentos sociais e, por estas e outras razões, não encontram oferta digna de moradia e precisam se submeter à precárias condições de habitabilidade, dividir banheiro, coabitar pequenos cômodos, entrar na ila pela liberação de um quarto, pagar altos valores de aluguel ou ocupar imóveis desocupados. “A mora- dia no cortiço tem sido a alternativa habitacional possível para essa população, signiicando, claramente, que não é uma opção, mas falta de opção” (KOHARA, 2013, p. 122). E, ainda assim, não há a segurança da posse, ou seja, a garantia de morar sem o medo constante do despejo.

São, a princípio, 71.880 pessoas que demandam por moradia na área central (ainda sem considerar o número de moradores que comprometem mais de 30% de sua renda com aluguel, ou que vivem em situações de coabitação ou em adensamento excessivo) e que permanecem na espera por programas habitacionais que consigam atender a especiicidade de suas necessidades: permanecer no centro, onde já trabalham e mantém suas relações sociais, e conseguir arcar com os custos da nova habitação, sem estar suscetíveis às instabilidades da economia e aos impulsos do mercado imobiliário.

As ZEIS 3, como já falamos anteriormente, foram gravadas em áreas com incidência de cortiços e moradia precária e foram criadas não somente com o intuito de reservar terras para a produção de novas moradias mas, sobretudo, para garantir a permanência da população de baixa renda em áreas centrais e bem localizadas. A simples demarcação sobre estas áreas precariamente ocupadas já re- presenta um avanço sobre a destinação destas terras, controlando a atuação do mercado imobiliário e destinando-as obrigatoriamente para a produção de habitação de interesse social, sobretudo com as modiicações trazidas pela redação do novo Plano Diretor de São Paulo aprovado em 2014 que, entre outras coisas, regra um percentual mínimo de produção habitacional para a população com renda inferior a 3 s.m. Contudo, a diversidade social e as condições de vulnerabilidade dos moradores residentes nos perímetros das ZEIS precisam ser consideradas para qualquer ação habitacional que venha a intervir sobre este território. Seria uma política habitacional fundamentada na propriedade privada, com altos custos condominiais e de serviços, vulneráveis à dinâmica de oferta e procura do mercado imobiliário, a única alternativa possível? A seguir, a proposta do Governo do Estado, em parceria com o Prefeitura Municipal, para as áreas demarcadas como ZEIS 3 no centro de São Paulo.

222 223

A PPP de Habitação do Programa

Outline

Documentos relacionados