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Da aprovação do PUZEIS ao término da gestão Kassab: um Conselho Gestor em

pausa, a eleição do novo prefeito e uma

Ação Civil Pública promissora

Após a aprovação do PUZEIS no dia 4 de abril de 2012, as reuniões no Conselho Gestor continuaram em ritmo lento. A estratégia dos movimentos sociais era a de continuar pleiteando garantias e pro- postas de mitigação de impactos junto ao Plano de Relocação, resgatando os aspectos fundamentais da Instrução Normativa não anexada ao plano aprovado e, ao mesmo tempo, tentar na justiça a anulação da votação do Plano.

A proposta do Plano de Relocação redigido pela Sehab foi encaminhada ao Conselho Gestor em 28 de maio de 2012, quase dois meses após a votação do PUZEIS, após exaustiva solicitação dos repre- sentantes da sociedade civil no Conselho Gestor. O conteúdo deste documento nada mais era do que uma compilação de questões genéricas sobre atendimento habitacional, que repetia os mesmos termos do Plano de Urbanização de ZEIS aprovado, onde novamente foi incluído apenas o item referente à prioridade do atendimento habitacional, dentre os inúmeros pontos de discussão presen- tes na Instrução Normativa do cadastro acordada anteriormente com a equipe técnica da Sehab. A novidade inserida no documento foi em relação às responsabilidades no processo de relocação, onde o concessionário (o vencedor da licitação da Concessão Urbanística) teria as seguintes atribuições:

• Estabeleceria contato com os proprietários residentes de imóveis afetados por renovação ou mudança de uso;

• Comporia acordos amigáveis com as famílias nos imóveis afetados;

• Encaminharia para a PMSP as famílias que optassem pela relocação e atenderiam as que ele- gessem a indenização.

2.7

Figura 2.47: Responsabilidades no Processo de Relocação.

Fonte: Minuta do Plano de Relocação da ZEIS 3 C 016 (Sé), Sehab, 2012

Nessas condições, o concessionário estaria exercendo a função do Estado ao se colocar como agente do atendimento habitacional, onde a oferta do pagamento de indenizações teria o mesmo peso da oferta de moradia, coagindo as famílias de menor renda a serem deslocadas do território habitado, já que em situações de grande vulnerabilidade social qualquer valor em dinheiro passa a ser extre- mamente signiicativo já que pode ser a solução para os problemas mais imediatos. A intermediação pelo ente privado no reassentamento e remoção destas famílias, solução aparentemente mais sim- ples e objetiva para ambas as partes envolvidas, colocaria o poder público em total inércia frente ao destino dos atuais moradores, que estariam gerando novas formas precárias de morar ao optarem pela indenização em detrimento do atendimento habitacional, já que os valores oferecidos não são suicientes para a aquisição de uma moradia bem localizada e em boas condições, seja por compra ou por aluguel. A indenização deve ser sempre apresentada como uma possibilidade, já que é direito do ocupante optar por ela, mas somente após terem se esgotadas todas as ofertas de atendimento habitacional possíveis, inanceiramente viáveis e em locais próximos à moradia atual das famílias impactadas pela intervenção.

Esta e outras questões, fundamentais na discussão sobre o Plano de Urbanização da ZEIS, foram abafadas e substituídas por outras questões menores que se seguiram, como a escolha para as novas representatividades no Conselho Gestor, que gerou novos conlitos entre movimentos de moradia e associações de comerciantes, e a revisão do Regimento Interno, cujo debate consumiu uma série de reuniões ordinárias sequenciais. Era notória uma aparente procrastinação de decisões por parte do poder público, seja porque já consideravam o Plano de Urbanização de ZEIS aprovado e não tinham interesse em evoluir no debate, seja porque os rumos do Projeto Nova Luz já não eram mais os mes- mos, dadas as movimentações políticas que se seguiam nos meses pré-eleitorais, que elegeriam no dia 28 de outubro de 2012 o candidato da oposição Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, seja devido ao peso da ação judicial movida pela Defensoria Pública e pelos próprios conselheiros do Conselho Gestor.

Durante esses meses que se seguiram após a votação do PUZEIS do dia 4 de abril, a AMOALUZ ini- ciou juntamente com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a elaboração de uma Ação Civil Pública visando à anulação da aprovação do Plano. O processo de elaboração da Ação contou com o apoio dos Defensores Públicos do Núcleo de Habitação e Urbanismo e dos conselheiros represen- tantes dos movimentos sociais no Conselho Gestor, sendo realizado sobretudo pelo defensor público Douglas Tadashi, por mim e pela também conselheira Paula Ribas, na busca de justiicar o desrespei- to ao princípio da gestão democrática da cidade, a partir dos seguintes argumentos:

1. Não participação efetiva da sociedade civil ao longo do processo de discussão do Conselho Gestor; 2. Ofensa ao regimento interno do Conselho Gestor no momento da votação;

3. Não atendimento aos requisitos legais para aprovação do Plano Urbanístico da Zona de Espe- cial Interesse Social;

A Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública em maio de 2012, sob Processo nº 0019326- 64.2012.8.26.0053, foi assinada pelos Defensores Públicos Anaí Arantes Rodrigues, Ana C. F. Bueno de Moraes, Douglas Tasaschi Magami e Carlos Henrique A. Loureiro e apresentou as seguintes solicitações:

a. Tutela liminar para que a Ré se abstenha de promover, por si só ou por meio de terceiros,

qualquer intervenção urbanística na área objeto do Projeto Nova Luz, fundada na aprovação do Plano de Urbanização objeto de questionamento, inclusive que se abstenha de publicar eventual edital de concorrência até o julgamento da presente ação, sob pena de multa diária

204 205 no valor de R$ 100.000,00 (cem mil Reais);

b. citação da Ré, para que, querendo, conteste a presente ação, sob pena de conissão quanto à

matéria de fato, prosseguindo-se até inal julgamento;

c. julgar procedente a presente demanda, para o im de:

c. 1. anular o procedimento administrativo de participação popular do plano de ur-

banização referente a ZEIS 3 C 016 do Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Sé, a partir da última reunião do Conselho Gestor realizada aos 04 de abril de2012, ou, quando menos, declará-lo nulo por violação aos artigos 175 do Plano Diretor, artigo 19 do Decreto Municipal n º44.667/2004 e §2º do artigo 2º da Lei Municipal 14.918/09 e ao regimento interno do Conselho Gestor.

c. 2. condenar a municipalidade na OBRIGAÇÃO DE FAZER para que promova a re-

tomada do processo administrativo de participação popular na ZEIS 3 C 016 do Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Sé a partir da última reunião válida realizada no mês de março de 2012, garantindo-se a paridade do Conselho e incluindo-se, na dis- cussão e votação das próximas reuniões, as propostas de revisões da minuta do Plano de Urbanização da ZEIS 3 C16 formuladas pelos conselheiros da sociedade civil, bem como que referido plano seja aprovado somente com a observância do disposto no artigo 175 do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e 19 do Decreto Municipal nº 44.667/2004, sob pena de multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil Reais); d. que seja o Ministério Público intimado, nos termos do §1º do artigo 5º da Lei 7.347/85. No dia 8 de junho de 2012, a 6ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo concedeu a terceira liminar contra o Projeto Nova Luz, obrigando a Prefeitura de São Paulo a interromper o edital da Concessão Urbanística Nova Luz. A juíza Alexandra Fuchs de Araujo acatou os argumentos da Defensoria Pública de que o processo de concessão estaria desobedecendo a necessidade de consulta à população, prevista na legislação municipal. “O Plano de Urbanização da ZEIS [Zonas Especiais de Interesse Social] não levou em consideração, exceto do ponto de vista formal, a participação popular”24, ressaltava o texto

da decisão. Segundo a juíza, as atas das audiências públicas do projeto demonstraram que as reuni- ões não cumpriram a função de esclarecer a sociedade sobre o projeto: “A partir da leitura da ata da reunião do dia 4 de abril, em que está registrado que diversos representantes da sociedade civil não estavam entendendo o que estava se passando, formulando questionamentos que não foram res- pondidos”25. De acordo com a juíza, também não houve espaço para incorporação das sugestões dos

moradores e comerciantes da região. “Não apenas nesta ata, mas também da leitura da ata da reunião de 07/03/2012, veriica-se que a participação popular foi apenas deferida para se autorizar que os representantes populares falassem, mas suas ponderações foram todas indeferidas, formando-se um verdadeiro muro diante das suas reivindicações.”26

A partir destas observações, a juíza deferiu a seguinte sentença:

Deiro a liminar para que a ré se abstenha de promover, por si só ou por meio de terceiros, qualquer intervenção urbanística na área objeto do “Projeto Nova Luz”, fundada na aprovação do Plano de Urba- 24 Processo n. 0022646-87.2012.8.26.0000/50001.

25 Idem. 26 Idem.

nização objeto de questionamento, inclusive que se abstenha de publicar eventual edital de concorrência até o julgamento da presente ação, sob pena de multa diária, no valor de R$ 50 mil. 27

Diante da emissão da Liminar, a 24ª Reunião Plenária Ordinária do Conselho Gestor, que se realiza- ria no dia 13 de junho de 2012, foi cancelada. Em 28 de junho, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, suspendeu a liminar considerando sua causa ilegítima. Os argumentos foram os mais vagos possíveis, direcionados, sobretudo à aplicação da Concessão Urbanística, como se recortados dos despachos aplicados às liminares concedidas anteriormente. Não foi citada em nenhuma linha sequer a palavra Conselho Gestor ou ZEIS no despacho do juiz, tal como seguem os trechos a seguir:

É sabido que em larga margem a área abarcada pela chamada concessão urbanística da Nova Luz apre- senta nas últimas décadas processo de contínua degradação, com imóveis fechados, deteriorados, ocu- pados por pessoas em situação de notório risco social e com a marcada presença de consumidores de drogas que lhe rendeu a pecha de “cracolândia”, tudo a exigir a implementação de políticas públicas voltadas à recuperação do ambiente artiicial ou cultural degradado, sendo este, por princípio, o móvel do legislador municipal cujos instrumentos de atuação concernem à ação discricionária e presumivel- mente legítima da Administração.

(...) Assim, a desapropriação pode ser promovida por particular e os diplomas le- gais atacadosencarregaram entidade privada de promover as desapropriações neces- sárias à implantação de programa de revitalização de uma das mais deterioradas regi- ões da cidade. ‘É caso, portanto, de desapropriação urbanística, que atende a uma inalidade pública que não se confunde com especulação imobiliária em prejuízo dos associados do autor ou de qualquer outro proprietário de imóvel abrangido pelo programa. ‘Por outro lado, nem mesmo se vis- lumbra interesse económico na pretensão do autor, pois a desapropriação se dará depois de frustrada a composição amigável entre o concessionário e o proprietário do imóvel.

Ao contrário do que foi salientado na decisão concessiva da liminar, foi observado, em tese, o devido processo legal, com a realização de audiências públicas durante a tramitação do projeto, o que assegurou ampla participação popular, conforme documentos anexados aos autos”. Da com- paginação disso, parece legítimo reconhecer que a suspensão dos efeitos de texto normativo, cuja presunção de constitucionalidade fora airmada pelo colendo Órgão Especial deste eg. Tribunal, implica embaraço ao adequado exercício das funções da Administração, tudo a justiicar a concessão da suspensão ora rogada. 28

Passados sete meses da anulação da liminar, com o Prefeito Fernando Haddad já empossado e o Con- selho Gestor da ZEIS 3 C 016 (Sé) em recesso devido à mudança de gestão, a juíza Luiza Barros Rozas emitiu, no dia 18 de janeiro de 2013, parecer favorável à Ação Civil Pública movida pela Defensoria Pública e pelos representantes da sociedade civil no Conselho Gestor. Argumentando longamente a favor da efetiva participação dos cidadãos na elaboração e iscalização das intervenções urbanísticas, a juíza determinou a seguinte sentença:

a. anular o procedimento administrativo de participação popular do plano de urbanização

referente a ZEIS 3 C 016 do Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Sé, a partir da última reunião do Conselho Gestor, realizada aos 04/04/2012;

27 Processo n. 0022646-87.2012.8.26.0000/50001.

28 DESPACHO Nº 0022646-87.2012.8.26.0000/50001 - Agravo Regimental - São Paulo - Agravante: Andre Carlos Livovs- chi - Agravado:Mm Juiz de Direito da 8ª Vara da Fazenda Pública da Capital - Interessado: Município de São Paulo - Pro- cesso n.022646-87.2012.8.26.0000/50001.

206 207

b. condenar a requerida ao cumprimento de obrigação de fazer, consistente na retomada do

processo administrativo de participação popular da ZEIS 3 C 016 do Plano Regional Estra- tégico da Subprefeitura da Sé, a partir da última reunião válida, garantindo-se paridade do Conselho e incluindo-se as propostas de revisões da minuta do Plano de Urbanização da ZEIS 3 C 016 formuladas pelos conselheiros da sociedade civil, devendo ser observados o artigo 175 do Plano Diretor Estratégico do Município e o artigo 19 do Decreto Municipal n° 44.667/2004, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.29

O julgamento procedente à respectiva ação civil pública surpreendeu até mesmo os defensores públi- cos autores da ação. Pela primeira vez um processo contra o Projeto Nova Luz foi julgado a favor da sociedade civil. E foi pela participação ativa da sociedade civil organizada no ambiente institucional do Conselho Gestor da ZEIS, e não pelo enfrentamento jurídico contra a Lei da Concessão Urbanís- tica ou contra a intervenção urbanística em si, que o Projeto Nova Luz foi efetivamente inviabilizado, o que impediu o andamento do seu processo e o lançamento do edital de licitação pública. Uma outra concepção de cidade advinda da nova administração pública da gestão Haddad certamente colaborou para esta inviabilização mas, no caso de um outro cenário eleitoral, a Ação Civil Pública movida pelo Conselho Gestor da ZEIS seria a protagonista da pedra colocada sobre esta longa histó- ria chamada Nova Luz.

A PMSP apresentou, em janeiro de 2013, uma contestação à sentença emitida a favor da sociedade civil argumentando a falta de legitimidade ativa da Defensoria Pública e, no mérito, refutando os ar- gumentos da petição inicial e julgando os pedidos improcedentes, provavelmente um ato “automáti- co” do departamento jurídico da prefeitura, ou realizado por servidores ainda comprometidos com a gestão anterior, já que a Ação Civil Pública que paralisou o Projeto Nova Luz foi deferida no primeiro mês da gestão Haddad. No dia 04 de fevereiro de 2013, a juíza Luiza Barros Rosas rejeitou o Embargo de Declaração proferido pela PMSP, mantendo a sentença da Ação Civil Pública tal como lançada. No seu parecer, a juíza declarou que: “a sentença embargada não é omissa, contraditória ou obscura, uma vez que houve fundamentação adequada para a procedência do pedido”. Declarou também que: “[...] é manifesta a legitimidade da Defensoria Pública para as ações coletivas que visem garantir a tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos e garantir, acima de tudo, a dignidade humana”, e que “o caso versa indubitavelmente sobre interesse de população hipossuiciente, social- mente vulnerável, o que se coaduna com a inalidade institucional da Defensoria Pública”. 30

O recurso proferido pela PMSP, emitido na gestão do então prefeito Fernando Haddad, encontrava- -se em análise na 6ª câmara do Direito Público do Tribunal de Justiça, sob relatoria da juíza Maria Olívia Alves, em janeiro de 2015. A última movimentação do processo datava de 11 de novembro de 2013, com o “recebimento dos autos” pela relatora, conforme mostra a cópia de tela de 7 de janeiro de 2015, apresentada no Anexo 2.6.

29 Remetido ao DJE Relação: 0021/2013 Teor do ato: (A título de colaboração, informe ao lado do número do processo, sua

localização física: “Prazo 27 C/SAJ”) Autos n° 1939/2012

30 Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo 0019326-64.2012.

Novos rumos para a ZEIS 3 C 016 (Sé) na

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