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1 INTRODUÇÃO

2.3.1 A CULTURA DE SI: A ASCESE

Askesis137 não significa renúncia, mas consideração progressiva do sujeito, o domínio sobre si

mesmo, obtido não através da renúncia da realidade, mas através da aquisição e de assimilação da verdade. Tem sua meta final não na preparação para outra realidade, mas no acesso à realidade deste mundo.

Pode-se dizer que a crítica Madaraz ligada a afirmação acerca do presente em Pierre Hadot se baseia no reconhecimento do carácter errôneo das suas interpretações genealógicas do campo da ética filosófica. Isso se pode ver nos princípios da hermenêutica, habitualmente concebíveis sob a forma de história do problema do método:

No entanto, não há na genealogia da ética uma afirmação sobre o presente, tampouco um apelo da parte de Foucault em retomar prescritivamente as técnicas de si, como dá-nos a entender Hadot. Assim, para entender o que deve ser considerado na associação de Foucault e Hadot, que integra uma suposta sedução por uma “askesis” da ordem dos “exercícios espirituais”, é importante que prossigamos primeiramente por situar o contexto histórico da análise, ao invés de vê-la, ou pior, querê-la, como aplicada ao presente138.

Esse menosprezo pelo contexto histórico da análise, bastante difundido entre os comentadores de Foucault, não só na década de oitenta, período do florescimento do cursos de hermenêutica do sujeito no Collège de France, como também posteriormente, pode ser explicado pelo fato de o conteúdo básica de suas análises não apresentar o conceito de cuidado de si e o desenvolvimento da hermenêutica do sujeito em dois contextos diferentes historicamente contíguos: primeiro, a filosofia greco-romana nos primeiros dois séculos a. C sob o Império romano; segundo, espiritualidade cristã e os princípios monásticos desenvolvidos no quarto e quintos séculos do final do alto império romano.

Esta cultura de si139 abrange, portanto, um conjunto de práticas designado por askêsis (ascese)140 para o indivíduo, sem o qual sua vida mesma seria posta em questão. Daí, esta

137 FOUCAULT, Michel. Tecnologías del yo y otros textos afines. Introducción de Miguel Morey. Edicions Paidós Ibérica. Barcelona: Buenos Aires, 1996, p.75. A palavra grega que a define é paraskeuazo (‘estar preparado’). É um conjunto de práticas mediante as quais o sujeito pode adquirir, assimilar e transformar a verdade em um princípio permanente de ação. Aletheia se converte em ethos. É um processo em direção a uma maior subjetividade.

138 MADARASZ, Norman Roland. FOUCAULT: ARQUEÓLOGO ESTRUTURAL. In MADARASZ, Norman R.; JAQUET, Gabriela M.; FÁVERO, Daniela N.; CENTENARO, Natasha (Orgs.). Foucault: leituras

acontecimentais. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2016. p. 37 – 38.

139 FOUCAULT, Michel. Dits et écrits. Tome 4. 1970-1975. Editado por D. Defert, F. Ewald e J. Lagrange Paris: Gallimard, 1994, p. 354.

140 FOUCAULT, Michel. Histoire de la sexualité III: le souci de soi. 8.ed. Paris: Gallimard/ Seuil, 1984, p. 61- 62.

ligação estreita entre não apenas as categorias de amizade e amor, mas a preparação para a luta constante para superar infelicidades ao longo de toda sua vida, a partir do momento em que o treinar é propriamente o que faz a vida do indivíduo, como indica Foucault, retomando uma metáfora do atleta de Demetrius citada por Sêneca: “Temos de nos treinar como faz um atleta; este não aprende todos os movimentos possíveis, não tenta de fazer proezas inúteis; Ele prepara- se para alguns movimentos que lhe são necessários na luta para superar seus adversários”141.

A tese de Foucault é de uma grande radicalidade, pois ela faz do treino uma crítica a ser indispensável à existência do indivíduo. O ser atleta, de que depende o treinar, não pode ser pensado, diz-nos Foucault, sem cautela: “Da mesma maneira, não temos a fazer sobre nós- mesmos das proezas (a ascese filosófica é muito cautela em relação a esses personagens que faziam valer as maravilhas das suas abstinências, os seus jejuns, a sua presciência do futuro) ” Entretanto, o atleta perde imediatamente a vitória se ele não faz de si mesmo as proezas, isso significa que um atleta não deve deixar de exercitar-se constantemente ao longo da toda sua vida. Com isso, o mérito maior de Foucault é de ter explicado o sentido do treinar sob a prova da metáfora do atleta, de ter feito desta metáfora nada menos que uma questão de saber. Com abstinências e jejuns, o atleta não ganha necessariamente numa competição, mas ele perde imediatamente se ocorre de faltar-lhe o saber: “Como um bom lutador, devemos saber exclusivamente aquilo que nos permitirá resistir aos acontecimentos que podem produzir-se; devemos aprender a não nos deixar embaraçar por eles, não nos deixar levar pelas emoções que poderiam suscitar em nós”.

A metáfora do Atleta é capital para o pensamento de Foucault. Em torno dessa metáfora, articulam-se as interrogações que aumentam a filosofia moral e a filosofia política. A metodologia e a pedagogia fazem igualmente da metáfora uma questão maior: “Mas o que precisamos para manter nosso controlo na frente dos acontecimentos que podem produzir-se? ”. Esse interesse converge sobre a metáfora do atleta e os exercícios que o indivíduo deve realizar. Isso significa que é em torno duma teoria do cuidado de si que se desenham certas técnicas inovadoras do projeto foucaultino. Com isso, Foucault, ao desenhar o seu programa de ensino do curso de Hermenêutica do sujeito, visa mostrar que os jovens modernos que podem fazer interrogações sobre o mundo que os cerca. No que concerne à pergunta maior de práticas de si, o que diz o autor do livro Dits et écrit pode ser considerado como verdade: “Temos necessidade de discursos: de logoi, entendidos como discursos verdadeiros e discursos

141 FOUCAULT, Michel. Dits et écrits. Tome 4. 1970-1975. Editado por D. Defert, F. Ewald e J. Lagrange Paris: Gallimard, 1994, p. 359.

razoáveis”. Por consequente, o indivíduo apenas tem esse princípio de ação que essa análise de discursos, só assim é que eles terão entendido o mundo que habitam. Esses discursos permitem pensar o ditado.