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CAPÍTULO 4 A DINÂMICA RELAÇÃO ENTRE AUTONOMIA E

4.2 O OCASO, DE LEGE FERENDA, DOS LOTEAMENTOS FECHADOS

4.2.2 Da discutível constitucionalidade de lei federal que estabeleça tamanhos

Partindo-se da premissa de que a competência da União Federal, em âmbito urbanístico (que não diga respeito a terras de sua específica titularidade), não deve ir além das normas gerais, cumpre analisar se, com a promulgação da Constituição de

138 Após dissertar sobre a repartição de competências federativas, a Profa. Lucia Valle Figueiredo (2003)

conclui que o art. 49 do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) é inconstitucional, pois não cabe à União legislar sobre normas gerais de processo administrativo: a competência é dos Estados Federados, Distrito Federal e Municípios. A fixação de prazos para prática de atos administrativos nos processos administrativos é inerente à competência da pessoa política que detiver atribuição para legislar na matéria. Vale ressaltar, também, que as normas veiculadas no referido art. 49 “não se colocam no campo de

abrangência das normas gerais das normas gerais de direito urbanístico”. (Itálico no original)

139 Entendemos que a vedação de que um Município autorize a implantação de loteamento fechado (a qual

entendemos inconstitucional) se difere, em muito, da vedação de que um Município expeça normas e diretrizes menos restritivas do que as existentes em âmbito federal ou estadual (a qual consideramos constitucional). Sendo assim, entendemos que não se aplica ao que estamos analisando neste tópico (proibição de loteamentos fechados) o resultado do RE 527.008/SC (analisado no tópico 2.1.1 supra).

1988 e consequentemente com o fortalecimento da autonomia municipal, o dispositivo contido no inc. II do art. 4º da Lei n. 6.766/1979, que fixa o limite mínimo do lote urbano (da área em 125m2 e da frente mínima de 5m) para todos os Municípios brasileiros, foi recepcionado pelo atual texto constitucional.

Como ensina Luiz Guilherme Loureiro (2014, p. 514), considera o legislador que área inferior aos 125m2 não seria suscetível de exploração urbana e, por isso, contrariaria a função social da propriedade.

Diógenes Gasparini (1988, p. 36), por seu turno, ao tratar do lote mínimo para todo o território nacional, mesmo sob a égide da Constituição de 1967, asseverou que “melhor seria que essa regra tivesse estabelecido critérios que permitissem aos Municípios e aos Estados o estabelecimento do lote mínimo, já que o mínimo adotado não é, seguramente, o ideal para todo o território nacional, sem se levar em conta que o critério (tamanho) adotado não satisfaz e que por ter a natureza de norma urbanística não poderia ser imposto aos Municípios”.

Ademais, considerando que o parágrafo único do art. 14 da Constituição de 1967 (incluído pela Emenda Constitucional n. 01/1969) dispunha que a organização municipal seria variável “segundo as peculiaridades locais”, para Diógenes Gasparini (1988, p. 36): “esse mínimo para todo o território nacional afronta o parágrafo único do art. 14, da Constituição da República, que estabelece ser a organização municipal variável segundo as peculiaridades locais. Dizer do tamanho mínimo do lote é preocupação que em razão disso só cabe ao Município”.

Concordamos que a vocação para fixação de módulo urbano mínimo é do Município e não propriamente da União, contudo, considerando a ressalva contida no próprio inc. II do art. 4º da Lei n. 6.766/1979 – no sentido de que, para as hipóteses de loteamentos destinados a urbanização específica ou a conjuntos habitacionais de interesse social, o lote mínimo poderá ser reduzido –, não se vislumbra inconstitucionalidade patente no referido dispositivo normativo (mesmo porque o tamanho mínimo, que pode ser modificado pelo Município, não se mostra desarrazoado). Ademais, considerando que a LPSU não definiu o que significa “urbanização específica”, tem o Município liberdade para reduzir o tamanho do módulo urbano nas zonas urbanas que qualificar como “de urbanização específica”.

Como demonstração da divergência de interpretações sobre o que seja urbanização específica, vejamos a Lei goianiense n. 6.063/1983 e a Lei Complementar maringaense n. 470/2003).

Segundo disposto no parágrafo único do art. 1º da Lei n. 6.063/1983, do Município de Goiânia/GO, “entendem-se por urbanização específica os empreendimentos que se destinam ao assentamento de população de baixa renda, com predominante interesse social, e cuja competência exclusiva de promoção e execução é do Poder Público Estadual ou Municipal”. Ou seja, a urbanização específica estaria ligada a assentamentos de população de baixa renda.

Por seu turno, a Lei Complementar n. 470/2003, de Maringá/PR entende por urbanização específica, por exemplo, parcelamento “contendo um condomínio fechado, para fins residenciais e de lazer, com área interna destinada a comércio específico para atendimento das necessidades do empreendimento”. Segundo a lei maringaense, a urbanização específica de que trata a lei deverá obedecer às seguintes determinações:

I - o perímetro do condomínio será totalmente cercado com muro, e com portaria de acesso controlado;

II - serão implantadas áreas de uso comum destinadas exclusivamente à recreação e à prática de esportes;

III - o lote unificado deverá ter área de reserva florestal legal contígua e localizada no próprio imóvel, contendo no mínimo 20% da área total do empreendimento, com cobertura florestal de mata nativa da região devidamente averbada como área de preservação permanente;

IV - serão preservadas as áreas de matas nativas existentes, as quais farão parte da área de reserva florestal supramencionada;

V - qualquer reflorestamento só poderá ser feito utilizando árvores nativas da região;

VI - o acesso a esta zona de urbanização específica será obrigatoriamente pavimentado com asfalto, conforme diretriz expedida pelo município, a expensas do empreendedor, compreendido como acesso o trecho entre a portaria de acesso ao empreendimento e a rodovia Maringá-Iguaraçu;

VII - os terrenos terão área mínima de 1.000,00m2 (um mil metros quadrados), vedada a subdivisão para qualquer fim e a ocupação por mais de uma unidade residencial unifamiliar, sendo permitido no máximo outra edificação destinada a eventuais empregados;

VIII - o sistema de iluminação pública, bem como toda rede de telecomunicações, de qualquer espécie e natureza, serão totalmente subterrâneas;

IX - recuo frontal mínimo de 6,00 metros além da calçada e recuos laterais de 2,50 metros;

X - é vedada a edificação de muros, grades ou cercas frontal e laterais até o limite do recuo frontal para edificação;

XII - a taxa de ocupação máxima será de 50% (cinqüenta por cento) e o coeficiente de aproveitamento máximo em cada lote será 1 (um).

Sendo assim, considerando a melhor vocação do Município para definir módulos urbanos mínimos em seu território, bem como o fato de que a dimensão dos módulos urbanos geralmente varia conforme seus usos (residencial, comercial, de serviços, industrial e institucional), melhor teria sido que a União Federal apresentasse, na linha do que defendido por Diógenes Gasparini (1988), parâmetros para a fixação de área mínima de lote urbano, como forma de guiar, por meio de diretrizes, a atividade legiferante do autônomo legislador municipal, o qual deve cuidar para que o módulo urbano acomode adequadamente a específica função a que se destinará.140

Outrossim, caso uma lei federal viesse a fixar um tamanho máximo de lote urbano para todos os Municípios do país, independentemente da função a ser desempenhada (residencial, comercial, de serviços, industrial, institucional), a nosso sentir, tal norma seria inconstitucional por impertinência na uniformização por parte da União Federal de empreendimentos máximos nos diversificados Municípios.

Da mesma forma, não compete à lei federal estabelecer índices urbanísticos como, por exemplo, o coeficiente de aproveitamento dos lotes (relação entre a área total construída e a área total do lote); a taxa de ocupação (relação entre a área de projeção horizontal da edificação e a área total do lote em que será construída); a taxa de permeabilidade (relação entre a área permeável do lote e a área total do lote); o gabarito (altura máxima permitida para edificações em uma dada zona urbana) e os afastamentos (recuos obrigatórios da edificação em relação às divisas do lote, ao logradouro e, eventualmente, entre edificações do mesmo lote) são temas a serem definidos pelo Município.

140 Da forma como está previsto no Brasil, pode-se considerar que o lote urbano mínimo (de que trata o

inc. II do art. 4º da LPSU) deve fazer as vezes de uma “norma subsidiária” aplicável na inexistência de plano diretor municipal como “normatividade de retaguarda” (por exemplo, cidades com menos de 20.000 habitantes que, conforme disposto no §1º do art. 182 da Constituição Federal não necessariamente possuem plano diretor, à míngua de legislação que regule o tamanho mínimo de lotes urbanos, devem considerar o módulo estabelecido em lei federal). A propósito, na Espanha, o art. 75 do já revogado Real Decreto Legislativo 1/1992, que havia aprovado o Texto Refundido da “Ley sobre el régimen del Suelo y Ordenación Urbana” previa que: “As Normas Subsidiárias de Planejamento serão editadas para uma das seguintes finalidades: a) Estabelecer para toda uma Província ou parte dela as regras de caráter geral sobre proteção e o uso do solo, urbanização e edificação aplicáveis a municípios que não possuam Plano Diretor nem Normas Subsidiárias de caráter municipal. b) Definir para municípios que não possuam Plano Diretor o planejamento urbano concreto de seu território”. Sobre o tema, cfr. Enrique Porto Rey (1995).

4.2.3 Da discutível constitucionalidade de lei federal que fixe percentual mínimo da