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CAPÍTULO 2 A DEFINIÇÃO CONSTITUCIONAL DAS COMPETÊNCIAS

2.1 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS FEDERATIVAS EXPLICITADAS NA

2.1.4 O federalismo assimétrico no Brasil quanto às capacidades governativas

O federalismo brasileiro, que é predominantemente simétrico, apresenta certas concessões ao federalismo assimétrico ou heterogêneo, no qual se reconhece uma situação de desigualdade entre entes federativos e propõe-se o tratamento diferenciado, a fim de se promover o equilíbrio federativo.

Por exemplo, dispõe a alínea “c” do inc. I do art. 159 da CF que:

Art. 159. A União entregará:

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, 49% (quarenta e nove por cento), na seguinte forma:

c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi- árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer.

Nada obstante as concessões ao federalismo assimétrico, é certo afirmar que, em termos de competências administrativas e legislativas, cada nível federativo, seja o dos Estados-membros seja o dos Municípios, possui, como característica emblemática, a simetria ou homogeneidade nas competências atribuídas pela Constituição Federal de 1988.

Não se pode ignorar, contudo, que uma das grandes críticas a que está sujeita a federação brasileira é o número alarmante de municípios, sendo que alguns foram

60 A respeito da importância do conceito de “capacidades governativas”, as quais são constituídas ora

pelas capacidades econômico-fiscais ora pelas político-institucionais prevalecentes nas esferas de governo, para uma análise mais realista das relações intergovernamentais situadas em dado pacto federativo (as quais se desenvolvem mais em uma trajetória cambiante entre situações de competição e de coordenação), cfr. Aristides Monteiro Neto (2014, p. 15).

criados sem adequados estudos de viabilidade e, por isso, há municípios que praticamente acabam sendo sustentados pela União Federal.61

Por oportuno, como forma de demonstrar a assimetria das capacidades econômico-financeiras e institucionais de nossos entes federativos, vale a pena apresentar alguns dados sobre a realidade fiscal dos Municípios brasileiros, compilados pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN).

A FIRJAN realiza, constantemente, levantamento da situação fiscal dos municípios brasileiros, objetivando estimular a cultura da responsabilidade administrativa e da gestão pública eficiente, a partir da avaliação do desempenho fiscal dos municípios. Como premissa do estudo, leva-se em consideração que a Constituição de 1988 inaugurou uma nova etapa do federalismo fiscal brasileiro, apoiada no princípio de maior descentralização administrativa.

Nesse sentido, a concessão de competências tributárias exclusivas e o aumento das transferências do ente federal e das unidades estaduais para os Municípios deveriam se fazer acompanhar de uma atuação crescente das instâncias locais nas ações sociais básicas, particularmente nas áreas de saúde e educação, e nos investimentos tipicamente de urbanização.

Em junho de 2015, com base em dados estatísticos de 2013, a Firjan realizou nova pesquisa, a qual apresentou resultados que confirmam os sérios problemas de capacidade governativa dos Municípios brasileiros. Foram avaliados 5.243 municípios, onde viviam 191.256.137 pessoas – 96,5% da população brasileira. A propósito, embora

61 Sobre a formação dos municípios do Brasil, cfr. André Ramos TAVARES (2013, p. 862-863). Vale

destacar que, em federações com “municípios dependentes”, a natureza limitada do governo federal tem sido mais uma teoria do que uma realidade.

de natureza obrigatória, até o dia 21 de abril de 2015, dados de 324 municípios não estavam disponíveis ou apresentavam inconsistências que impediram a análise.62

Segundo aponta a pesquisa, nos últimos vinte e cinco anos, ainda que o crescimento das economias locais tenha permitido o aumento do montante arrecadado pelas prefeituras, a elevada dependência de transferências intergovernamentais cristalizou-se entre os Municípios brasileiros, pelo que 94% deles têm, nas transferências advindas de União e Estados, pelo menos 70% de suas receitas correntes.

Em decorrência de tal fato, os entes locais ficaram com pouco controle sobre suas receitas, contribuindo para o afrouxamento do envolvimento de corresponsabilidade entre o cidadão-contribuinte e o poder público local, e deixando as prefeituras vulneráveis à conjuntura econômica e política. Nem mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000), que definiu diversos mecanismos de controle do gasto público, logrou conter esse processo. A propósito, apenas 61 dos mais de 5.000 mil municípios brasileiros geram receitas suficientes para pagar seus funcionários.

Mesmo na Região Sudeste, onde estão localizados 55,2% do PIB nacional, 74% dos municípios foram avaliados como de “gestão crítica” (ou seja, com situação fiscal pior do que “gestão em dificuldade”). Esse percentual foi de 75% na região Centro- Oeste, de 77% na região Sul, até atingir 92% e 96% nas regiões Norte e Nordeste do país, respectivamente.

No que tange a investimentos em urbanização, como sabido e evidenciado na pesquisa (FIRJAN, 2015), ruas pavimentadas, iluminação pública de qualidade,

62 Cfr. FIRJAN (2015). Todos os dados colhidos para a pesquisa foram retirados de fontes

oficiais, tais como a Secretaria do Tesouro Nacional, por meio dos arquivos “Finanças do Brasil”, mais comumente conhecido como FINBRA. O referido banco de dados é constituído de informações orçamentárias e patrimoniais declaradas pelos próprios municípios, atendendo ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000) em seu artigo 51. Os dados retirados propiciaram os subsídios técnicos para corroborar a pesquisa. Dispõe o art. 51 da LRF que: “Art. 51. O Poder Executivo da União promoverá, até o dia trinta de junho, a consolidação, nacional e por esfera de governo, das contas dos entes da Federação relativas ao exercício anterior, e a sua divulgação, inclusive por meio eletrônico de acesso público. §1º Os Estados e os Municípios encaminharão suas contas ao Poder Executivo da União nos seguintes prazos: I - Municípios, com cópia para o Poder Executivo do respectivo Estado, até trinta de abril; II - Estados, até trinta e um de maio. §2º O descumprimento dos prazos previstos neste artigo impedirá, até que a situação seja regularizada, que o ente da Federação receba transferências voluntárias e contrate operações de crédito, exceto as destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária.”

transporte eficiente, escolas e hospitais adequados são exemplos de investimentos municipais capazes de aumentar a produtividade do trabalhador e promover o bem-estar da população. No entanto, diante do elevado comprometimento dos recursos municipais com a folha de salários do funcionalismo, tem sobrado pouca verba para os investimentos, sendo que, desde o ano 2000, esse quantitativo para investimento oscila por volta de 10% dos orçamentos dos municípios.

Em 2013, o percentual médio investido pelas prefeituras brasileiras foi de apenas 9% da Receita Corrente Líquida (RCL), bem abaixo do percentual de 14,2% observado no ano anterior. O percentual de municípios que destinaram mais de 16% de sua RCL à execução de investimentos caiu bruscamente, passando de 33,5%, em 2012, para apenas 10,7%, em 2013.63

A realidade dos Municípios brasileiros, considerada a problemática situação fiscal por que passam, faz com que haja insucesso na gestão de vários setores da administração municipal, como, por exemplo, na gestão da política urbana. Tal realidade pode ser agravada com a falta de articulação institucional do Poder Público e a ausência do interesse por parte das populações locais na conservação de espaços urbanos.

Assim é que, mesmo que se entenda que regras sobre parcelamento do solo urbano envolvam interesse predominantemente (ou quase exclusivamente) local e que, por isso, tais regras sejam de competência supostamente privativa dos Municípios (CF, art. 30, inc. I), considerando a precariedade estrutural de certos municípios brasileiros (por exemplo, que padecem de equipes urbanísticas e ambientais qualificadas), deve-se prestigiar a cooperação ou integração de atuação por parte dos Estados-membros e da União federal na estruturação de uma adequada política de desenvolvimento e de expansão urbana. Como visto, nosso entendimento é de que a competência para legislar sobre retalhamento do solo urbano é concorrente, e não propriamente exclusiva do Município.

63 O relatório da pesquisa ressalta, ainda, que, no caso dos investimentos, é importante destacar a redução

das Transferências de Convênios – em termos medianos, recuaram 36,4% em 2013, após crescerem 54,9% em 2012, em termos reais (IPCA/IBGE). Ainda que não sejam a principal fonte de recursos das prefeituras brasileiras, essas transferências voluntárias da União e dos Estados são preponderantemente destinadas à execução de investimentos pelos municípios e, por isso, afetam o montante destinado a esta rubrica.